Susto
pra Valer
José Vicente J. de Camargo
Eu o definiria como magro,
média estatura, nem feio nem bonito, nada que o distinguisse dos demais da
turma, a não ser um cacoete ao falar que o fazia engasgar ao pronunciar o “r”
como se fosse uma metralhadora: rrrrrr...
Isto o fazia ficar nervoso e
nesta situação o melhor era evitar qualquer comentário, pois o mínimo que
fosse, o deixava bastante transtornado, podendo chegar aos socos e pontapés.
Apesar de nunca ter brincado
com seu defeito vocal, o que hoje chamam de bullyng, sentia que eu não lhe era
muito simpático.
O motivo não conseguia
entender.
Compadecia-me do seu
desespero e da sua angústia em querer disfarçar
o defeito, escondê-lo dos demais como algo que o deixava em uma posição
de inferioridade. Por isso, sempre que possível, procurava atendê-lo em suas solicitações de ser o goleiro nas
partidas de futebol, enquanto minha preferência era pelo ataque, de descobrir o
telefone das garotas que ele gostava, de transmitir os recados, de trocar a
cerveja quente pela gelada, enfim tudo que lhe pudesse minimizar o vexame
sonoro.
Por isso, aquela cisma dele
para comigo, não tinha explicação.
Um dia, fui a convite de
minha namorada, sem chance de recusa, a uma palestra sobre autoajuda a ser proferida por um dos seus
professores. Lá pelas tantas, meio adormecido e chateado, procurando uma
desculpa para safar-me, ouço o palestrante esclarecer o que fazer para auxiliar
pessoas com gagueira:
Rápido desperto! Ouço com
atenção a sugestão e já fico imaginando como aplicá-la.
Dia seguinte esperei o
“soluço”, como era apelidado pelos amigos, na saída do emprego e, por trás sem
ele perceber, murmurei no ouvido:
− Seu rato!
Ele se vira vermelho, bochechas
estufadas, olhos arregalados e diz:
Ra, Ra, Ra---to é a sua ma...
Não esperei que terminasse e
selei-lhe um beijaço na boca.
Ele assustado e ainda
trêmulo de raiva desembucha:
− Rato é a sua mãe, seu
filho da p...
Então para! Repete outra
vez! Mais outra!
− Rato, Rato, Rato...
Nada de som metralha!
Olha-me branco, surpreso,
sorridente, e me devolve o beijo selado:
− Obrigado! Rapagão, Rico,
Risonho, Robusto, Roqueiro, Romântico, Raridade de se encontrar. Mas, não me
diga que você é...
− Não! Interrompo-lhe
imaginando o que iria perguntar. Foi um professor de autoajuda que sugeriu que
pregando um susto bem fora do comum, impensável, na pessoa com o cacoete, ele a
perderia.
− Então você acertou na
mosca! Nunca imaginaria um gesto seu desse tipo! Até não ia muito com sua cara
pela sua voz forte e firme, que me causava uma tremenda inveja.
− Eh! Mas você não precisava
exagerar, dando-me o troco na mesma moeda. Aceito como pagamento uma cerveja
bem gelada, que você vai pedir. E aproveitamos para discutir a nova posição no
próximo jogo, chega de ser goleiro...
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