A
história dentro da história
Suzana da
Cunha Lima
Naquele momento Elias só tinha olhos para a bela moça ruiva que o
seduzia somente com gestos. Mas, ao
mesmo tempo, sentia-se inquieto com a situação do país e principalmente com a do mundo, onde a Segunda Guerra já entrava no seu terceiro ano na Europa, e
agora, havia um novo ator novo de peso naquele cenário: Os Estados Unidos. Estavam
furiosos pelo ataque dos japoneses a Pearl Harbour, em dezembro do ano
anterior.
Ele pressentia que, cedo ou tarde o Brasil
seria forçado a tomar uma posição neste conflito, e sairia da confortável
neutralidade, pois um país do continente americano, havia sido atacado por uma nação
extracontinental, o que obrigava o Brasil a cumprir os compromissos
assinados na Carta do Atlântico, alinhando-se ao mesmo.
Já desde fevereiro daquele ano, muitas
embarcações brasileiras estavam sendo torpedeadas por supostos submarinos alemães e italianos, e o presidente Roosevelt iniciara sua política
de boa vizinhança, que se resumia a promessas de incentivos econômicos,
temperada com ameaças veladas. Diante das pressões diplomáticas que o deixariam isolado no continente
americano, o Brasil afinal, cedeu e declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália
fascista, em agosto de 1942, permitindo a instalação de bases aeronavais ao
longo de sua costa norte-nordeste e
ganhando o financiamento para construção da Cia Siderúrgica Nacional.
Esta era a situação naquele 1942, quando tantos
importantes eventos ocorreram.
Mas, naquele momento, e naquela bela tarde
onde o sol se punha tão linda e lentamente, os pensamentos de Elias se
balançavam como pêndulo, entre a os cabelos chamejantes de Solange e a
possibilidade real de ser convocado a combater. Era radiotelegrafista de
profissão, e dos bons.
Optou para viver aquele momento da
conquista e, apesar da timidez, resolveu abordar a moça, enquanto ainda era dono de seu destino. Depois, quem sabe, perguntava a si mesmo,
guerra era o imponderável, tanto se podia sair vivo como morto. Portanto, não perderia a menina sem antes
tentar conquistá-la.
Não foi tão difícil como lhe parecera à
primeira vista. Solange já estava interessada nele e juntos iniciaram um
romance fora dos padrões da época. Ela morava com tios bem idosos e a família
dele havia se dispersado no interior de Mato Grosso, para onde ele nunca mais
voltou.
Foi um amor tórrido e inconsequente, sem os
freios da família, principalmente diante
da real ameaça de uma guerra. Como era fácil de prever, Solange engravidou em
poucos meses. Ela lhe deu a notícia no
dia mesmo em que ele foi convocado.
Olharam-se atônitos. Nessa hora, maldisseram aquela guerra distante que
haveria de separá-los. Foi uma despedida difícil e dolorosa para ambos. Talvez
apenas naquele instante eles tomaram consciência do tamanho do sentimento que
os unia e quão pesada seria a separação.
Enquanto muitos convocados faziam seu
treinamento no Brasil, Elias foi enviado imediatamente para a Inglaterra, para
treinamento especial em criptografia.
Tornou-se um dos melhores nesta área e, portanto, muito valioso.
Enquanto era promovido e muito prestigiado, era ao mesmo tempo um prisioneiro,
pois não podia sair daquele enorme prédio cinzento às margens do Tâmisa. Parece
que seu trabalho era não apenas sigiloso, mas muito importante para o desfecho
do conflito. E os ingleses não queriam
se arriscar a que descobrissem onde ele estava.
Enquanto isso Solange teve sua criança, uma
menina ruivinha como ela. Seus tios
morreram num acidente de ônibus, e ela ficou só, naquela casa grande sem calor
e amor e, distante do homem que amava.
Elias enviava muitas cartas para ela, porém
passavam por uma severa censura tanto na quantidade quanto no teor escrito e ainda
tinham a trabalheira de enviá-las com carimbo da Espanha ou Portugal, países
neutros. Da mesma maneira acontecia o
que vinha do Brasil. Só após muitos crivos de segurança é que ele as recebia .
Isso
o deixava muito nervoso e estava a pique de fugir dali. Mas sabia que o dinheiro que ganhava seria importante
para criação de sua filha. E possivelmente não chegaria com vida nem na primeira
esquina. Seus conhecimentos eram valiosos demais para caírem em outras mãos.
Mas
Elias não desistia da ideia de voltar para o Brasil e usou de muitos
estratagemas, nem todos razoáveis. Sabia que os combatentes feridos voltavam às
pátrias de origem e imaginou um meio de entrar na linha de frente. Foi falando com um e outro oficial mais
graduado até que conseguiu autorização para ir para a França, ajudar a
Resistência francesa na decodificação das mensagens nazistas, desesperadas
diante da iminência da perda da França e da própria Guerra, com severas perdas
em todas as frentes. Quem sabe lá, conseguiria quebrar uma perna ou braço, algo que o
invalidasse para a guerra? E assim viu-se saltando de paraquedas na Normandia, no dia D, seis de junho de 1944.
Não foi nem simples nem fácil. Na descida
quebrou um braço e foi, aos trancos e barrancos, buscar socorro com
alguma patrulha que por ali estivesse.
Procurou primeiro seu grupo, mas
ele tinha sido disperso pelos ventos e não estava interessado num brasileiro
que não sabia sequer empunhar um fuzil. Foi engatinhando pelos matos, se escondendo
como podia, gemendo de dor e de frio, lamentando a enorme tolice que fizera.
Nunca tinha visto uma guerra de perto e
ficou horrorizado com tanto sangue, gritos, mutilações, e pelo barulho infernal
das bombas e canhões.
Bateu o medo. O medo horrível de acabar
morrendo em terra estrangeira, sem nem saber bem por que estava lutando. Pior, morrer sem ver sua filhinha e sem conseguir
voltar para sua pátria e seu amor.
Os jornais noticiaram aquele desembarque
como uma incursão ao inferno. Milhares
de homens se esgueirando pelas praias, as casamatas alemãs cuspindo fogo e
morte, o céu pontilhado das luzes mortíferas das bombas.
Porém Solange, em sua casinha abrigada no
Brasil, só tomou conhecimento do horror daquele dia, ao receber uma carta do
Comando Militar, aquela temida carta que as mulheres dos combatentes se
aterrorizavam só em pensar e que começava sempre com “Lamentamos...
Sua contribuição para o esforço de guerra,
como se dizia, foi ter que criar sua filha e enfrentar a vida sozinha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário