OLHAR
PARA TRÁS É PERIGOSO
Jeremias
Moreira
Como
acontece às tardes de terças e quintas, fui encontrar os amigos no salão de
bilhar Taco de Ouro. Somos um grupo de seis ou sete aposentados que se reúne ali
para matar o tempo. Nessa tarde, um deles, o Jurandir, que é sempre falante e o
mais encrenqueiro quando perde, estava um tanto jururu. Perguntei o que acontecera.
Não quis comentar. Alegou apenas que estava indisposto. Lá pelas tantas os
demais se foram e ficamos a sós. Aos poucos Jurandir começou a se abrir e
contou a razão do seu abatimento. Ele resolvera desfazer-se de um monte de tralhas
que estavam num quarto de despejo da casa. Jogou fora diversos móveis e objetos
quebrados. Algumas roupas e livros mofados. Enfim, tentou livrar-se de tudo o
que fosse imprestável. Porém, um livro lhe chamou a atenção. Pelo título “O galante Lino Catarina” e pelo autor, que era seu tio Alfredo
Morais. Ele cresceu ouvindo histórias sobre o Lino Catarina, bandido que
infernizou cidades e vilarejos do interior de São Paulo, no inicio do século
passado. Seu tio, falecido há quarenta anos, fora jornalista e fundador do
jornal “A Comarca de Borborema”.
Jurandir desconhecia que ele tivesse escrito algum livro e muito menos esse,
que era sobre o lendário bandido, de quem ouvia historias quando criança.
Curioso, pôs-se a folhear o livro até que encontrou o nome do seu pai, citado como
um dos parceiros do Lino Catarina, num acontecimento. O que leu deixou-o
embasbacado.
Certa
noite o Lino, seu pai e mais dois chegaram numa botequim, na vila dos Dourados,
perto de Borborema, onde rolava um carteado. Numa das mesas estava o Antonio
Português, dono da beneficiadora de café, que bem humorado, falava bastante. A presença do bando deixou quem os conhecia
apreensivo. O português não fazia ideia de quem eram e continuou prosa como
estava. Seu pai e mais dois sentaram-se e entraram no jogo. Começaram a
trapacear. Os demais jogadores desistiram, mas o português, não se deu conta e irritado
por perder, e começou a elevar o valor das apostas. Continuou perdendo, mão
após mão, até que chegou ao cúmulo de apostar a própria casa. Por incrível que
pareça dessa vez sua mão veio boa. Porém, Lino Catarina, que assistia do
balcão, atrás dele, viu as cartas. Acintosamente, sacou o revolver,
aproximou-se do Antonio Português, mirou sua cabeça e disse:
- Ô
Portuga! Se você virar essas cartas não vou conseguir segurar meu dedo.
Foi
assim que seu pai ganhou a casa onde o Jurandir viveu sua vida toda.
Na
verdade seu pai não era do bando de Lino Catarina. Eram amigos de infância e às
vezes saiam juntos. Tempos depois seu pai conheceu sua mãe, tomou jeito na vida
e formou-se contador. Abriu um escritório de contabilidade, criou os filhos, e
para Jurandir sempre fora uma pessoa honrada.
Descobrir
essa faceta da vida de seu pai o deixou arrasado. Foi tomado de uma crise
moral. Pretendia localizar a família do Antonio Português, que há anos saíra da
região e devolver a casa.
Fui
incapaz de opinar!
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