CORCOVILA
EXISTE – PARA CRER É NECESSÁRIO VER
Oswaldo U.Lopes
Hoje
é dia de aniversário da cidade de Corcovila, fora dela ninguém notou, dentro
dela todos lembraram. Corcovila é de tamanho médio, como a grande maioria das
cidades do Brasil, fica num vale entre montanhas o que a traz para fora do
nordeste e do centro oeste, para não falar que é fora da Amazônia, por falta
d’água em sentido literal e figurativo, quer dizer só chove no verão e às vezes
chove pouco.
A
população não é grande, mas também não é diminuta. É cidade mesmo e não
distrito, tem juiz, promotor, pároco, delegado e destacamento policial. Espalha-se
pelo vale que é largo e amplo e se ergue ligeiramente nas encostas que a cercam.
O casario é bonito, a maioria das casas tem parede na rua e janelas envidraçadas
com cortina branca na janela. A enorme maioria dos telhados é de telha
colonial, pouquíssimos ostentam telhas francesas o que da a Corcovila um ar antigo
que é bonito, mas não é fato.
Corcovila
é do século XIX e sua origem esta ligada a estrada de ferro. Começou lá atrás
como parada de trem, aquela que os trens faziam para pegar água e o chefe da
estação que acumulava as funções de sinaleiro, foi seu primeiro habitante. Daí
foi juntando gente, pequeno hotel, loja do tipo armazém que tem de tudo, uma pequena
mercearia que era conhecida como empório. O dono chamava-se José e como era
português logo, logo começou a oferecer pão. Até hoje, tendo mudado de dono,
mas não de origem o empório-padaria do Seu Jose, na mais rica tradição
portuguesa só fecha e, portanto não faz pão no Natal e na Sexta-Feira Santa.
A
economia, bem a economia era o que de mais tradicional podia haver. Entreposto
comercial, gado leiteiro, laticínios e congêneres, gado de corte na parte do
vale mais aberta lá embaixo, pequena indústria de transformação, fábricas de
calçado prosperando pra valer e um rico comércio onde se achava de tudo que era
falado na televisão ou nas revistas.
Tinha
dois clubes o popular e o grã-fino, dois agrupamentos políticos um mais liberal
ligado a indústria e ao comércio e outro mais conservador ligado a atividade
agrícola. Esta era quase que exclusivamente de manejo de gado, ou seja, vaca
pra leite ou carne. O algodão chegara bem e o café fino fugindo do frio e das
geadas do sul tava indo maravilhas nas encostas.
Mistura
boa só no jogo de pôquer do sábado à noite. Parecia reza, começava sempre
igual. Numa mesa pároco, juiz, promotor, e médico, na outra delegado, padeiro
(o dono do Empório), o coronel dono do gado, Seu João farmacêutico e seu Pedro (Pedrão
como era conhecido, por causa do tamanho avantajado). Com o correr da noite
havia saídas, do médico para atender parto, do padre para atender quase
defunto, do padeiro por causa das pizzas, novidade do armazém e do farmacêutico
para aviar receitas que os funcionários não conseguiam. Com isso as mesas
acabavam se misturando.
Havia
novidades no ar que um pouco incomodavam, um pouco traziam orgulho pelo
crescimento da cidade, o pessoal dos cafezais havia criado um bairro
residencial do tipo condomínio, murado e seguro e isso atraiu outros inovadores
jovens. O delegado achava ridículo dado o índice de criminalidade baixíssimo em
termos de Brasil.
Havia bancos e gerentes
de bancos, dinheiro e crédito rolavam de um lado para o outro. Não dava para ir
mal nos negócios, todo mundo conhecia todo mundo de modo que a ficha de cada um
era absolutamente pública. Está certo que a telefonia agora já era automática o
que bloqueava a telefonista de saber da vida de todo mundo, mas de resto, com
uma só farmácia, um colégio estadual de muito boa qualidade, mas único, duas
sorveterias Corcovila ainda era uma pequena cidade do interior.
Como era dia de aniversário tudo fechou e tudo abriu. Explico
o comércio abriu para aproveitar as vendas a padaria e a sorveteria idem. O que
fechou foi a indústria e agro-pecuária. Às 10 da manhã houve desfile. Isso era
característico de Corcovila, dois desfiles por ano. O de 7 de setembro é claro
e o do aniversário da cidade. Eram iguais, mais independentes. Por sorte o
aniversário era em abril.
O desfile era notável e meio que extraordinário. Tinha
palanque de autoridades com juiz, promotor, médico, pároco, delegado etc. Abria
o desfile o colégio com sua belíssima fanfarra que tocava uma beleza, seguia-se
o destacamento policial e depois, bem depois acredite, leitor as duas escolas
de sambas da cidade a popular e a grã-fina que desfilavam como que a repetir o
carnaval.
É Corcovila era sui-generis, ia resistir por quanto tempo? Já
havia investidores procurando terreno para construir shopping, era só uma
questão de tempo. Não ia dar para resistir, progresso é progresso. Muitos
lembravam quando começara a iluminação com lâmpadas de chapéu e o sucesso que
fora.
Como seria Corcovila no próximo aniversário e daqui a dez
anos, cincoenta? Perderá o encanto ou não?
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