Angústia particular
Ises
de Almeida Abrahamsohn
Já
eram quatro da tarde. Mário ainda tinha um cliente a visitar e iria para casa.
Talvez, com sorte, ainda conseguisse uma boa encomenda de discos de
embreagem. Estava difícil vender nestes
tempos bicudos. Era representante
comercial e tinha rodado o dia inteiro sem muito sucesso.
Não
via a hora de chegar em casa e tomar um banho. Estava suado e com a garganta seca naquele dia de veranico
paulista. O sinal fechou, antes
de poder virar a esquina da Duque de Caxias. Dali já podia ver o
congestionamento que se formava no próximo quarteirão.
Cogitou
seguir em frente, mas decidiu enfrentar o trânsito. Era o último cliente
daquela região e amanhã estaria em outro bairro. Conseguiu andar mais uns cinco
metros e só! Ficou parado, sem poder
escapar, escutando as sirenes, talvez do
SAMU ou da polícia. Certamente algum atropelamento ou acidente
acontecera. Não conseguia ver adiante.
Ligou o rádio para alguma informação sobre o ocorrido. A voz dramática do locutor informou:
atropelamento de ciclista com ferido grave na esquina da Duque com São João .
Pensou consigo mesmo:
—
Não adianta ficar aqui sofrendo no carro, vou estacionar, comprar uma água e ir a pé até a loja.
Foi
andando pela calçada. Ao chegar próximo à esquina viu o aglomerado dos curiosos
e as luzes giratórias da ambulância . Não era do seu feitio espiar acidentes,
considerava curiosidade mórbida.
— O que aconteceu? perguntou a um dos que se
afastavam do local .
— Um
ciclista foi atropelado por um carro, já estão colocando o rapaz na ambulância., parece que foi muito grave,
respondeu o rapaz . Acho que ele estava treinando para alguma corrida porque
usava roupa e capacete azul com listras
amarelas, parecia um uniforme.
Mário não conseguiu mais respirar, a vista
escureceu e as pernas se dobraram para espanto do interlocutor. Quase caiu; ao
se recuperar, ficou desesperado. Seu
filho João era ciclista amador e possuía um uniforme com as mesmas cores. Ele tinha que ver quem era o ciclista. Correu
para o local, abriu caminho a cotoveladas e empurrões gritando:
—
Preciso ver se é meu filho!
Policiais
tentavam barrar a sua passagem. Conseguiu chegar no momento quando a maca com o ferido era colocada na
ambulância. Não conseguia distinguir-lhe
as feições. O seu olhar percorreu o
corpo embalado em um capa aluminizada.
Sobre
o nariz e a boca a máscara do respirador movia-se sob a pressão ritmada do
motor. Os olhos estavam protegidos sob uma máscara de gaze branca. Se ao
menos pudesse ver a cor dos cabelos....
Angustiado,
gritou ao enfermeiro puxando-o pelo braço.
—
Deixe-me olhar o rosto, preciso saber se é meu filho.
—
Seu filho se chama Renato?
—
Não, o nome dele é João. Então não é seu
filho, este se chama Renato Aguiar, o senhor conhece?
—
Não, não, creio que não, balbuciou Mário. Obrigado... Devagar, Mário caminhou na direção de seu carro. Parou num bar, pediu água e café.
Sentou-se e, reanimado, sentiu que o sangue voltava a circular pelo corpo.
Ainda
com o cérebro embotado ligou para a mulher:
—
Ana, não foi o João ! Não foi o João! Repetia.
Foi o Renato, lembra do Renato, filho da Tereza, aquele que chamou o João para o clube de ciclismo ?
A
mulher, que estava voltando do trabalho, sem nada entender, só lhe perguntou
meio impaciente:
—
Vai chegar na hora pro jantar, Mário? O João
chegou mais cedo e o suflê não pode esperar !
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