Uma nova oportunidade - Ledice Pereira



Uma nova oportunidade
Ledice Pereira

Ernesto era um jovem de classe média. Vivia num bairro em São Paulo com o pai, a madrasta e cinco irmãos. Seus avós maternos moravam na casa ao lado pra onde ele corria sempre. Gostava de lá ficar ao lado do  avô Antônio, marceneiro conceituado no bairro que lhe ensinava sua arte.

Não conhecera a mãe, que morrera de parto quando ele nasceu. Antônio o protegia, pois sabia que o neto não se dava bem com a madrasta e os irmãos.

Apesar de matriculado na Escola Estadual do bairro, o menino faltava muito e andava com uma garotada que preferia vagar por ali em busca de aventuras.

Embora inteligente, as más companhias faziam-no pender para outro caminho.

Com vinte anos ainda cursava o ensino médio. Faltava tanto às aulas que acabava repetindo o ano.

O pai desistira dele.

Ele é um homem, sabe o que faz. – dizia ele ao sogro quando este dizia que o pai devia chamar-lhe a atenção.

E o avô ficava muito triste de ver o caminho errado trilhado pelo neto.

Ernesto não conseguiu se formar. Abandonou a escola no sétimo ano do ensino médio.

Fez alguns bicos aqui e ali e aprendeu a fazer pequenos furtos com aqueles que se diziam seus amigos.

Aparecia em casa com celular novo, dinheiro, óculos escuros de marca e, quando interpelado pelo pai, dizia que ganhara de um amigo.

Até que o pai, sem nenhuma psicologia e instigado pela mulher, resolveu botá-lo pra fora de casa.

Antônio ainda tentou argumentar que isso não iria ajudar nada, mas o que ouviu é que não devia se meter.

— O pai sou eu e sou eu quem decide o que é bom pra ele.

Ernesto passou a viver na casa de amigos, às vezes dormia na rua, furtava pra poder comer e se vestir, até que lhe chamaram pra participar de um assalto.

Ele teria que praticá-lo sozinho. Seria a prova de fogo pra ver se seria aceito no grupo.

E Ernesto topou. Invadiu a casa bem na hora que a filha da dona da casa saía para a Faculdade. Rendeu todos que ali estavam e, ameaçando  atirar com a arma que empunhava, reuniu objetos de valor colocando-os numa sacola: dinheiro, dólares, celulares e joias que a família foi recolhendo e entregando.

Não escondera o rosto e, apesar de achar que tinha se saído bem naquela primeira experiência, em menos de uma semana foi detido, reconhecido e preso.

Os falsos amigos nem apareceram. E ele sem família, amargou dois longos anos, encarcerado.

Apenas o avô o visitou naquele período. A avó era uma pessoa doente. O pai não quis vê-lo mais.

Na prisão pensava em como poderia ter sido sua vida.

“Minha revolta com a vida só me fez parar no tempo. Tive a oportunidade de estudar, de ter uma profissão, mas eu me sentia responsável pela morte da minha mãe. E, de certa forma, eu percebia que meus irmãos também me culpavam e meu pai nunca me perdoou por tê-la ‘matado’. Isso talvez tenha influenciado no caminho que segui.”

Um dia teve  oportunidade de sair no Natal, em razão de seu bom comportamento, tendo sido informado de que o avô estava internado com uma doença grave. No entanto, não tendo pra onde ir, saiu sem rumo e pegou carona no primeiro caminhão que passou. E foi mudando de carona até que chegou a Santa Cruz do Arari, no Pará, um município com menos de dez mil habitantes,  e lá ele ficou.

Recebido pelo padre João,  num dia em que a chuva caía a cântaros, foi fazendo amizades, ajudando nas tarefas da igreja, e botando em prática o que aprendera com seu avô Antônio, grande marceneiro.

A vida ensinara que o caminho a tomar deveria ser outro, diferente daquele que havia escolhido.

Padre João, que simpatizara com ele, ensinou-o a comportar-se,  arrumou-lhe moradia, roupas e trabalho.

E ali, naquele lugarzinho perdido no mapa, Ernesto, agora William Pereira, traçou uma nova história de vida.

Ninguém imaginaria que aquele homem bom, trabalhador, caprichoso em tudo que fabricava, sobretudo bom marceneiro, tinha um passado tão nebuloso.


A vida lhe dera uma nova oportunidade que ele aproveitou.

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