A CONVOCAÇÃO
Ledice
Pereira
Família reunida. Todos tinham atendido à
convocação de tio Raimundo. Veio gente de toda parte: de Belo Horizonte, de
Florianópolis, de Maringá, de São Paulo, de Barra Grande na Bahia.
Foram chegando durante o dia todo. Alguns
sozinhos, outros traziam a família.
E a casa da fazenda foi se enchendo daquele
zum, zum, zum, do burburinho das
crianças e do cunhé, cunhé dos bebês.
Tio Raimundo e tia Margarida eram só
sorrisos. Ela era um doce, sempre muito carinhosa e receptiva.
Até os pássaros com seus piopios
demonstravam estranhar aquele movimento.
Meu bisavô fundou a fazenda em 1910, recém-chegado
da Europa, com mulher e dois filhos. Lá viveu, e morreu os 96 anos.
Teve mais quatro filhos que, por sua vez,
tiveram filhos.
Meu pai, nascido em 1930, faleceu em 2005.
E agora, nosso tio, o mais novo dos irmãos
e único sobrevivente, nos chamava para aquela reunião. Estávamos todos
curiosos.
Ele sempre tinha sido o tio agregador, o
tio conciliador, o tio mais novo e amigo de todos.
Alguns primos especulavam pelos cantos sobre a razão daquele encontro:
- Iria
tio Raimundo dividir a herança, dividir a fazenda, dividir seus pertences, seu
gado - indagavam.
Eu, que tinha ficado tão feliz com a
iniciativa do tio de reunir a família, que estava curtindo rever gente, que há
tanto tempo, eu não via, fiquei uma fera:
“Meu
Deus, que falta de sensibilidade, que ganância, que absurdo”.
Fugi para um canto do pomar, onde costumava
me isolar quando criança e chorei rios de lágrimas.
Só depois de ficar ali durante muito tempo,
voltei pra dentro da casa e fiquei sabendo o motivo do encontro.
Meus tios estavam doentes, tinham perdido a
fazenda para pagar dívidas e precisavam que um de nós os abrigasse. Não tinham
para onde ir, além de precisarem de cuidados médicos.
Cada um foi se desculpando e saindo de
fininho.
Apenas eu e uma prima mais nova nos
oferecemos para cuidar deles.
Eu espumava de raiva daquele bando de
urubus.
“Como
pode o ser humano ser assim tão interesseiro? E com pessoas que sempre nos
acolheram com tanto carinho?”
Eu percebia a decepção de tio Raimundo,
embora ele não comentasse.
Trouxemos os dois para São Paulo e não
poupamos esforços para que se sentissem bem e fossem bem cuidados.
Na verdade eles, que não tinham filhos,
precisavam apenas de carinho. Inventaram a história da perda da fazenda para
avaliar quem seriam os verdadeiros merecedores daquela herança.
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