Tsunami brasileiro - Ises de Almeida Abrahamsohn


Tsunami brasileiro
Ises de Almeida Abrahamsohn

Restava apenas uma parte da cozinha do que fora um dia sua casa. O torno destroçado emergia do barro seco a duas centenas de metros. João pisava com cuidado a crosta seca sobre a  espessa camada  de  lodo.  Os olhos marejados não acreditavam no que viam. Uma vida inteira arrasada por uma avassaladora torrente de lama. Havia um grito sufocado dentro dele, um pedido de socorro que somente Deus poderia atender.

Assim como ele, outros moradores de  Bento Rodrigues, distrito rural de Mariana - cidade  histórica brasileira,  buscavam  corpos soterrados, e pertences  nas ruínas  de suas casas.  As silhuetas das pessoas curvadas a esquadrinhar  aquela  árida paisagem marciana moviam-se em um balé macabro. O rastro de destruição da lama tóxica  se estendeu por quatrocentos quilômetros,  cruzando Estados, ao longo dos rios até o oceano, cobrindo o solo fértil e asfixiando os seres vivos.  

João perdera tudo: moradia, a oficina de serralheria e a caminhonete  de entregas.  Do entorno, nada restara de reconhecível. Até o riacho que cortava o vale sumira. João desesperançou.

Mas,  apesar de tudo, ainda se considerava afortunado.  Sua família  tinha escapado, como que por milagre,  do tsunami de lama. Ainda lhe sobrara  um fiapo de energia. Seria cada um por si. Iria refazer a vida.  Procuraria algum lugar bem longe dali. Nos olhares da mulher  e das filhas  João reencontrou a esperança, o único bem que ainda lhes restava.


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