AGENDA
DANADA
Jeremias
Moreira
(adaptação
do conto A AGENDA de Luis Fernando Veríssimo)
Achei estranho quando consultei
minha agenda e encontrei escrito “Comprar arma”. Não me lembrava de ter anotado
isso, mas se estava lá, então devo ter escrito. E agenda é exatamente para
isso: ajudar-nos a lembrar das coisas. Assim, mesmo não sabendo para que, saí e
comprei uma arma.
No dia seguinte li na agenda:
“Marcar almoço com o Françé”. Igualmente não me lembrava de ter escrito aquilo,
nem havia razão para almoçar com o canalha do Francé, mas se por alguma razão,
que não me lembrava, estava escrito para marcar esse almoço, marquei.
No almoço o canalha do Francé me
contou que estava vendendo sua parte na empresa para o canalha do Pirão, que
assim seria o sócio majoritário e mandaria na companhia, inclusive em mim.
Diante dessa revelação, insisti para que o Francé vendesse sua parte a mim e
não ao Pirão. O canalha do Francé riu na minha cara e ainda por cima deixou a
conta do almoço para eu pagar.
Mais tarde, voltei a consultar a
agenda e encontrei: “Matar o Francé. Simular suicídio.” E, mais abaixo,
sublinhado: “Construir um álibi.”
Virei a página e lá estava a
instrução para o álibi. Eu deveria promover um jantar à luz de velas com minha
esposa e abrir um champanhe. Na taça destinada a ela devia colocar uma boa dose
de sonífero, que certamente a faria dormir como um anjo. Eu aproveitaria para ir até a casa do Francé. Quando ela acordasse
eu já estaria de volta e a seu lado, na cama. Minha esposa seria o álibi.
Faz um ano que o Françé se
divorciou e mora sozinho.
Nossa secretária guarda, na gaveta
de sua escrivaninha, uma chave de cada uma de nossas casas para qualquer
eventualidade. Antes de sair do escritório peguei a chave da casa do Francé.
À noite fiz tudo de acordo com a
orientação da agenda.
Antes de abrir a porta da casa do
Francé coloquei um par de luvas e entrei pé ante pé. O único som que se ouvia era
o ronco dele, que vinha do quarto. Coloquei um silenciador na arma e sorrateiro
entrei no quarto. Ele dormia de lado. Encostei a arma na sua têmpora e atirei.
Depois, coloquei a arma em sua mão direita e atirei novamente. Retirei o
silenciador e deixei o corpo do Francé, agora morto, segurando a arma e voltei
para casa.
No dia seguinte, quase morro de
susto ao dar de cara com o Francé no escritório. Desesperado, ele confessou que
era gay e que levou um rapaz para sua casa na noite anterior. No meio da noite
levantou para ir ao banheiro e deixou o amante dormindo. Ao voltar para o
quarto, encontrou o jovem morto, se esvaindo em sangue, com uma arma na mão. Queria
minha ajuda!
Sem saber o que fazer recorri à
agenda.
Encontrei: “Não se deve confiar nem
mesmo na agenda!”.
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