SUSPENSE
NO VOO DO PP-VDA DA “VARIG.”
Mario Augusto Machado
Pinto
Na minha vida, que já é
longa, sustos tive até de arrepiar os cabelos do pescoço. Verdade. Ao dizer dos
argentinos, foram cozas del bandoneon.
Talvez, mas aconteceram.
Passei suspense mesmo três
vezes: uma com 3 bandidos invadindo nossa casa e nos acordando, eu com a ponta
do cano de uma pistola Mauser encostada na minha testa; duas, em aviões: um em
viagem internacional, outro em viagem nacional.
Entrei na internet para
assuntar o que aparecesse que me ajudasse a descrever o que poderia me causar
suspense. Por exemplo: quais os pensamentos de um passageiro num voo como
aquele apresentado na 1ª estória do filme argentino Relatos Selvagens.
Insistia na busca pela
internet e encontrei então notícia que me provocou grande surpresa, um
verdadeiro choque. Não é exagero, não; fiquei olhando a manchete da notícia e
não acreditava! Ali estava a descrito o final do voo que em 15 de agosto de
1.957 me levou pela primeira vez aos EE.UU. Foi pela Varig que,
lamentavelmente, teve encerradas suas atividades há alguns anos.
Começou assim: durante o
curso de administração de empresas da “GV” nossa turma pediu à Diretoria que ao
término preparasse um roteiro de visitas a empresas norte-americanas, tantos
eram os exemplos que ouvíamos de seus espetaculares sucessos. Queríamos - todos
- “conferir” o que nos diziam os mestres norte-americanos da Michigan State
University (as aulas eram em inglês com tradutor para quem necessitasse). Seria
viagem de dois meses e meio. Plano feito, estudado, debatido, concluído. Bem, da turma só fomos quatro.
Tudo arranjado, lá fui eu
a New York com o novíssimo G Super Constellation Intercontinental da VARIG. Que
avião! Sua forma esguia lembrava o corpo de golfinhos. Pra mim, era lindo, o
máximo. Seus quatro motores impunham respeito e segurança.
Já havia viajado
anteriormente com outras empresas, mas me surpreendeu o que ví. Para dar uma
ideia: a capacidade original no avião era para 99 passageiros, mas na
configuração Varig era de 53; havia mais assentos na 1ªclasse (38) do que na
turística (15). Havia uma saleta de observação da paisagem com 10 poltronas
giratórias e guia. Os assentos eram distantes uns dos outros permitindo esticar
plenamente as pernas no suporte retrátil. Eram quase espreguiçadeiras.
Era uma festa viajar
nessas condições.
Os homens de terno e
gravata o tempo todo. As mulheres, vestidos adequados, penteadas, maquiadas,
sapatos de salto alto, cheirosas. Muitas delas usavam chapéu e luvas. Era um
chiquê só. Dava gosto. Era o fino, como dizem hoje.
Ah, para nos comunicarmos,
cada viajante recebia lista com os nomes dos passageiros. Era permitido fumar.
Charuto e cachimbo, não.
O tratamento de bordo era
um show de tão fantástico: não tinha competidor. Nenhuma companhia aérea
mundial possuía a qualidade do serviço de bordo comparável ao da VARIG. Era
espetacular.
Lembro muito bem: havia
cardápio impresso; comida previamente escolhida servida em pratos de louça
japonesa Noritake ou Meissen alemã; bandejas com toalhas e guardanapos de
linho; copos de cristal para água e vinho; talheres de prata Christoffel;
sobremesas feitas por patissier. Serviam champagne e vinhos estrangeiros; os
aperitivos eram pessoalmente elaborados por barista uniformizado. Foi a 1ªvez
que tomei vinho francês: lembro que foram o tinto Chateau Neuf du Pape e o
champagne Veuve Clicquot Ponsardin. As garrafas ficavam à disposição do
passageiro. A ser usada durante ou após o voo, cada passageiro recebia uma
nécessaire com produtos estrangeiros Hermès, Caléche.
Era uma festa viajar
nessas condições.
