Quatro
mulheres e uma viagem
Angela Barros
Norma
faz parte de um grupo de amigas viúvas que já passaram dos sessenta anos, enxutíssimas, chamam a atenção
por onde passam. A turma caminha
religiosamente, esteja quente ou frio, três vezes por semana no Parque Villa
Lobos.
Foi
numa dessas caminhadas que ela e as amigas Clara, Bia e Roberta decidiram que
iriam treinar para fazer a rota de peregrinação do caminho de Santiago de Compostela, cujo rota
completa significa percorrer a pé setecentos quilômetros cruzando toda a
Espanha. O que deixou os filhos em polvorosa.
—
Vocês estão loucas!
As
meninas não se intimidaram.
Está decidido, falavam. Estamos em
janeiro, treinaremos durante oito meses, partiremos no inicio da primavera na
Europa quando o clima já está mais agradável.
Contrataram
uma agência especializada que sugeriu que iniciassem o trajeto pelo Caminho
Francês à partir do
povoado espanhol de Roscesvalles. Sairiam de São Paulo para Madri, depois uma
conexão até Pamplona para então pegar um ônibus até Roncesvalles, em seguida um
táxi até Saint-Jean-Pied-de-Port, início da jornada.
De
acordo com pesquisa feita no pai dos burros atuais, o Sr. Google, as meninas
descobriram que deveriam comprar uma bota especifica para a caminhada e que
deveria ser amaciada antes de iniciar o trajeto, além da necessidade de ser um numero maior para evitar
lesões nos pés.
Botas
compradas, treinos intensificados, o tempo voou. O êxtase entre as amigas estava nas alturas no dia da
partida. E lá foram elas juntas para o aeroporto. Na sala vip da companhia aérea
tudo era motivo para brindar com Prosecco e assim continuou até altas horas da
noite no avião.
E
dá-se inicio a longa jornada.
O
grupo tinha como desafio no primeiro dia de caminhada uma subida que as
levariam a mil e quatrocentos metros acima do nível do mar que foram enfrentados apreciando a linda
vista e longos bate papos com os outros peregrinos.
A
viagem transcorria sem grandes surpresas, com a ajuda da temperatura que estava quente, mais suportável.
Até que faltando uma semana para o termino da peregrinação
Norma passou a noite vomitando sem
parar, com certeza foi o peixe comido no jantar. No dia seguinte as amigas
queriam adiar a caminhada por um dia para que Norma melhorasse. Ela disse não
veementemente, afinal tudo que tinha que sair, já saiu. Vamos em frente!
Depois
de três horas de
caminhada o sol escaldava àquela hora do dia. Norma estava com os pés inchados,
a boca seca, e os olhos turvos. Mas, precisava andar mais sete quilômetros para
chegar ao local onde almoçariam, ela não queria incomodar as amigas mas, foi
diminuindo os passos e se afastou um pouco. Até que sem forças sente suas
pernas fraquejarem, quase desfalece quando sente duas mãos fortes lhe segurando
e escuta uma voz dizendo:
—
Fique tranquila, vou ajudá-la.
Norma
olha e vê um rosto de um
homem de expressões fortes, provavelmente sessentão, não era bonito nem feio,
cabelos fartos e grisalhos, dois olhos negros lhe penetravam com o poder de
raios mas ao mesmo tempo meigos. Sente seus braços envolvendo seu corpo suado
na roupa coberta de poeira da estrada.
—
Muito obrigada, já estou me sentindo melhor diz, se desvencilhando dos
braços do desconhecido.
Meu
nome é Arthur, estou fazendo
o mesmo caminho que vocês. Tenho observado o seu grupo a distancia, já dei boas
risadas sozinho com a alegria de vocês.
Clara,
Bia e Roberta, no maior ti, ti, ti, observavam a cena. Como viram que a amiga
estava bem mantiveram a distância
deixando Norma à vontade com o novo amigo.
Naquele
dia almoçaram juntos, quer
dizer, menos Norma que não conseguia nem olhar para a comida. No final da refeição, de uma laçada só Arthur tinha deixado Norma
de quatro e as amigas de queixo caído com sua atenção e simpatia. Depois do
cafezinho, despediu-se.
Hora
de continuar a caminhada. Como Norma
ainda não estava bem,
decidiu pernoitar no pequeno hotel-restaurante, sob protestos das amigas que
queriam ficar lhe fazendo companhia. Ela disse não veementemente. Afinal, só estava
se sentindo meio fraca. Combinaram de se encontrar dali a dois dias no albergue
da próxima cidade.
Dois
dias se passaram, nada de Norma. Preocupadas as amigas mandavam mensagens pelo Whatsaap pedindo notícias e recebiam um monossílabo sim. Foi quando no quarto dia
receberam uma mensagem anunciando que estava com o Arthur e só iria reencontrá-las
em frente a Catedral de Santiago de Compostela. Endoidou, falaram em coro Bia,
Clara e Roberta. Todas com uma ponta de inveja da amiga.
A
jornada chegara ao fim. Cabelos desgrenhados, peles queimadas pelo sol, roupas
sujas e botas que pareciam pesar uma tonelada mas felizes por terem vencido os
próprios limites, como a maioria
dos peregrinos, estavam sentadas no chão da praça quando avistaram Norma. A
amiga estava sem a mochila, rosto vermelho como um pimentão, se arrastando pela
rua. Vendo isso, correram ao seu encontro.
Bandido,
ele era um bandido! Depois de passarmos momentos incríveis juntos, quando acordei hoje de manhã ele tinha desaparecido
com minha mochila, os cartões de credito e os euros. Sobre a mesa encontrei
apenas meu passaporte e cinquenta euros. Até meu celular o desgraçado levou.
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