Azarado - Ises A. Abrahamsohn


Azarado
Ises A. Abrahamsohn 

Alfredo Albuquerque olhou-se  no já manchado  espelho  de parede e sorriu. Uma bela figura de homem, este era o seu principal e único capital. Estatura mediana, atlético, queixo quadrado e rosto másculo. O bronzeado e as têmporas prateadas conferiam-lhe  um ar de afluência e  respeitabilidade.  Vestia-se com apuro com um dos dois trajes que ele chamava de  suas roupas de trabalho . Terno clássico, gravata e sapato social para ocasiões formais ou  para as esportivas  - camisa de jacarezinho beige – só usada profissionalmente – blazer azul e mocassins  italianos.  Ficavam pendurados, protegidas por sacos plásticos,  em antigos valetes de madeira.   Guarda roupa não havia e nem caberia no apartamento de sala e kitchenette, apelidado JK, num prédio decrépito do centro de São Paulo. 

Alfredo, ou Alfredinho, como era conhecido na área, já vira melhores dias.  Estava em maré baixa. A grana do último golpe estava no fim.   As duas últimas  pombinhas , alvos  de seu interesse, não cederam aos seus cantos. Antes delas,  houve a  Isolina, há mais de ano. Sentia até alguma saudade  da  viúva  bem apanhada, moradora  em Higienópolis.  Esta lhe rendera um bom dinheiro e até um carro seminovo que ele conseguiu passar adiante e embolsar a grana  antes que ela desse queixa.  Mas, elas raramente davam e a Isolina não seria diferente. Envergonhadas, não contavam nem aos filhos. Às vezes  contavam  apenas  a uma amiga próxima e eram estas abelhudas que ele mais temia.

O seu alvo agora era a Ester. Ester  Katchinsky: ele aprendera a pronunciar corretamente o nome polonês e até brincava com ela:

_ “Minha Katinha, minha Gatinha  Ester ...”

Tinha conseguido fisgá-la numa confeitaria do Shopping do mesmo bairro, um dos seus territórios de caça.  Tinha  espreitado a vítima em algumas ocasiões: sozinha ou com amigas, velhotas abastadas como ela. Devia ter  uns oitenta   anos, mas aparentava dez menos. Roupas discretas, certamente compradas no exterior,  acessórios caros e na última moda. Alfredinho farejou uma bolsa Prada legítima.  Trazia sempre os cabelos  impecavelmente loiros e arrumados    assim como as unhas pintadas de vermelho vivo.  A tese de Alfredinho, defendida nas rodas dos botecos, era que a cor das unhas sinalizava a disponibilidade   das mulheres para um eventual novo parceiro: esmaltes vermelhos denotavam uma chama interna ainda  vital e impetuosa. Fugia daquelas que exibiam unhas  cor de rosa ,  ou  pior, as sem  esmalte!

Ester sucumbiu à lábia  do vigarista.  Porém não era tola. Quando mais nova  tinha sido proprietária e gerenciado uma bem sucedida livraria. A livraria tinha sido vendida  há uns seis anos após a morte do marido que era seu sócio.  Ester  achou o  rapaz  uma boa companhia  que aliviaria a sua solidão. Os filhos eram por demais ocupados e os netos, já adultos, não precisavam  mais  de  seus  cuidados e afetos.  Tinha amigas, é certo, mas  estas  não queriam ou não podiam viajar. Ester ainda tinha muitos interesses na vida: gostava de ler, de cinema, de se vestir  bem e,  sobretudo, de viajar. Ester , entretanto, não contava com  as armadilhas  do coração. Em um mês se apaixonou pelo Alfredo.  A razão lhe dizia que o rapaz  era um aproveitador,  mas  ter alguém  atencioso e companheiro a seu lado  era bom demais. 

Queria apresentá-lo à família, agora que haviam acertado um giro pela Europa, naturalmente bancado por ela. O Alfredinho se esquivou: detestava parentes e tinha lá suas boas razões.  Antes da viagem, renovou o seu guarda roupa. Afinal, confidenciou a Ester, que o acompanhou  às compras (e pagou) , iriam de navio, na primeira classe, e ele precisava se mostrar vestido à altura.

 O problema básico do malandro era conseguir algum dinheiro em espécie.  A Isolina era mais crédula e caíra no conto do carro.  Não lhe ocorria no momento outro plano que fosse tão  rentável e seguro.  Daria o bote quando voltassem da Europa.

A viagem transcorreu bem. Alfredinho se muniu do habitual  estoque de Viagra para essas ocasiões e baixou  uns vídeos eróticos no celular. Ester estranhava as demoras dele no banheiro da suíte antes de irem para a cama, mas o Don Juan se justificava que queria estar limpinho e barbeado para ela.

Voltaram de avião.  Alfredo maquinando o golpe do carro para quando chegassem a São Paulo.  Não chegou a aplicá-lo. Logo na área de desembarque dois policiais à paisana o esperavam.  Alfredinho tivera muito azar. Uma das filhas de Ester era amiga da filha da Isolina, que,  mesmo envergonhada, decidira  dar queixa  do golpe do gigolô.


Alfredo amargou um mês de cadeia. Não tinha dinheiro nem para o advogado mais barato.  Só lhe sobraram as roupas novas  que poderia usar em um novo golpe.  Higienópolis?  Nunca mais!

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