Apostas baratas
Ises de Almeida Abrahamsohn
Naquela manhã eu saía
do supermercado empurrando o carrinho pela calçada tentando não atropelar as pessoas. Foi quando me chamou atenção uma fila que se
formava à entrada do bar no trajeto entre o mercado e o estacionamento. Eu
estava com mais tempo e parei para observar o movimento. Gosto de olhar
desconhecidos: como andam, o que vestem e escutar o que falam. Confesso que não é muito educado, mas pode
ser muito interessante. Quem ali estava, certamente não era frequentador habitual
do bar. Aliás, bar é elogio. Na verdade era um botequim do tipo pé sujo. A
idade mínima do pessoal era cinquenta anos. Calados e encolhidos, as roupas de
inverno bastante gastas pareciam insuficientes para conter o frio da manhã. Entrei
e pedi um guaraná, com canudinho; por favor. Não confiaria nos copos daquele
lugar. Por que aquela gente sofrida
estava ali de pé?
Foi quando vi o
sujeito sentado em um banquinho alto, encostado a um canto da parede tendo à
frente um pequeno estrado de madeira onde escrevia num caderno. Ao lado
mantinha um bloquinho do qual destacava cupons após anotar o nome e
possivelmente telefone ou endereço do freguês.
Eu percebi então o que acontecia. Era uma banquinha de apostas de jogo
do bicho. O camarada parecia ter despencado dos anos cinquenta para o século
XXI. Tirando os tênis surrados, o restante da vestimenta era da época. Chapéu de
aba curta, paletó de lã xadrez e calça de tecido grosso. Devia beirar sessenta
anos. Um velho cambista de jogo do bicho.
Espécime hoje em dia quase sumido, incapaz de competir com senas,
quinas, lotecas e outros jogos de apostas explorados pelo governo. O jogo do
bicho ainda é um baluarte, embora em declínio, do empreendimento privado. No dia anterior um freguês ganhara o prêmio, por
isso a inusitada fila para apostar. Deu jacaré no cinquenta e nove, informou o balconista
ao trazer meu canudinho.
Lembrei-me da
infância quando as banquinhas e os coletores de apostas com suas listas se espalhavam
por São Paulo. Embora ilegal algumas rádios disfarçadamente anunciavam no final
da tarde os números premiados. A polícia, ocasionalmente, dava batidas
obrigando os bicheiros a escapadas mirabolantes. Foi a uma destas que eu ainda pequena assisti
dando muita risada. Numa das salas da pensão onde morávamos funcionava uma
banca de jogo do bicho, lugar onde se reuniam as apostas trazidas pelos
cambistas e se faziam os sorteios. Ao anúncio da chegada dos policiais, os
homens saltaram como macacos e atiravam-se junto com as listas e cadernos de
apostas pelas janelas para o quintal da casa vizinha, dois andares abaixo.
Quando fiquei mais velha me explicaram o que acontecia ali e também que as tais
batidas policiais eram para “inglês ver”. O próprio governador, Adhemar de
Barros e também seu vice recebiam dos banqueiros uma generosa propina, chamada
de “caixinha”.
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