Curto
relato sobre meu avô
Fernando Braga
Bravo, sisudo, enérgico, de
poucas palavras, mas carinhoso. Assim guardo a imagem de Manoel Pedro de
Menezes, meu avô materno.
Nascera em Santana, na
Ilha da Madeira, em 1885, onde permanecera até 1903, quando embarcara para o Brasil
à procura de novos horizontes.
Aqui chegando, dirigiu-se
para Taquaritinga, no estado de São Paulo, onde encontrou um tio, cuja filha
Ana, da qual se enamorou.
Trabalhou por três ou
quatro anos como charreteiro, com ponto na estação, transportando os
passageiros que lá desembarcavam.
Como bom português, muito
pão duro, conseguiu neste período poupar uma boa quantia em dinheiro, que fez
com se arrojasse, fugindo com Ana, então com dezesseis anos, e indo para Rio
Preto, cidade pequena, boca de sertão, além da qual, os mapas da época
mostravam “terra habitada pelos índios”.
Ambos foram trabalhar na
lavoura de café, como colonos, com a vantagem de terem uma pequena casa como
moradia, na colônia. Os sacrifícios eram enormes, mas não passavam fome. As
roupas eram surradas, as botas judiadas, mas era um casal feliz, do qual
começaram a nascer um filho atrás do outro.
O dinheiro das economias era
colocado debaixo do colchão, como todo bom português fazia. O fato é que, após
alguns anos conseguiu comprar uma terrinha próxima a uma vila conhecida como
Borboleta, dentro do município de Rio Preto. Plantou café, a grande cultura da
época, o chamado ouro verde e aos poucos foi aumentando o seu patrimônio em
terras e também propriedades na cidade grande, com 10 mil habitantes na época.
Meu avô e minha avó eram
alma única. Ele era feito de pedras soltas e ela, a argamassa para juntá-las e
uni-las fortemente. Relatam que ela dizia que não ter filhos, é a orfandade ao
avesso! Do total de nove filhos, três
homens e seis mulheres, a Ilidia era a quinta pela ordem, que se casou com meu
pai em 1934.
Meu pai, de família que
era abastada, mas que tudo perdera no inesquecível cracking do café em 1929.Dizem
que meu avô paterno morreu aos 54, de desgosto, ao ver a família à mingua. Meu
pai, teve que ir trabalhar como funcionário na prefeitura, com incumbência de
sustentar sua família, também numerosa. Tentavam manter a aparência, mas só. Era
uma pobreza elegante!
Seu Manoel, meu avô, como
nunca havia endossado uma letra, tinha muito dinheiro guardado em cofres, teve
grandes oportunidades de negócios, comprar
propriedades rurais, inclusive na barranca do Tietê e dentro da cidade. Meu
pai, bonito e boa pessoa, conheceu Ilidia e casaram-se. Amarrou o burro na
sombra. Nascia seu primeiro filho em 1935.
Com 10 anos perdi este
avô, com 60 anos, um velho, em meu conceito infantil. O que pode uma criança de
10 anos guardar na lembrança, de seu avô?
Da casa, enorme, que
mandara construir em um terreno de 10000 metros quadrados, que pegava todo o
quarteirão, na rua principal, mas na saída da cidade. A rua era de terra
batida, inclinada, que na estação chuvosa trazia enorme dificuldade ao trânsito.
A casa tinha uma bela entrada, com um grande hall, do qual saiam duas escadas
arredondadas, uma de cada lado, indo a uma sacada que contornava a parte
superior, de onde saiam os numerosos quartos. Também, uma enorme sala de jantar,
com uma grande mesa oval, onde ficavam 16 cadeiras, 7 de
cada lado e duas nas cabeceiras. O almoço de domingo e os jantares eram sempre
realizados neste local. A maioria dos móveis, vitrais, azulejos, foram trazidos
de Portugal, como era comum na época. É nesta sala que mais me lembro de meu
avô. Seu olho direito era de vidro e tinha a cara de mau, falava áspero, com
português arrastado e grande sotaque da Ilha, compreendido muito bem por minha
avó, que ficou conhecida como Donana. A vó Donana, era uma portuguesa grande, que
não cortava os pelos das axilas e tinha buço pronunciado. Era não era bonita,
tinha os pés grandes, mas era de uma doçura reconhecida e tudo fazia para alegrar
os filhos, os netos e todas as pessoas. Assim foi quando jovem, assim quando
madura. Dizia:- A vida na velhice é um oficio muito cansativo. Morreu com mais
de oitenta.
No almoço dos domingos, eu
mais me lembro da figura de meu avô, sentado à cabeceira, com o corpo e cabeça
eretos, colocando ordem nas coisas. Todos, com apenas uma exceção (meu pai)
tinham medo, medo mesmo! E quando alguém queria falar, precisava dirigir-se a
ele e pedir licença. Criança, nem pensar em abrir a boca. Para ausentar-se, mesmo
que por uns momentos, apenas após a concordância dele. As pessoas só falavam
quando ele se dirigia a elas. As conversas laterais, paralelas, tinham que ser
bem baixas, com palavreado bem cuidadoso. Uma palavra mais picante era
imediatamente censurada.
Os filhos do seu Manoel,
estudaram em Jaboticabal até completarem o ginásio e uma vez em Rio Preto
tiveram que trabalhar muito cedo, ajudando na fazenda, com poucas regalias e
sem férias. Apenas um deles fez o científico e entrou na Faculdade de direito
do Largo São Francisco. Uma vez recebendo o seu diploma, pendurou-o e foi ser
fazendeiro. As mulheres tinham apenas o diploma de grupo escolar e uma parte do
ginásio e logo se casavam, por volta dos 18 anos.
Ele às vezes me pegava no
colo, me dava uma balinha, alisava minha cabeça, o que interpretava como
carinho do velho.
Fato interessante que,
como poucos o entendiam quando falava mais ligeiro, dirigia-se para muitas
pessoas e dizia: Escumidades lá hoje?
a pessoa não entendia e ele repetia: Escumidades
lá hoje? O hoje ele falava forte, mas nenhuma pessoa conseguia entender o
que queria. Saia dando risada e dizendo:- Vocês
não entendem nada! Mais tarde minha vó esclareceu que aquilo era gozação e
que nada significava. Aí meu avô, vendo que não pegava mais ninguém, prometeu
uma moeda de trinta centavos para aquele que, após a pergunta respondesse
rapidamente:"Sanho!" Aí todos ficavam
esperando que ele fizesse aquela pergunta para responder “sanho”, e ganhar a
moeda, valiosa na época. Após algum tempo não conseguia mais pegar ninguém, mas
nunca deixou de pagar frente à resposta, que também nada significava. Às vezes
uma pessoa perguntava a ele:- Seu Manoel como era mesmo aquela palavra gozada
que o sr. falava? Ele então: Escumidades
lá hoje? E obtinha a resposta: Sanho!
- Você agora me pegou!
Achei que você não sabia. Supus errado! - Pagava sempre.
Aos 59 anos teve um câncer
de estomago. Muito magro e com muita tosse arrumou uma cama em um porão da casa,
onde permanecia a maior parte do dia. À noite ficava em um quarto separado para
não perturbar. Ia visitá-lo com minha mãe, no porão, e ao me ver erguia um
pouco a cabeça e me abençoava. Perdera toda sua vitalidade, sua aparente
energia. Dizia a todos: Vou mais uma vez
embarcar, desta vez para nunca mais voltar!
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