Meu amigo Renan - Carlos Cedano


MEU AMIGO RENAN
Carlos Cedano

Renan era meu melhor amigo na turma, eu tinha doze anos de idade e ele quatorze. Seu apelido era vitrolinha, pois falava até pelos cotovelos e só parava sob os protestos dos amigos, porem tinha muitas virtudes, entre elas sua enorme bondade, era amigo pra todas as horas e se fazia querer por todos nos!

Tinha outra característica. Era um romântico empedernido, já tinha se apaixonado por todas as meninas do bairro com as correspondentes decepções. Ingenuamente tomava suas fantasias por realidades e confundia cada gesto, sorriso ou palavra gentil de uma menina como sinal de namoro e o anunciava pra todos. Renan sofria muito, mas nunca aprendia!

Durante os muitos anos que fomos amigos, até eu ir morar na capital, nossa amizade foi uma diversão constante: além das brincadeiras clássicas como “esconde-esconde”, empinar pipa entre outras, tínhamos as “peladas”, nadar e pescar no rio e derrubar favos de vespa para comer a parte com mel e vender os pedaços com larvas pra os donos de pássaros. Essa nossa vida era a gloria, uma total despreocupação!

Mas o momento mais esperado do ano era a seca do rio. Os adultos podiam solicitar à prefeitura a concessão temporária de chácaras em seu leito. Plantavam-se verduras e legumes aproveitando que a terra estava molhada e fértil.  Quando os frutos estavam quase no ponto, na calada da noite aproveitávamos pra fazer nossa própria “colheita”, Renan relutava em ir, mas sempre acabava indo. Uma vez fomos pegos por três guardas que estavam a nossa espreita, fomos levados os cinco amigos pra a delegacia, nossa sorte foi que um dos meninos presos era justamente filho do concessionário da chácara e fomos liberados. O susto foi muito grande e nosso negocio foi pra o brejo!

Já perto de minha viagem pra a capital houve uma situação que balançou minha amizade com Renan. Ele ganhou um cachorrinho de apenas quinze dias e de tão magro que era, o batizamos de Palito. Ficamos encantados  e quando regressávamos da escola ficava na sua casa brincando com ele até a hora do jantar.

Um dia desses houve outra bonita surpresa na casa de Renan. Sua pata tinha chocado sete lindos patinhos! Era um espetáculo em amarelo intenso ver os patinhos correndo, mexendo as bundinhas e apressados atrás da orgulhosa mãe. Curtíamos muito essa bela cena!

Numa oportunidade que fui brincar com Palito, Renan tinha saído para comprar coisas pra sua mãe. Com o cachorrinho nos braços cheguei para perto dos patinhos e fiz que os cheirassem durante um bom tempo, na minha ingenuidade achava que assim ficariam amigos. Acredito que a partir desse momento se desencadeou a situação desagradável que comprometeu nossa amizade.

Estava na minha casa preparando-me para ir pra escola quando escutei bater na porta, abri e me deparei com Renan que constrangido e com a cabeça abaixada me disse:

 — Chayo me desculpe o que vou lhe dizer, mas cada vez que você vai pra nossa casa desaparece um patinho e agora só restam dois! Minha família acha que você tem a ver com isso!

Curiosamente não me senti ofendido pelo que disse Renan, mas estava triste pela dor que essa situação estava causando nele. Respondi que nunca faria isso, falei com a tranquilidade de quem se sabe inocente, mas mesmo assim, me senti machucado e fiquei triste também! Vitrolinha não falou mais nada e foi embora, tenho certeza de que voltou pra sua casa chorando, na minha eu também chorei!

Aconteceu que um dia desapareceu o sexto patinho e eu não tinha estado na sua casa! De repente a família percebeu que Palito também estava desaparecido. Procuraram por ele e foi encontrado escondido quietinho, quietinho num canto do pátio e com restos de penugem amarela em seu focinho!

Renan me procurou rapidamente e me explicou a descoberta: 

— O culpado era Palito!

Pediu desculpas mil e disse que estava contente por que o mais importante pra ele era nossa amizade, senti que falava de coração. Eu, também contente o abracei e disse-lhe pra esquecer o acontecido e foi embora feliz e aliviado!

Falando comigo mesmo disse: Oh! Cachorrinho safado, ele comeu os patinhos e ainda quis me fazer passar por culpado, onde já se viu, e sorri incrédulo!


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