DAS DORES, A BOAZINHA... - Jeremias Moreira


DAS DORES, A BOAZINHA...
Jeremias Moreira

Coitada da Das Dores, tão boazinha...

Magérrima, desengraçada, inelegante, sem seios e sem cadeiras. Uma taboa reta é a Das Dores. Ainda por cima, pobre de espírito! Por isso ficou sendo apenas isso – boazinha.

Boazinha, mas nunca lhe escapou o tormento que era a vida de Neia, a vizinha, com seu marido tresloucado, que lhe aplicava uma surra todo dia. Nela e nas crianças.

Quando sóbrio, Rubão não era má pessoa, mas bastava um gole para se  afundar na bebida. Nessas ocasiões se tornava o cão. Comprava briga, promovia arruaças e em casa, descontava toda a frustração de ser um fracassado. 

Bem que a vizinhança aconselhava Neia a largar o Rubão.  

- Ruim com ele, pior sem ele. – ela justificava.

E, assim corria a vida.

Até o dia que encontraram Rubão estrebuchado na soleira da porta, todo vomitado e mortinho da silva.

Foi um perereco. Neia aprontou o maior salseiro. Chorou, se descabelou, implorou a Deus que restituísse a vida ao marido, mas não teve jeito, Rubão bateu as botas.

No inicio a policia achou que ele se afogara no próprio vômito, mas depois, os exames da perícia constataram veneno no estomago e no sangue. Rubão havia ingerido veneno de rato.

Consideraram a hipótese de suicídio. E, assim foi sepultado, como suicida.

Dias depois, Neia fumava, absorta, sentada no degrau da cozinha, quando apareceu Das Dores. Ficaram um tempão em silêncio até que a garota falou:
- Ele achou amarga a cerveja com o veneno!

Neia parou de fumar e olhou intrigada para a garota. Todos sabiam que Das Dores não batia bem, mas achou muito estranho o que ela disse.

- Porque você falou isso?

- É que eu penso que o veneno de rato deve ser amargo.


Neia calou-se, deu mais uma tragada.  Das Dores saiu em silêncio, assim como viera. Neia acompanhou, com o olhar, a garota se afastar e pensou: “Coitada da Das Dores, tão boazinha...”

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