INFERNO GÉLIDO
Carlos Cedano
O velho
ônibus que me leva para Bolívia percorre um caminho muito sinuoso e ninguém sai
vivo! Os precipícios são enormes e o
ônibus não chegaria inteiro ao fundo do abismo.
Fechei
os olhos e tratei de dormir, estava cansado e a altitude parecia contribuir
para isso, mas meus pensamentos sempre me levam a meu passado recente:
O canalha de meu sócio me deixou na miséria, houve
descuido de minha parte, eu sei que confiei demais nele, mas nada justifica o
que me fez tínhamos ambos uma vida boa e ele quis ficar rico numa jogada só!
Pensou que ia escapar né Seu cretino! Mas consegui achar-te e muito a meu pesar
tive que matar sua mulher e seu filho mas é você o verdadeiro culpado do que aconteceu, eu
sempre fui direito contigo e você me pagou assim você mereceu, mas as mortes sua
mulher e de seu filho é uma conta que acertarei lá encima!
Passamos
por La Paz e fomos direto a Guaqui, o porto Boliviano no Lago Titicaca, tomamos numa pequena embarcação e nessa mesma
tarde em Puno que fica à beira do lago. Uma
hora depois pegamos um pequeno ônibus que nos levou até La Rinconada num
percurso total de quase duzentos quilômetros. Após cinco horas chegamos a nosso
destino. A rota era muito difícil e a velocidade neste percurso é muito baixa.
Se a viagem até Puno foi cansativa, a de Puno até La Rinconada, passando por
Juliaca e outros povoados perdidos na imensidão dos Andes, foi extenuante!
Chegamos
ao amanhecer. A paisagem é de extrema beleza e de cima dá pra ver os glaciares
que contornam um lado da lagoa. A cidade em frente aos glaciares, as casas de material
improvisado e as precárias construções estão inseridas num ambiente de mau cheiro
e sujeira, a miséria é generalizada. Os rostos tristes e os olhares perdidos
dos habitantes transmitem a sensação de solidão.
Onde fui me meter? As noticias que me deram deste
lugar não falavam das condições da cidade: sem esgotos, sem serviços públicos e,
ainda pior, sem perspectivas de melhoria! Só vim aqui por que me disseram que no
meu caso o lugar é o ideal para passar “despercebido”, sem policia, nem
perguntas sobre quem é você ou que faz?
Ficaria
uns dias para ver as possibilidades que a cidade e a mineradora podiam oferecer
a um cara como eu cuja única experiência era em vendas e comércio. Como
suspeitava o lugar não oferecia nada pra mim “salvo se quisesse trabalhar no
garimpo ou nos túneis” me disseram com certa ironia.
Quando
conheci os garimpos vi que os trabalhadores além de longas jornadas de trabalho
sofriam com a intoxicação do mercúrio e outros gases, mas isto não se comparava
com as condições dos mineiros que trabalham nos túneis, são homens de vida
curta pela falta de ar nos túneis e poluição. La Rinconada está a cinco mil e
cem metros sobre o nível do mar e o ar é rarefeito contribui para tornar o
lugar ainda mais tenebroso.
Os mineradores
trabalham no sistema dito de cachorreo isto
é, trabalham trinta dias corridos, e no trigésimo primeiro dia eles têm
“direito” a levar terra das escavações até o limite que seus ombros podem
suportar. Se o minério contém ouro ou não, é uma questão de sorte! Direitos
sociais e trabalhistas, férias? Esqueçam, aqui é outro mundo!
Mas as
mulheres sempre levam a pior! Elas não podem trabalhar na mineração, há a
crença de que o ouro vai desaparecer se elas fizerem isso. Além do machismo que
prevalece no país a crença é reforçada por tradições muito antigas. As mulheres
só podem trabalhar além das entradas das minas onde procuram ouro nos resíduos
que os caminhões jogam nas encostas das perigosas ribanceiras, são chamadas de pallanqueras.
No
total fiquei quinze dias em La Rinconada e fui embora com a certeza de ser um
lugar caótico, corrupto e brutal!
Parti
para Juliaca a quatro horas de La Rinconada de ônibus, me hospedei num pequeno
hotel barato perto da Plaza de Armas onde há muitos bares. Caminhei bastante, conheci
a cidade que não é muito grande e fui dormir cedo.
Acho que estou me arrependendo de ter fugido, sinto
constante ansiedade com a certeza de que alguém me esta observando e acordo com
pesadelos e medos. Hoje no ônibus que me trouxe de La Rinconada tive o desejo
de pegar outro imediatamente, ir para Puno e fazer a viagem de volta para São
Paulo. Estou com um conflito interno e
não consigo separar as coisas na minha cabeça!
Alguns
dias depois num bar que conhecia, me deparei com uma pessoa que tinha visto
antes, nos olhamos e com aceno de cabeça nos saudamos, senti medo e tratei de
me controlar, estou ficando paranoico,
pensei. Na próxima vez ele aproximou-se e me disse:
— Bom dia, meu nome é Yuri Hassan, sou marroquino
nascido na Argentina e vim para cá para montar um pequeno negócio de tecidos.
Você esteve no inferno gélido? - Perguntou com espanto
o marroquino e emendou - Eu estive, mas dois dias depois voltei correndo, esse
lugar é um pesadelo, é dantesco e desumano!
— Sou Ramiro e penso instalar um negócio, mas
ainda não sei onde, estive em La Rinconada sim, mas também não o achei um bom
lugar!
Fizemos
boa amizade, com o tempo me aceitou como sócio e começamos amplia-lo, minha
experiência na área de comercio e vendas ajudou bastante e em poucos anos já
tínhamos crescido e já vendendo para
outras cidades as roupas simples para mulheres e crianças. Após quinze anos de
trabalho intenso não podíamos queixar-nos, as coisas continuavam indo bem,
ampliamos ainda mais os negócios, até tínhamos uma pequena loja em La Rinconada
e uma grande em Puno.
Estou com medo e ansioso tenho impressão de que uma
ameaça está perto de mim, os pesadelos continuam e os fantasmas de meu passado me
“visitam” com mais frequência. Meus remorsos e temores agora martelam minha
cabeça persistentemente. Que posso fazer? Acho que preciso enfrenta-los.
Hoje é
um dia feliz, meu amigo Hassan casa-se com uma linda moça chamada Marisol, eu
serei padrinho dele e teremos uma bela cerimonia e uma festa ainda melhor. Eu
já preparei todas as coisas necessárias para que meu presente faça a felicidade
do casal. Tudo saiu como previsto e todos os familiares da moça e amigos do
noivo estivemos muito felizes, O casal é uma promessa de amor eterno!
Dois
dias depois, quando já estaria viajando de volta pra São Paulo, Hassan e
Marisol receberiam de meu advogado a escritura e a procuração que transferia
pra eles todas minhas propriedades e direitos. Na minha carta agradecia a
Hassan sua amizade e desejava pra o casal as melhores felicidades!
Parti para defrontar-me com meus temores e remorsos, tinha
um encontro marcado com eles no Brasil!
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