DA
ESQUERDA PARA O DIREITO
Oswaldo U.
Lopes
Jose
Roberto era jovem, quase na média, um pouco mais a esquerda talvez. Um pouco
mais irrequieto. De um pouco mais a um pouco mais, fora parar na ponta da curva
de Gauss e dali para a clandestinidade e a luta armada.
Era estudante de medicina e nesse vai e vem acabou se
formando e fazendo residência de cirurgia. Não tinha índole para segurar armas,
participava ou na logística ou no que sabia mais, assistência aos feridos.
Desenvolvera uma capacidade fantástica de tratar, operar e
curar gente nas piores condições que nem em guerra se veem. Foi pego pela
repressão e pego com raiva. O Dr. Danilo, seu codinome, era conhecido da ditadura
pelo excelente tratamento que proporcionava aos guerrilheiros.
Foi judiado, torturado, não pelas informações que podia
fornecer, eram poucas e mutantes como seus algozes sabiam. Endereços,
codinomes, pontos de acolhimento eram voláteis por natureza. Foi torturado para
deixar de ser besta e deixara!! Depois que fora julgado pela Justiça Militar, ficara
preso por quatro longos anos, ao fim
estava de ânimo alquebrado e vocação partida.
Quando saiu, o trem já tinha passado. Velhos colegas tinham
se arrumado na vida. Embora respeitassem o que fizera, não encontrava acolhida
profissional. Tentou aqui e acola e descobriu que as portas estavam cerradas. O
aparato militar, o sistema como chamavam, fazia de tudo para marginalizá-lo, e
marginalizado estava.
Vai de aqui, vai de acolá, ouviu falar de um povoado na
Amazônia, Jacareacanga, beira do rio, milicos da FAB, médico nenhum, quer dizer, um, velho e
doente que a morte qualquer dia iria aposentar.
Resolveu ir,
era do jeito que imaginara, pois imaginara o pior. Hospital pequeno, mal
equipado com dois auxiliares técnicos e um porteiro. No fundo uma pequena casa,
quarto, sala, cozinha e banheiro. Instalou-se, conversou uma vez com o Dr.
Estefânio que agradeceu aos céus e resolveu morrer perto do irmão em Porto
Velho.
Dez anos são
passados, o Hospital não cresceu
muito, mas está limpo e equipado. O major da FAB comandante do destacamento
local é visita frequente. O material ou medicamento que pede lhe são entregues
no máximo em uma semana.
Da guerrilha
trouxera a medicina de guerra. Operava e
salvava mais gente do que a memória conta. Praticava até obstetrícia, mesmo
sendo especialidade particularmente detestada. Era raro dar outro destino ao
doente, embarcando-o para um centro maior.
Era
respeitado a mais não poder. Não podia acreditar que os da Aeronáutica lhe
prestavam continência a começar pelo major cuja mulher ele salvara num parto
prematuro e delicado. Há muita fantasia na Amazônia, o fato é que voar nem
sempre é fácil, chove muito e as condições meteorológicas não são sempre
convidativas. Tem pouco brigadeiro voando por lá, porque o céu nem sempre é deles.
Interrompiam
reunião de vereadores para saudá-lo, queriam porque queriam elegê-lo para a
câmara, para a prefeitura ou para qualquer coisa que quisesse.
Não fosse
amigo do padre que tivera vida parecida, e teria sido eleito Jesus Cristo com
direito a ressureição e procissão. O amigo fora um dos famosos padres de
passeata.
Ninguém se
conformava que ainda morasse no Hospital, embora a casa tivesse agora um
segundo andar e três parabólicas diferentes.
Era
respeitado até pelos índios que traziam, pelo rio, seus doentes, de longas
distâncias. Fizera sugestões e trabalhos que culminaram em um verdadeiro oásis
em que a febre amarela e a malária ficaram de fora.
Ainda era
inquieto, ainda era amargo, mas muito amado, herói local intocável para quem
não havia feriado nem dia santo. Tinha certeza de que o major conhecia sua
ficha e suas antigas ideias, mas batia-lhe continência em respeito a seu
presente e seus trabalhos.
No aqui e
agora isso lhe bastava. Da esquerda guardava saudosa memória embora estivesse
fazendo pelo sofrido povo, mais do que faria se tivesse ganhado a antiga
parada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário