A PRÓPRIA VIDA COMO ANTÍTESE
(uma reflexão a maneira de monólogo)
Oswaldo U. Lopes
A proposta era escrever sobre antíteses,
mas não era fácil, teve vontade de contar a própria vida toda ela uma antítese,
mais perdida do que ganha, mais sofrida que falada.
Expliquemos: era médico e entre a vida e
a morte, o calor da febre e o frio do choque hemorrágico, a hipertensão e a
hipotensão, a hipercalcemia e a hipocalcemia vivera sabendo que no fim a
antítese virava tese a morte encerrava a história. Aprendera na carne o primeiro
aforisma de Hipócrates:
“A vida é curta, a arte é longa, a
ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamento difícil.”
Para
dominar a arte, a vida fora sem dúvida breve, a experiência totalmente fugidia
e o pouco que restava era a certeza de que o que sabia era de fato nada em
comparação ao muito que quisera saber. A sensação era de vazio misturado a um
pânico inexplicável.
Na
medicina, refletia, “tudo girava entre o
ser e o não ser, ou melhor, o deixar de ser”. Achava desde muito que a tradução
do solilóquio shakespeariano, pelo menos na medicina, ficava mais certa com
deixar de ser. Não havia, neste ramo do conhecimento, o vazio implícito no não
ser. Na medicina tudo era o que existe e o que deixa de existir.
No
mais comum, no dia a dia, era sempre a antítese fervente. No centro cirúrgico a
constante dicotomia entre a luz e sua falta. A oxigenação era questionada entre
o azul e o rosado. Mesmo diante de números da oxigenação dados em precisas
porcentagens a dualidade das cores ainda era muito observada e procurada.
O
tempo todo a pergunta crucial era antitésica. O eterno questionamento: melhorou
ou piorou? Parecia-lhe muitas vezes que a medicina era em suma uma verdadeira
antítese, centrada em contradições, confrontos e opostos. Da alegria do
nascimento a tristeza da morte, da notícia boa à má notícia. Riso e pranto,
anseio e perda, luz e treva, já não distinguia todas as antíteses que vivera.
Lembrava
bem e com dor surda às vezes em que houvera a perda irreparável e como estas o
marcaram. Tinha sulcos no rosto e no espírito, traços tristes e vincados,
vivera uma suprema antítese sempre questionado pela pequenez das possibilidades
e do conhecimento.
No
escuro, não procurou a luz, colocou a cabeça entre as mãos e pensou, como que
rezando, naqueles que havia, nas suas mãos, feito a tese final e assim
quedou-se calado por um longo tempo, como se na garganta tivesse, um grito
esganado e mudo.
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