UM CLÁSSICO! - Suzana da Cunha Lima


UM CLÁSSICO!
Suzana da Cunha Lima

Encontrei-o no bar bebericando seu Campari, um ar beatífico, sorrindo para si mesmo.

-Vida boa, hein?    Desconfio que tem novidade no pedaço.

Ele esboçou um riso e mandou-me sentar, aquela aura de felicidade em volta.
- Tem razão, é  grande novidade e das boas. Daquelas que  não se encontram aí, a três por dois.

- Muito bem, vamos ver quanto tempo vai durar. Está me lembrando daquela francesinha. E a idade?  20, 30,  50 anos ou o quê?

- A francesinha foi uma paixonite de verão, não tem nada a ver -  tomou um gole devagar, saboreando cada gota- – Não é novinha,  mas não quer dizer que seja  velha nem decrépita, pelo amor de Deus! Classuda, isso sim!  - suspirou – Pernas torneadas, rijas, dessas que não caem por qualquer coisa.  E que cor! Bronze, amigo, desses que não se vê mais.

- Você diz bronzeada de sol?

- Nada disso, nem por bronzeamento artificial. Cor dela mesmo. Com nuances sutis, que só um “expert” como eu para descobrir. Ela é toda bem proporcionada, sabe? Braços meio gordinhos, como eu gosto, costas largas e o resto, bem, tudo no seu lugar e na medida certa. Muito bem conservada, nada que demonstre sua idade, absurdamente natural - virou-se para mim, enlevado.
 - É o sonho de consumo de qualquer marido: chegar em casa  cansado e  encontrá-la  esperando-o, linda e acolhedora, sem nada a pedir ou reclamar.
- É difícil  mesmo encontrar algo assim hoje, natural e belo,  sem um pingo de silicone ou outros enchimentos -  retruquei  meio incrédulo. -  A gente acaba ficando sem referências de como era antes... – rimos - Parece que desta vez você está mesmo apaixonado – falei com um pouquinho de inveja. – Mesmo tendo um coração nômade como o seu, eu lhe pergunto; Vai ficar com essa para sempre?
- O tempo que for possível, amigo.  Mas sou realista, sei que vai ter muita gente de olho, gente com mais cacife que eu,  que vai querê-la a qualquer custo - suspirou - não é para um dono só, sei bem disso, pelo menos não é para mim, que, como qualquer mortal, tenho que pagar minhas contas e viver.
- Bom, e quando posso ver esta maravilha? Está escondida em algum lugar secreto? Perguntei bastante curioso.

- Quase, por enquanto eu quero usufruir dela o que puder. – levantou-se e me chamou -  Brincadeira, vamos lá em casa que eu a apresento.  Depois tomamos um cafezinho e você me diz sua impressão.

Entramos na casa dele, sempre atulhada de móveis e quadros.  A luz da tarde se insinuava pelo lindo vitraux da janela e a sala tinha aquela aparência de solidez que as coisas antigas nos despertam. Sente-se o  acuro e beleza com que foram feitas e como chegaram íntegras até nós, mesmo com o passar dos anos. 

- Bom, onde anda sua preciosidade? Está se enfeitando para me conhecer? Brinquei.

- Mas que enfeite que nada, ela é maravilhosa assim mesmo ao natural. Veja, está ali.

- Ali aonde? Perguntei intrigado.

-  Puxa, não sabe distinguir uma obra de arte quando a vê? Eu lhe apresento essa esplêndida poltrona Bergère, legítimo século 18, uma raridade. 

E ante meu estupor, começou a descrever a peça que eu via à minha frente:

- Você sabe que a primeira poltrona, foi feita para algum faraó do Egito.  Mas essa aí, do jeito que está, surgiu no período Luiz XV, chamada cadeira Fauteuil.  Característica importante da Bergère é ser ampla e confortável, utilizada principalmente para leituras. É uma peça nobre, que frequentou alcovas e palácios.  Sorriu para mim, completamente enlevado:

- Um clássico!

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