Ele queria ser Deus!
Luiz Guilherme Martins S. Cruz
Vasta
cabeleira e barba totalmente brancas, olhos tão azuis que pareciam refletir o
azul do céu ainda, ereto nos seus
setenta e cinco anos e alguns meses, tinha orgulho de escutar bem e enxergar sem o
auxilio de óculos. Perdera a esposa há mais
de treze anos, morava com o filho e nora. Sua figura inspirava bondade,
confiança e segurança. Assim era Miguel.
Gabriel oito anos seu único neto, filho de seu único filho, era irrequieto
como um sagui, falante e inquisidor, atento a tudo e a todos como uma coruja. Tinha
também os olhos azuis , cabelos alourados, uma pele
branca que se avermelhava ao sol. Transbordava energia por todos os poros
e tinha no avô seu companheiro para
tudo: Jogar bola, assistir desenhos e filmes na Tv, sair a passeio, andar pelo
parque, assistir às missas aos domingos, etc. O menino via no avô um ídolo, a
quem confiava cegamente.
Certo
dia, a mãe de Gabriel conversando com o sogro, achou que era hora de o filho
fazer a 1ª comunhão. Miguel ficou muito contente, pois se dizia católico, apostólico e romano.
Assim,
avô e
neto iam a pé para a Igreja que ficava a 5 quarteirões de onde moravam.
Percorriam a distância, sempre brincando. Miguel, muito conhecido e querido no
bairro, principalmente pelos frequentadores da igreja, pois festeiro que era
fazia questão de sempre participar das quermesses e bingos realizados na
paróquia, durante o trajeto parava muitas vezes para dar uma
palavrinha rápida com os conhecidos.
Na
hora de espera, o homem aproveitava para
ir até a padaria na frente da igreja, onde encontrava ficava jogando damas e
conversa fora até o tempo de apanhar o garoto e juntos voltarem para casa.
Muitas
vezes, ao chegarem das aulas, o menino comentava com o avô o que havia aprendido no catecismo. As
discussões eram muitas vezes calorosas, pois todas as vezes que se tocava no
assunto Deus, o neto afirmava categoricamente para ao avô que o Deus dele era o
avô. Pensamento que era repelido pelo ancião, que tentava sem sucesso explicar
ao garoto que Deus era único. Vira e mexe o menino vinha com o mesmo
assunto sobre Deus, pois sendo Deus invisível como lhe explicaram nas aulas de
religião, ele achava que não existia, elegendo seu avô como o seu Deus e não se
discutia mais sobre o assunto.
Naquela
tarde de sexta feira, que já se prenunciava agourenta, o sol não deu sua cara e
nuvens cinzentas cobriam o céu movimentavam-se
ameaçadoras. Mantendo o mesmo ritual dos outros dias de, saíram em direção à
igreja devidamente agasalhados e prevenidos para o temporal que se avizinhava. Como
de costume no trajeto, o avô parou diversas vezes e se deteve por mais tempo a fim de cumprimentar
com um caloroso abraço o seu amigo de barraca nas festas da igreja, o Genésio. O
menino seguiu em frente sem perceber que
o avô havia parado. Por obra do destino, no momento em que o garoto ia atravessando a rua, surge um ônibus completamente desgovernado que
o atinge, esmagando-o de encontro a parede de uma casa. Morte instantânea
diagnosticada posteriormente.
O
barulho foi tão forte que chamou a atenção
de Miguel e de seu amigo, que juntos correram até o local a tempo de verem alguns
passageiros atordoados e sangrando descendo do ônibus, bem como veem o motorista de cabeça caída e inerte ao volante. Não se dando conta de que
o neto fora a maior vítima daquele terrível acidente, Miguel saiu a passos
largos até a igreja, imaginando que o menino tinha ido até lá sozinho. Lá
chegando constatou ele não apareceu. Apreensivo retornou ao local do acidente.
Percebeu atônito, que Genésio, vinha ao seu encontro e muito consternado, dizendo:
— O Gabriel! E mostra – lhe o garoto entre
as ferragens.
Desesperado
e chorando copiosamente é amparado pelo amigo. Sem que os
que ali estavam atinassem pelo motivo, Miguel começou a dizer em voz alta:
— Gostaria de ser o Deus que achava que eu era, pois assim eu poderia tê-lo
salvo!
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