A socialite suburbana - Ises de Almeida Abrahamsohn



A socialite suburbana
Ises de Almeida Abrahamsohn

Malu  estava com medo. A  chantagem chegara  em uma carta anônima  há uma semana.  Não tinha falado com ninguém sobre isso. Nem poderia... Maria Luiza  Carneiro Neves  era agora a socialite Maria Luíza  Baeta de Mendonça, Malu  Mendonça  para as colunas sociais. 

Ao telefone  a  voz estava disfarçada.  Tinha quase certeza de que era mulher. Devia ser aquela última cuidadora  do Neves.  Nunca gostara daquela  mulher,  mas ela  não esteve de plantão no fim de semana do acidente.  Só viera na segunda  quando  o ex-paciente já havia sido enterrado e  apenas para receber e pegar  os pertences. Por mais que pensasse  e repensasse  Malu não  conseguia  lembrar  de nenhum deslize  seu  que   a pudesse    incriminar.  Teria a chantagista de fato alguma prova  ou indício  suficiente para  tal?  Ou, estava apenas  jogando  verde? Afinal, o  Neves  tinha  87  anos  quando  rolou pela escada   e  fraturou o crânio.  Malu  tinha apenas ajudado um pouco.  Nada a desconfiar: a doença de  Parkinson mais o sonífero  habitual  por si  justificariam  a queda  na escada.  Ela  apenas   aumentara  a dose  do  sonífero. 

Aguentara o estrupício por  10 anos de casamento .   Conseguira fisgar o  velho  que,  afinal,  a  tirara de uma vida  penosa  e suburbana  para  a ociosidade  cômoda dos ricos .   O Neves  afinal  estrebuchou,  e  ela   ficou livre  para alçar  voos mais altos. 

Valeu a pena  !   Agora aos 35 anos, casada com o Baeta de Mendonça, finalmente  ingressara nos circuitos  sociais.  Não era tola, tinha se educado e adquirido um verniz  pelo menos suficiente para não dar vexame.  Já tinha  uma casa e um apartamento em seu nome, e um saldo bancário razoável. Certamente não iria abrir mão de tudo isso.  Se houvesse alguma  denúncia ou suspeita,  o Baeta,   presunçoso  e  esnobe como ele só, não hesitaria  em pedir o divórcio.  Tinham casado  com separação de bens, a família dele  tinha  exigido devido a diferença de idade.  Por outro lado, sabia que  se pagasse uma única  vez a sangria  continuaria.  A única solução era liquidar  a  vigarista. 

Ao telefone tinha pedido alguns dias para poder  juntar a quantia.  A sacana  iria ligar hoje à noite para combinar  o local e a hora  da   entrega.  Tinha  arrumado  dez mil em notas de cem , em vez  dos  cinquenta  mil pedidos.  Iria  colocar as notas por cima do maço de papel  mas ainda  precisava   de uma estratégia para  acabar de vez  com a  patife.  Ainda bem que o Baeta estava viajando. À tarde ainda teve que aguentar  as  irmãs  Veiga Castilho  que vieram tomar uns drinks e convidá-la para uma daquelas chatíssimas  festas beneficentes   de  dúbios benefícios.  Lá pelas sete da noite  tocou o celular.  Mal podia falar  direito de tão nervosa.  Mas não era a chantagista, era o Baeta avisando que  voltaria de  Recife   amanhã.  Mais um complicante...  Tinha que agir  ainda esta noite.     Tinha um revolver  guardado dos tempos  difíceis  pré-Neves. Planejou  deixar   o  pacote   e se afastar, mas  disfarçada ficaria  perto o suficiente para  acertar  uns bons balaços no alvo.  Atendeu ao primeiro toque.  Até se surpreendeu, a fulana  escolheu um lugar que ela conhecia bem.  A rua escura que dava acesso à cozinha na parte de trás do seu clube.   Devia deixar o pacote na lixeira  às 11 horas.  Melhor não podia ser.  Preparou-se  vestindo  uma  jeans velha e um moletom cinza , prendeu o cabelo,  pegou  um boné  do armário do marido, e um saco plástico  para o pacote de dinheiro  . O revolver ia no bolso do moletom. Poderia passar por um  dos  funcionários  do clube   se alguém a visse. Por cima vestiu o  casaco comprido bege.

Estacionou  a  três quarteirões .  Em dez minutos  chegou ao local. A rua estava vazia e escura. Apenas uma luz fraca filtrava  por baixo da porta de serviço do clube.  Depositou o pacote  e caminhou  alguns passos  até  dobrar  a  esquina. Rapidamente  se desvencilhou da capa que escondeu no saco.  De  volta,  se  agachou   atrás  de  uma caçamba  e esperou.  O pacote ainda estava lá.  Pouco depois  apareceu  da outra esquina  um homem  de gorro e  roupa escuros  caminhando na direção  do  pacote. Estava esperando uma mulher, mas o homem poderia ser o comparsa. Deixou-o pegar a grana e ao vê-lo de costas disparou  2 vezes. O homem caiu. Ela esperou  ainda mais um pouco: silencio  completo.  Correu, agarrou o pacote de dinheiro, dobrou  a esquina e chegou ao carro. Jogou o revolver num bueiro. Só se sentiu segura  ao  vestir de novo o casaco bege. Tinha conseguido! Por via das dúvidas, ainda parou na padaria do bairro, tomou  um suco  de  tamarindo – poucas pessoas pediam- iriam se lembrar dela ali  e  na farmácia ao lado  perguntou por um bom anti-gripal.

Tomou um longo banho e  adormeceu aliviada.  Acordou lá pelas dez  e  lembrou que  tinha dado folga à empregada  até  o dia seguinte.  Acionou a máquina de café, fez duas torradas e sentou-se para um  café da manhã tranquilo. Ligou  a televisão  enquanto lia o jornal . Queria saber  se  o crime apareceria no noticiário local.  Aí  começou a  prestar atenção.... 


_ “Foi encontrado  assassinado o empresário Baeta de Mendonça de 73 anos,  sócio fundador da Supermercados  Mendonça.  Não havia sinais de roubo; a vítima foi   baleada pelas costas  com arma de pequeno calibre  nas imediações do clube  Harmonia do qual era sócio e  assíduo  nas  rodas de carteado.  Não há pistas  do  possível criminoso  ou do motivo do crime.  Conhecidos  porém  comentaram que  o outrora  abastado  empresário  estava quase na penúria  e devia  mais  de  cinquenta mil reais  apenas  aos parceiros  de jogo”.

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