CARTAS E CONTOS - Carlos Cedano

 

CARTAS E CONTOS
Carlos Cedano

Armando, filho mais velho de seu Bruno, ficou encarregado da limpeza do sótão. Ele estava fechado há mais de vinte anos e era depósito de velharias  sem valor, além de aranhas e baratas!

Uma semana depois ainda faltava remover um antigo baú de madeira. Quando o abriu retirou dele um par de luvas femininas e um terço de metal, no fundo achou uma volumosa pasta preta de couro com numerosas folhas costuradas com muito capricho.  Quando acabou o serviço Armando mostrou a pasta a sua jovem irmã

As folhas estavam escritas com letra bem desenhada e contavam com detalhes precisos as situações que descrevia! Enquanto lia Valeria ficava cada vez mais intrigada e surpresa com seu conteúdo: cartas e contos eróticos cuja leitura faria corar leitores mais calejados nas coisas escabrosas da vida! Como essa mulher estava à frente de seu tempo meu Deus! Quem é ela?

A única coisa que sabia é que suas iniciais eram M. L., pois apareciam no final de cada conto. Onde posso conseguir mais informações sobre ela? Como essa pasta veio parar em nossa casa? As perguntas sem resposta aumentavam.

Primeiro falou com seu pai. Resumiu pra ele o conteúdo da pasta evitando os detalhes. O pai disse que atendera um pedido de sua sogra, dona Flavia, para hospedar uma moça de nome Maria Luísa e que ela foi logo avisando que não admitiria perguntas sobre seu pedido!

            — Pai, o que fazia ela durante tempo que morou aqui? Perguntou a filha.

            — Foram mais de vinte anos, ajudava muito nas tarefas da casa, era de poucas palavras e quase não sorria, parecia carregar uma dor profunda, mas nunca se abriu pra a gente! No seu tempo livre ficava no seu quarto escrevendo ou costurando. Saía muito pouco.

            — O que mais sabe meu pai? Insistiu Valeria.

            — Um dia contou que tinha sido aceita no Convento das Carmelitas, queria ser novicia! Partiu com a roupa do corpo e disse que mandaria pegar as coisas de seu quarto, mas isso nunca aconteceu! Fala com sua avó minha filha! Disse seu Bruno, com certeza ela sabe mais dela.

Foi o que fez. Ligou pra sua avó dizendo que lhe faria uma visitinha no dia seguinte.

Chegou na hora combinada e explicou o motivo de sua visita, enquanto falava percebeu que sua avó ia ficando triste, e mordia os lábios! Quando Valeria fez uma pausa a avó, após alguns segundos de hesitação, disse:
           
            — Valeria, você tocou num assunto muito doloroso pra mim! Essa mulher causou minha desgraça e é culpada pela morte de meu filho! Sua vocação religiosa causou conflito com a vida devassa e pervertida à qual essa mulher o levou! Ele morreu de exaustão e culpa!

            — Então não foi infarto? Perguntou Valeria.

            — Não! Disse com ênfase dona Matilde  chorando intensamente.

            — Uma última pergunta avó – disse Valeria – como você ficou sabendo das intimidades deles?

            — Foi depois que morreu teu tio Augusto. Num dia que ela tinha saído, entrei no seu quarto, vi uma pasta preta de couro como a que você tem agora nos braços, abri e li cartas e outros documentos, o que estava escrito me fez compreender a vida de pecado que esses dois levavam! Fiquei com o coração partido!

Agora mais que nunca Valeria queria saber o destino de Maria Luíza. Essa pessoa ganhava a seus olhos importância maior com cada nova informação sobre sua vida.

Decidiu falar com a Superiora do Convento das Carmelitas, Madre Leonor que a recebeu sem surpresa, porém com notório receio. Também observou a pasta preta que Valeria carregava, mas permaneceu impassível.

—Madre, estou procurando informações sobre Maria Luísa, uma senhora que foi recebida neste convento há muitos anos, a senhora poderia me dizer o que aconteceu com ela?

— Sim, respondeu a Superiora, seu nome completo era Maria Luísa Velloso e faleceu já faz cinco anos. Esta enterrada aqui no nosso cemitério como indigente!

Foram até o cemitério, Valeria observou por alguns momentos a rustica lápide da defunta e orou brevemente. Logo perguntou:

            — Por que como indigente se a noticia que temos é que pretendia ser novicia e estava sendo preparada para tal?

— Pois bem, disse a Superiora, dias antes do noviciado o Arcebispo Tomás pediu pra ela se confessar. Ele foi incisivo perguntando detalhadamente sobre sua vida passada e percebeu que a candidata escondia alguma coisa, suspeitou de algo grave. Foi uma das confissões mais demoradas que houve com uma candidata a novicia neste convento.

— E depois?

— Depois o Arcebispo me disse que estava estarrecido com a confissão e que não haveria o noviciado. Maria Luíza relatou pra ele situações íntimas que somente o diabo poderia tê-las imaginado, a mulher era o próprio demônio! Completou a Madre Superiora. Ah! O Arcebispo também fez menção a uma pasta de couro preta que continha os escritos dela, me parece que é a que você tem agora!

— Sim, é ela! Assentiu Valeria, mas a senhora não vai querer lê-la, né?

— Com certeza não! Respondeu a religiosa emendando a seguir - Você tem em mãos uma “bomba” relógio que pode destruir dignidades e reputações de pessoas e instituições!

— Sim! Respondeu Valeria, eu sei!


Despediu-se da Madre Leonor e saiu pensando que teria que esperar ainda muito tempo antes de publicar o livro que vinha gestando na sua cabeça.

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