O Moita - Vera Lambiasi

O moita                                                                                           
Vera Lambiasi

Clóvis frequentava, religiosamente às quintas, a reunião de condomínio.
De expressão amuada, mais ouvia que falava.

Exalava respeito, em suas formas arredondadas pelo tempo.

Contava com 60, embora seu modo de vida aparentasse mais.

Não opinava sobre resoluções corriqueiras no prédio.

Quem limpava o quê não era do seu interesse, desde que estivesse no orçamento mensal.

Este era o seu real motivo de participação.

À cada proposta de obra, ou gastança supérflua, sua mãozona se levantava contra.

Tudo pela economia do condomínio, bradava seu vozeirão.

De tão pão-duro, Clóvis foi eleito síndico, pela maioria pouco interessada de moradores.

Especialista em reuniões, de seu passado como auditor, punha-se à cabeceira da encerada mesa, distribuía as pautas, dava as ordens, e destratava a secretária.

O bonachão começava a escancarar suas intenções.

Fazia com que todos os funcionários trabalhassem muito, a baixo custo, e culpava a situação do país.

Os proprietários dos apartamentos se desdobravam em ideias para reduzir o consumo de água, luz, gás, até de sacos de lixo.

Clóvis, nesta altura, era tido como um gênio da administração.

Sua autoridade mão-de-vaca espalhava-se pelo bairro.

Outros síndicos começaram a caminhar juntos em seu trajeto de austeridade.

O pátio comum foi ficando cada vez mais limpo!

E vazio...

As crianças já não brincavam, para não sujar.

A piscina estava seca, e coberta.

A sauna, trancada.

Aparelhos de ginástica, enferrujando.

O preguiçoso Clóvis dormia, comia, e dava ordens pelo interfone ao servil porteiro.

A vida feliz em sonho de condomínio esvaia-se dos residentes.

Apartamentos colocados à venda, iam sendo arrematados a ninharia pelo esperto Clóvis.

Ao cabo de um ano, adquiriu todas as 24 unidades.

Colocou todas para alugar, inclusive a sua.


E partiu para um novo condomínio, com falhas de administração.


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