Pátria
Educadora
José Vicente J. de Camargo
− Traste! Não serve pra
nada! Dia todo se balançando nessa bendita rede de papo pro ar. Até pra se
balançar pede auxílio, me tirando dos afazeres da casa. Mas essa moleza vai
acabar. Arrumo a minha trouxa e ponho o pé na estrada. Quero mais é distância
desse parasita sanguessuga...
Enquanto falava, os olhos
de Nhá Tica, qual cascavel no bote, lançavam faíscas de raiva na direção do
companheiro estatelado na rede rota de algodão, pito na boca e canequinha de
pinga na mão.
─ Cala a boca mulhé! Tu
tens mais é de agradecer a Padinho Cícero de ter cabra macho na tua rede. Cair
na estrada pro ôce é ir direto pra zona da Ritinha, se é que ela vai te
aceitar. Senão rodar de boleia em boleia apanhando de caminhoneiro... Retrucava
Detinho do seu ninho aconchegante já pensando na preguiça de buscar a garrafa
de pinga sem a ajuda da amasia raivosa.
Ao contrário da
companheira, seu olhar era calmo, semi-adormecido pela aguardente, contrastando
com a audição apurada em sintonia com o mínimo ruído da mula trazendo a
branquinha que trocara por meia dúzia de pescado, durante sua passagem pelo armazém
do Teodoro, na volta da pescaria do rio, onde a sorte lhe enchera o balaio de
bons peixes.
Detinho é o representante típico
da miscigenação dos sertões brasileiros!
Trabalhar pra que?
Mandioca e banana afloram na natureza só exigindo o esforço de uma roçadinha de
vez em quando pra livrá-las das ervas daninhas e das formigas. Lambaris, piaus
e tilápias se fisgam no riacho que corta os costões do vale com vara de bambu, isca
de minhoca a vontade e seiva de raspa de mandioca fermentada. Nas idas e vindas
ao rio, ou nas roçadinhas da semana, vez ou outra surge um tatú espantado ou um
lagarto sonolento que baleia, de faro apurado em tudo que se meche ─ de
preferência preás ─ não deixa escapar.
Portanto comida pra encher
o bucho está às mãos sem cansar as costas, braços e pernas, e muito menos a
cuca.
Ambições? Já ouviu falar nos
desafios de viola, mas não entendeu bem o que a marvada é. Talvez por não saber
ler nem escrever, só rabiscar o nome em letras tortas...
Família? Só sabe que tem
pai, mãe e irmãos. Mas como nunca teve uma, pois foi criado num asilo de órfãos
onde abrir a boca pra perguntar ou reclamar era apanhar de cinturão de coro, não
sabe precisar como é viver numa...
Cidadania? Não tem
conhecimento que bicho é esse. Sabe de ouvir e ser perguntado que existe um tal
de RG e CPF, mas com esses trens nunca se meteu...
Seu mundo é do tamanho do
alcance da visão onde vive, sem a curiosidade de querer saber oque se esconde
atrás da serra ou depois da curva do rio.
Sua vida é o arrastar diário
do acordar no clarão do dia e do deitar no entrar da noite. Indiferente se tem
ou não saia que lhe satisfaça os instintos ou que lhe encha o saco com
sentimentos desconhecidos.
É ele o culpado pelo seu
assim ser sem beira nem eira? Ou vítima que não recebeu dos governantes
responsáveis os princípios básicos da civilização?
E a pátria educadora onde
entra nessa história?
Os milhões de Detinhos há
muito aguardam uma resposta!
Se não a receberem logo, acalentados
pela branquinha e incentivados por terceiros de propósitos ocultos, se
levantarão das redes poluídas e retornarão aos gritos de unidos vêm plácidas do
Ipiranga para um novo grito de independência. Desta vez, reforçados pelas redes
sociais, seus reclamos vingarão.
Saber oque virá depois
necessita de muita imaginação e muito samba no pé... E pra piorar:
“Fundir
a cuca não é pra brasileiro”...
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