A
REALIDADE E A FANTASIA: QUAL A DISTÂNCIA ENTRE ELAS?
Oswaldo U. Lopes
Luis Antonio era filho temporão, sete
anos mais novo que o irmão, e seis mais novo que a irmã, ou seja, tinha irmãos,
mas era filho único. Na casa grande vivia isolado e só. A família era rica e
ele era fruto daquela coisa que antes havia e hoje não mais se vê, uma ultima
tentativa de aproximação do casal.
O
resultado fora desastroso, era distante do pai e próximo da mãe. Inteligente se
dera bem nos estudos e gostava muito de leitura. Aos treze anos já lera quase
tudo de Alexandre Dumas. Atos, Porthos, Aramis e D’ Artagnan moravam no seu
quarto, era um por todos e todos por um. Costumava assistir junto com Edmond
Dantes as aulas do Abade Faria e cavara no enorme quintal da casa, baseado em
mapas que criara, imensos buracos buscando o famoso tesouro do Conde de Monte Cristo. Já se
metera em encrencas de que o salvara o jardineiro Joaquim. Uma delas foi se
costurar num saco, esquecendo, porém o canivete do lado de fora.
Nos
carnavais luxuosos do clube era conhecido por fantasias autenticas, muitas
vezes de mosqueteiro, mas também de toureiro e oficial das tropas de Napoleão.
Era visivelmente incentivado pela mãe que muito próxima, realizava nele
fantasias que teria gostado de viver.
Não
tendo nenhuma preocupação financeira, enveredou pelas letras modernas e os
romancistas do inicio do século XX. Com a morte do pai e depois da mãe, ficou
proprietário da casa e herdou a cozinheira Ana Julia e o já conhecido jardineiro
Joaquim.
Saia pouco, embora fosse
conhecido na vizinhança, tinha até apelido “cavaleiro andante”, gostava de usar
uma capa bege que lhe dava um ar de Humphrey Bogart num de seus memoráveis
filmes. Gostava de murmurar “Play it again Sam”, mesmo sabendo que essa frase
nunca fora pronunciada no famoso filme que lhe servia de mote. Quando ia ao banco com aquela capa e um
chapéu encobrindo o olhar era saudado ou
com a Marselhesa ou com as palavras: “senhor Casablanca”.
A sala do canto, no
andar de cima, já fora transformada na “Bodeguita del Medio”, homenagem a
Hemingway e a seu drinque favorito: mojitos que Ana Julia aprendera a fazer. No
andar de baixo a sala de visitas, redecorada no estilo do Cassino do Rick,
tinha num canto um piano dobrável tornando quase presente a figura do Sam.
Para a vizinhança Luis
Antonio era um rico inofensivo, para os poucos amigos um excêntrico, para
funcionários de bancos, lojas e supermercados que frequentava, um tipo meio
louco, em geral calado.
O que ninguém fazia era
a pergunta mais séria e inescapável: onde aquilo começara, e mais sério ainda
aonde ia terminar? Ainda não havia resposta para nenhuma das duas. Embora para
a primeira, por se situar no passado, fosse, talvez, possível, encontrar uma
resposta esta não havia. Luis Antonio sempre se opusera a qualquer intervenção
psicológica, psiquiátrica ou psicanalítica.
Vivendo naquele
lusco-fusco entre o sonho, a fantasia e a realidade, num mundo que era só seu e
no qual transitava de um pólo ao outro, às vezes sem si quer se dar conta, Luis
Antonio caminhava ante a interrogação maior: conseguiria viver para sempre
assim, entre a fantasia e a realidade ou como D. Quixote teria em algum momento
um lampejo de lucidez e voltaria a terra e ao mundo real. Será que valeria a
pena trocar o universo lírico da fantasia por uma realidade cada vez mais
sombria, como a que vivemos, pensam os que assistem essa pseudo-loucura de Luis
Antonio.
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