Dúvida
Cruel
José Vicente J. de Camargo
Há muito não a via!
Já tinha esquecido como eram
convidativos seus olhos! Nem mais me lembrava de como era cativante sua voz!
Esqueci quase completamente de sua boca e dos beijos que ela sabia dar.
O que até hoje não se apagou
do meu corpo, foi o tremor excitante, qual orgasmo, que senti quando, na sua
casa de praia em roupa de banho, sentados a sós na escadinha que dava para o
jardim, alisou sua mão suave pela minha perna no vigor dos meus dezessete
anos.
Foi meu primeiro amor!
De derramar lágrimas de
alegria misturadas com as de medo em não ser mais correspondido. De vê-la em
todo lugar, ao dobrar uma esquina ou entrando por uma porta. De escrever seu
nome no segredo da palma da mão ou nas entre linhas dos livros e cadernos. De
não ser mais dono de minhas vontades nem de meus movimentos. Tudo indo ao
encontro dela.
Mas o tempo, professor de
todos, não se cansa de nos ensinar que nada nesta vida é definitivo.
E assim foi que a escolha da
carreira universitária nos levou a caminhos diferentes e distantes. Das promessas
de que nada mudaria, a distância foi aos poucos apagando. Os contatos diminuíram
e as juras de amor rarearam até desaparecerem sem deixar rastros. Vez ou outra,
ao conhecer alguém ou ler algo com seu nome, me vinha à lembrança seu sorriso faceiro
e a excitação do roçar de suas mãos.
E o rio da vida correu seu
curso sem deixar-se modificar!
Outros amores conheci e
outros tremores senti, todavia sem as surpresas do primeiro que, como ferro em
brasa, nossa alma para sempre marca.
Tornei-me avô! Da vida vou
levando o de costume! Alegrias dadas pelos que conheci e com os quais convivo, saudades
pelos que se foram e as preocupações de praxe. De resto, a natureza que sempre
me atraiu, a característica de ser um assíduo observador de fatos e de pessoas e
os entretenimentos usuais, preenchem os vazios restantes.
Então, o destino entra em
ação e dá suas pitadas de tempero, doce, amargo ou picante e muda o rumo que
pensávamos estar coerente com o desenrolar das coisas...
Não a reconheci no primeiro
olhar!
Porém os olhos negros
brilhantes e o sorriso faceiro de menina moça me alertaram que era ela. Meu
primeiro impulso foi de conter-me, só observá-la, curtir solitário aquele momento
de doces recordações.
Mas a tal “atração fatal” de
que tanto falam as novelas e os folhetins femininos não deixou por menos.
Apesar do aglomerado de pessoas entre nós, no saguão do teatro, seus olhos
encontraram os meus e não conseguimos, ou não quisemos desviá-los:
Trocamos sorrisos. Aproximamos-nos. Cumprimentamos-nos.
E foi então, nesse toque
gentil, que senti, tal naquele dia sentado na escadinha do terraço, o mesmo
tremor excitante do quase orgasmo.
Ah, que alívio!
Até que enfim consegui
esclarecer a dúvida que há tantos anos comigo carrego:
A dúvida cruel do “se”!
Se tivesse ido com ela naquele
ano, desistido dos meus planos e estudo, estaria mais feliz hoje?
A campainha chamando para o
reinicio da peça toca três vezes. Despedimo-nos com o trivial: “Prazer em
revê-la”, “Tudo de bom”, “Felicidades”...
No palco, enquanto a peça
iniciava seu desfecho, eu, espectador, saboreava feliz o desfecho final do meu
drama pessoal. Até que enfim tinha encontrado a resposta da dúvida que há
tempos me pesava na consciência.
Refleti, mais uma vez, na
certeza da resposta.
Sim, sentia-a plenamente...
Mas, a pitada do destino, dá
seu toque:
Você, por acaso, é dono do
seu destino? Pode muda-lo a seu bel prazer? E os demais, os laços que criou no
decorrer de tanto tempo, onde estariam, como ficam?
No meio dos aplausos da plateia
aos atores agradecidos, os meus iam também à minha resposta definitiva que a razão
e o bom senso me indicaram ser a melhor:
“Não
Sei, Pode Ser,Talvez”...
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