A maldita febre - Fernando Braga


A maldita febre
Fernando Braga

Era maio de 1988, ocasião em que um rapaz de 35 anos fora transferido de um hospital da periferia de nossa capital para o hospital escola, onde trabalhávamos. Fui informado pelo residente de plantão, de que se tratava de mais um caso de hemorragia meníngea, ocorrida há cinco dias, o paciente estava bem, apenas com dor de cabeça e que já trazia um exame de imagem mostrando aneurisma intracraniano da circulação anterior do cérebro. Como o paciente estava bem, pedi que marcasse a operação para o primeiro horário do dia seguinte, colocasse  esta, no lugar da cirurgia de coluna que  estava marcada. Pensei:

- Este paciente teve sorte de não ter tido um ressangramento, o que é mais comum nos três primeiros dias, não podemos dar chance ao azar, não podemos bobear.

Na manhã seguinte, fomos direto ao centro cirúrgico para fazer a cirurgia que deveria excluir o aneurisma da circulação cerebral, fechando seu colo com em clipe. O paciente estava bem, esperando para ser anestesiado e ao chegar o anestesista, comunicou-me ele, que a cirurgia deveria ser suspensa, adiada, porque no momento, o paciente estava com 40 graus de temperatura corporal. Verificou novamente a temperatura e me mostrou, confirmando.

Discuti com ele, propondo que a cirurgia teria que ser realizada mesmo assim, porque o paciente estava bem, exceto pela temperatura. O anestesista pediu um momento, para ouvir a opinião de um colega, seu superior. Ambos disseram que a cirurgia não podia ser realizada naquele momento, que o sangue seria retirado novamente para exames, e novo exame clínico detalhado seria imediatamente feito. No momento nada explicava a alta temperatura, mas a lógica era não anestesiar um paciente com 40 graus! Acedi.

Em um dia, todos os exames foram feitos, repetido o exame clinico geral e nada foi encontrado de anormal, que explicasse aquele achado. A febre havia desaparecido apenas com antipirético. Como o paciente continuasse bem, a cirurgia foi novamente marcada para a manhã do dia seguinte, no primeiro horário.

À noite, estava eu em minha casa, terminando o jantar, quando recebi uma ligação da UTI do hospital, dizendo que aquele paciente da cirurgia, estava entubado, em estado de coma grave, consequência provável de nova hemorragia. Logo após, ele entrou em estado de morte cerebral.

Foi muito grande o desespero da família, que acompanhara de perto todo a evolução do caso.

Mais uma arapuca traçada pelo destino.

Consta que o anestesista que acompanhara o caso se desesperou e resolveu abandonar a anestesia, tornando-se um intensivista de UTI.


C´est la vie!

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