A ESCADARIA
Suzana
da Cunha Lima
De
longe percebi a elegante silhueta no topo da escadaria gasta, tantos anos
pisada por pés desrespeitosos e insensíveis. Pés que buscavam o prazer fácil, a
satisfação da carne, e que jamais a olharam como uma pessoa, um ser humano que
precisava de compaixão.
Pois,
aquele vulto impreciso, lá no alto, era o de uma mulher, ou o que restara dela.
Belos olhos, mas mortos, num rosto que ainda guardava traços de uma beleza
incomum. E a bela e sedosa cabeleira era agora um emaranhado de cabelos mal
tratados, touceiras que há muito não viam corte nem rega.
Boca
sarcástica de riso fácil e falso, embora o todo apresentasse ainda, um quê de
cativante e misterioso.
Antes,
quando moça, era uma flor altiva que a nada se curvava. Porte esplêndido, por
onde passava deixava um rastro de suspiros lamentosos, desejos obscenos, inenarráveis.
Mas
ela própria pouco se importava com sua vida vagabunda, estéril, escrava das
drogas e de quem sustentasse seus vícios. Era lá no alto, em seu quarto hoje
miserável, que ela se vendia por qualquer tostão, até que nem isso mais lhe
chegava.
Escolhera
uma estrada vil, que a conduzira a um nível de degradação maldita e sem volta.
Ela era o retrato vivo de uma crônica de morte anunciada, perversa, um extraordinário
desperdício de beleza e talento, corroídos por tantas falsas promessas, sem
sentido nem glória. Às quais não tivera mais forças para resistir.
Cheguei perto, perplexo e consternado, e, lá
de cima, ao me ver, ela sorriu
maldosamente, aliás, gargalhou como demente, abriu os braços e se jogou no
vazio dos degraus indiferentes a tanta dor.
E
planou no ar como um pássaro ferido,
cujas asas não obedecem mais, quase em câmara lenta, se espatifando no chão
como uma boneca de trapos, os olhos arregalados de pavor e espanto.
E
aquele corpo, outrora tão belo, ali ficou, disforme, arrebentado não apenas
pela queda, mas pelo mau uso dele, feito uma máquina de prazer já obsoleta, sem
vida e serventia, como tinha sido seu final de vida.
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