Com
jeitinho vai
José Vicente J. de Camargo
Ele, executivo graduado de
uma multinacional alemã, vinha, pela primeira vez, a negócios no Brasil mais
precisamente na cidade do Rio de Janeiro. Eu, seu colega de trabalho na filial
brasileira da empresa, o acompanhava nas reuniões de trabalho com potenciais
clientes oferecendo produtos e serviços de alto valor na base do “melhores do mundo”...
O colega alemão não parava
de elogiar as belezas naturais da cidade, a variedade e a fartura das carnes
servidas nas churrascarias, a delícia da caipirinha, o frescor digestivo da
água de coco gelada, a simpatia descontraída do carioca e lógico, a beleza
sensual das mulatas.
Tudo corria à mil maravilhas
até que no último dia ─ uma sexta feira, às cinco horas da tarde ─ indo para
uma reunião para a assinatura de um contrato, eu e o colega descemos do táxi em
frente ao edifício do escritório do cliente na Avenida Rio Branco ─ famosa, entre
outros atributos, pelo corre-corre de pessoas e, dado estarmos atrasado, o
colega me pede para ir “chamando o elevador” enquanto paga o táxi. Para tal, coloca sua valise executiva preta reluzente
de aspecto de recém-adquirida, de puro cromo alemão, na calçada e volta-se ao
taxista para o acerto da corrida.
Não deu outra! Ao
voltar-se para a valise a mesma já não mais se encontrava. Corre ao meu
encontro na esperança de que eu a tivesse pego. Ao ver que não, desespera-se:
─ Tinha tudo dentro! Me
diz ─ cartões de crédito, dólares, euros, documento da empresa, i-pad, a
passagem para Caracas ─ próxima etapa de negócios ─ e, sobretudo meu
passaporte.
─ Calma! - digo. Vamos
primeiro ao cliente, quem sabe ele nos dá uma orientação de como agir, já que
eu também não sou desta cidade.
O cliente, ao saber do
ocorrido, só aumenta o desconsolo do colega ao informar que sexta feira naquele
horário só funciona happy-hour com roda de samba. Policia a cata de ladrão só
se tiver reportagem filmando por perto. No entanto nos orienta para irmos à
delegacia do bairro registrar a ocorrência. Assinamos o contrato, recusamos por justa
causa o champanhe de comemoração e tomamos o rumo da delegacia.
Lá chegando, o colega
preencheu os papéis de praxe para o BO e perguntamos se por acaso não prenderam
nenhum gatuno de bermudas, sandálias havaianas ou algo semelhante carregando ─
em completa dissonância com o vestiário ─ uma vistosa valise de couro preta. Em resposta ao “não” do encarregado e ao seu
olhar indagatório, entro com a tentativa do “jeitinho” sobre a possibilidade de
passar um aviso às viaturas policiais para localizar tal individuo com urgência.
Entrego meu cartão de visita com o número do meu telefone celular acompanhado
de um “cafezinho de muito obrigado” prometendo outro na entrega da valise. O
alemão que com essas tramoias só de pensar se estremece, vai saindo de mansinho
para me deixar mais “à vontade” O policial, vendo nossa angustia de resolver o
problema o quanto antes e termos ainda de passar pelo consulado alemão para
resolver o problema do passaporte antes de irmos ao aeroporto, oferece uma
carona na viatura policial para contornar o caótico transito da cidade
maravilhosa em horário de pico.
No consulado o colega
solicita um passaporte emergencial para saída do Brasil e entrada na Venezuela.
Mediante a resposta do funcionário que o expediente já se encerrara e tramites
desse tipo só em dias úteis, isto é, na próxima segunda-feira, meu colega, ao
contrário do que esperava, não se desespera, me olha e retruca dizendo se não é
possível dar um jeitinho ainda para hoje dada a urgência de chegar a Venezuela
para fechar bons negócios em favor da Alemanha, etc,etc... Além do mais, quando
visitar Munique, que o contate, pois, como membro da diretoria do Bayer de
Munique, campeão alemão de futebol, lhe arrumará ingressos para os jogos.
O funcionário esboça um
sorriso e diz que dará um documento válido por 24 horas para saída do Brasil e entrada
na Venezuela. Em Caracas procure o consulado alemão, que já estará informado do
ocorrido, que entregará o passaporte definitivo em três dias úteis.
Continuamos a via sacra ao
aeroporto ainda sob a escolta do pisca - pisca da viatura oficial chegando no
horário mínimo estipulado para o check – in. Despedimos dos policiais com mais “cafezinhos”
e promessas de ingressos para jogos do Bayern com desculpas que vários
jogadores participaram do histórico jogo dos “7 a 1” da última copa.
Após o tramites do
embarque, o alemão convida para a última caipirinha:
─ Veja se com ”jeitinhos”
consegue mais contratos para eu voltar. Gostei desse país e seus costumes. “Nós
alemães somos muito engessados”, pouco flexíveis. Agora, com jeitinho, vou
pedir uma caipirinha com aquela pinga especial reservada para clientes
especiais, com limão galego que está sempre em falta, bem socada e com pouco
açúcar. Acompanhada de pão de queijo bem crocante...
─ Que volte logo! Brindo
eu, mas sem valise de couro brilhante que chame a atenção. Traga mochila e das
bem surrada.
E penso comigo ─ por isso
que a Alemanha está na ponta dos países desenvolvidos ─ aprende logo a lição e
melhora a receita...
Nenhum comentário:
Postar um comentário