De Príncipe a Imperador
José
Vicente J. de Camargo
“Abaixo
a Monarquia! Viva a República!”
Gritavam
com fervor os trabalhadores em greve da cidade de Santos, conclamando os
surpresos passantes a se juntarem a eles no direito a melhores salários, de
escolherem seus próprios governantes, e um fim na escalada crescente de aumento
dos impostos.
No
Rio de Janeiro, capital imperial, o príncipe regente D. Pedro de Alcântara
recebia de seu conselheiro informação sobre o aumento das manifestações contra
a Coroa na importante cidade da Província de São Paulo, maior porto de
exportação de café do império:
−
“Aconselho com urgência a presença de Vossa Alteza na cidade para acalmar os
ânimos antes que se espalhem para a capital da Província”.
D.
Pedro, no auge dos seus 22 anos, relutava em deixar os cafunés endiabrados das
mucamas da corte sob o olhar resignado da imperatriz Leopoldina, e da sua prole
que não parava de crescer. No fundo, o que lhe tentava a aceitar a sugestão de
seu conselheiro, era a saudade voluptuosa que tinha da Marquesa de Santos, por
hora residente na cidade de São Paulo, onde deveria terminar sua viagem de
apaziguar os ânimos e restabelecer a ordem através da demonstração pessoal de
apreço do Príncipe pelo seu povo.
−
“Diga aos paulistas que irei! ” Pronuncia o Regente com o sangue esquentando na
expectativa do encontro ardente com sua marquesa favorita.
Assim,
em 14 de agosto de 1822, parte do Rio de Janeiro a comitiva imperial formada
por sete pessoas. Três dias antes, um agente real partia para avisar as
fazendas escolhidas para pouso, sobre tão ilustre visita.
Percorrido
mais da metade do trajeto, uma tempestade castiga o régio séquito. Cansado da
cavalgada fatigante e com receio de piorar um início de gripe, sua Alteza
ordena que parem na próxima fazenda para o pernoite mesmo que não tenha sido
avisada de sua visita e, para testar sua popularidade, que não informem sua
identidade.
Nessas
condições chega a uma fazenda bem menos suntuosa que as muitas outras situadas
no Vale do Paraíba, de onde nasce o ouro verde, sustentáculo da riqueza do
império e figurante orgulhoso do pavilhão real ao lado do ramo de algodão. O
proprietário, de bom grado e dentro do espaço disponível, oferece o celeiro ao
lado da senzala. Os membros da comitiva tentam revelar a identidade do
visitante, merecedor da melhor hospedagem possível, mas são impedidos pelo Imperador.
É que D. Pedro sente no ar a quentura do aconchego do sangue mulato, reinante
na senzala. Dispensa os comandados e segue seu faro bem treinado na direção da
presa em cio...
O
dia seguinte clareia brilhante, o cansaço e a gripe se foram no embalo noturno do
rodamoinho orgíaco. Antes da partida, D. Pedro faz questão de plantar uma
palmeira imperial, para demonstrar sua régia masculinidade e de participar, na
humilde capela, de uma oração à Nossa Senhora Aparecida pedindo perdão pelos
deslizes incontroláveis. Dado a enxurrada do dia anterior, ao barro acumulado
do precário caminho e ao “agarra-agarra” da noite adentro, troca de calça com
um general da comitiva para nada ofuscar sua chegada a cidade de Santos
prevista para o mesmo dia.
A
história continua sua trajetória desde de há muito conhecida. Mas infelizmente
várias peripécias que entremeiam seu desenrolar, permanecem incógnitas do
conhecimento público. O que é de se lamentar, pois a régia figura em questão,
seria acrescida de pormenores que a aproximariam ainda mais da simpatia
nacional. Aquele, que saiu do Rio de Janeiro como príncipe e retornou como
imperador...
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