ANTONIO O CONSERTADOR
Oswaldo U.
Lopes
Antonio sonhava consertar o mundo.
Parecia que tinha nascido do verso de Geraldo Vandré “Eu vivo pra consertar”,
ou para querer consertar porque na prática o resultado era pífio. Parecia coisa
de escoteiro, sempre alerta e uma boa ação todo dia. Antonio, porém tinha
espírito crítico e embora jovem, vivera muito, calejado sabia das coisas e
tinha até medo desse negócio de escoteiro lembrando, temeroso os versos
italianos. Escoteiros :
“Sono dai
bambini vestiti da cretini,
Comandaditi
da cretini vestiti da bambini”.
Mas
que sonhava consertar o mundo sonhava. Tinha horror das injustiças ou até
melhor tinha delas ódio ferrenho. Gente sem teto, sem terra, sem saúde, sem
escola, sem educação (não de modos, mas de leitura, de cálculo elementar), sem
comida, em suma a margem da vida. Tinha também pena das vítimas dos fenômenos
da natureza: terremotos, tufões, tsunamis, enchentes, avalanches etc. Grandes
cidades sem condução pública de razoável qualidade, poluição, congestionamentos
enormes, estradas abarrotadas, filas nos cinemas. Tudo dizia respeito a Antonio
e ele queria consertar tudo isso.
Do
jeito que ele encarava as coisas, o conserto tinha que começar bem lá atrás, na
criação do mundo, assim só poderia ter sucesso se fosse Deus. Bem no íntimo era
o que pensava: se fosse Deus faria tudo diferente.
Não
deu outra o Todo-Poderoso cansado daquela lengalenga, tão antiga quanto a sua
própria obra de criação do mundo, se encheu. Podia simplesmente ter pensado,
mais um a querer participar do comitê celestial, dane-se que vá para o inferno
se entender com satanás. Desta vez, porém, Deus estava irritado e bravo, chamou
o anjo Rafael que era o encarregado desse tipo de missão e lhe disse:
“Você vai lá e vai fazendo tudo que ele quer
para consertar o mundo, apenas avise-o das conseqüências das modificações e se
assegure de que mesmo assim ele as quer. Se ele quiser destruir o universo para
começar de novo ai é bom você me acordar e avisar para tomarmos alguma
providência, para modificações de pouca monta nem precisa me consultar.”
Lá foi Rafael encontrar Antonio, que olhava melancólico e emburrado na TV o
terremoto do Nepal, e apresentou-se:
- Eu sou Rafael, anjo do
Senhor e estou aqui para te ajudar a consertar o mundo.
Antonio
olhou um pouso espantado, mas não muito, como se já esperasse por aquilo,
porque alguém tinha que dar um jeito na terra. Se era para valer vamos começar
com os terremotos e tsunamis..
-
Se você quer me ajudar a consertar as
coisas, vamos começar pelos terremotos. Vamos acabar com as crostas, fendas e o
magma terrestre, vamos transformar a terra numa massa sólida e não essa casca
de ovo quebrada em pedacinhos que vocês fizeram.
-Se este é seu desejo assim será feito, mas
devo alertá-lo que isso resfriará totalmente a terra, o eletromagnetismo
desaparecerá e os mares se tornarão inviáveis, em resumo a vida tal como a
conhecemos hoje, desaparecerá da face da terra.
É
claro que Antonio desistiu, optou pelo fim das enchentes, mas foi alertado de que
sem elas a terra se tornaria seca e inviável para cultivo e a fome bateria na
porta, aliás, já estava acontecendo, mas, por hora a coisa ia devagar. Nova desistência. Pensou na educação e pediu
um sistema educacional que garantisse um ensino bom e de qualidade.
E
lá veio Rafael explicando:
-Boa
e generosa ideia, só que para dar certo precisaria ter começado lá atrás. Na
parte material até que podia se dar um jeito, a construção de escolas e belos
edifícios não era impossível de se obter de imediato. Mas, você sabe Antonio,
prédio sozinho não ensina ninguém. Precisa de professores e muitos. Você tem
que formá-los e pagá-los razoavelmente de forma a que se interessem pelo que
fazem, caso contrário nada feito. Esse passe de mágica nem o Todo-Poderoso
consegue.
Nova
desistência e novas ideias e assim foi, ao fim Antonio entendeu que não ia
conseguir mudar o mundo e, acreditem, desistiu. Desistiu tão alto que Deus
acordou e pensou:
-Bem,
menos um para me encher o saco.
E
Antonio? Começou a pensar mais em concertos do que em consertar. Experimentou
umas pingas de Salinas e não deu outra, quando vinha vontade de consertar o
mundo afogava a vontade numa boa cachaça e num toque de viola.
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