Os aperitivos, a comida e
o calorzinho ambiental mais o ronronar dos motores faziam efeito: os
passageiros logo dormiram menos o dégas aqui. Estava excitadíssimo, mas
dormitei. Lembro que acordei de sopetão,
respiração ofegante. Estava na janela do lado esquerdo. Minha 1ª reação foi
olhar pra asa e, assustado, vi que o motor número dois estava com a hélice embandeirada.
Sabia que era ruim, o comandante buscaria aeroporto mais próximo para pouso de
emergência? Daria tempo? E se...nem queria pensar, mas a ideia do pior veio e
ficou. Depois de uns minutos chamei a aeromoça e indiquei o motor parado. Com o
dedo fez sinal de silêncio, deu um sorriso amarelo e fechou a cortininha da
janela.
O interessante, se assim
posso dizer, é que meus companheiros nada perceberam. Nada comentei.
Tranquilamente tomaram o café da manhã. Pra mim foi um esforço apesar da
fartura e qualidade.
Tive medo do pior.
Emocionado, assustado, tenso, transpirava em bicas. Não conseguia sustar o
tremor nervoso que me dominava nesse terrível suspense até o pouso em Ciudad
Trujillo. Pensei em que? Não me lembro.
Ali pousados a situação se
acalmou: era escala prevista. Disseram a verdade: um dos motores apresentara
defeito e o reparo seria demorado. O voo prosseguiria em outro equipamento. Não
me lembro qual foi. Carros colocados à disposição, fizemos um tour pela cidade
e pelas praias.
Permaneci tenso e calado o
tempo todo.
Transcrevo “ipsis
litteris” o relato da tripulação conforme exibido na internet:
“VARIG
1957 – Perder três motores na rota Rio – New York foi demais.
O
PP-VDA, primeiro dos G Super Constellations da Varig, fazia um voo para Nova
York quando aterrissou em Ciudad Trujillo na manhâ do dia 16 de agosto de
1.957, com o motor número 2 (motor interno do lado esquerdo) parado e com
hélice embandeirada. O pouso ocorreu sem problemas, mas não havia motor reserva
disponível. Os passageiros foram embarcados em outros voos, e o comandante
resolveu fazer um traslado trimotor, para reparar o avião em Nova York, com uma
escala em Miami, com peso reduzido e só com os tripulantes. Às 11:16 h, hora
local, o avião decolou, com 3 motores (1, 3 e 4), para Miami, com 11
tripulantes a bordo. Cerca de 50 minutos depois, a hélice do motor nº 4
disparou. A tripulação não conseguiu sanar o defeito a tempo, e, com o esforço
excessivo no eixo, a hélice acabou por se separar do motor, atingindo a hélice
vizinha, a de nº 3. A tripulação foi obrigada a embandeirar o motor 3, e o
único motor disponível era o nº 1, na ponta da asa esquerda. Com um motor só, a
tripulação não conseguiu manter o avião voando, e acabou pousando no mar,
paralelamente à costa, ao largo de Puerto Rico, República Dominicana, a apenas
500 metros da praia. O pouso foi bem sucedido, mas um comissário, que não sabia
nadar, morreu afogado. O avião afundou, alguns minutos depois, em uma
profundidade de 40 metros, e nunca mais foi resgatado, seus restos ainda estão
lá, 50 anos depois.”
Após
quase 58 anos e por mero acaso soube do final desse voo.
Não
mais viajei com o modelo da Lockheed. Foram vendidos ao exterior e não se falou
mais deles.
Em
muitas outras ocasiões outros equipamentos nunca apresentaram defeito.
É
de salientar:
1
- os profissionais da aviação consideravam não confiáveis os motores Curtiss
Wrigth turbo e as hélices utilizadas nos G Super Constellations. Anteriormente
a esse acidente já houvera outro ocasionado pelos mesmos motivos;
2
– tecnicamente qualificada, a alta direção da empresa devia ter conhecimento
dos comentários atinentes dos defeitos apresentados pelos aparelhos e confiou
na sorte;
3
– na ocasião do nosso retorno foi utilizado o mesmo equipamento e nós
passageiros nada sabíamos a respeito do acidente acontecido;
4
– a agencia da Varig em Nova York evidentemente sabia dos acidentes e procedia
como se coisa alguma jamais tivesse acontecido. Era sua obrigação.
Fica a pergunta: até onde
o interesse corporativo público ou privado se sobrepõe ao dos usuários?
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