Paciente inesperada - Ises de Almeida Abrahamsohn


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Paciente inesperada
Ises de Almeida Abrahamsohn


Era de tarde quando Raquel chegou ao pequeno sítio cujos moradores não conhecia. Apeou da Branquinha e bateu palmas. Ninguém...  Após nova tentativa sem resposta deu a volta até chegar aos fundos da casa. Foi quando ouviu um fraco relinchar. Andou em direção ao som e encontrou os donos da casa. O homem com os braços ensanguentados curvava-se sobre uma égua baia coberta de suor que de vez em quando emitia um som rouco. A égua prenha estava no limite das forças. Raquel havia feito muitos partos humanos, mas nunca de um animal. O dono, Seu Alípio, cansado e de mau humor, disse-lhe que o potro estava “de través” e não conseguia sair. Já estavam naquela luta há duas horas. A égua morreria junto com a cria.

A moça, que era obstetriz, se ofereceu para tentar. Raquel se ajoelhou em frente à traseira do animal enquanto o dono segurava as patas. Enfiou primeiro um dos braços e sentiu as ancas do animalzinho que estava atravessado na barriga da mãe. Agarrou as patas traseiras do potro e enfiou a outra mão dentro do útero até sentir as patas dianteiras.  Raquel tinha agora os dois braços até os cotovelos dentro da égua. Tentaria girar o filhote. Quando começou o movimento a égua deu um violento coice que a teria atingido não fosse a força com que o Alípio conteve as patas. O bichinho escapou-lhe das mãos. Raquel  enxugou a mistura de sangue e líquido amniótico das mãos e braços. Estava coberta de suor dela e do animal. Respingos de sangue por todo o corpo: cabelos, no rosto e na roupa. As costas e joelhos ardiam. Recuperou o fôlego. De novo enfiou os braços para dentro do útero e conseguiu agarrar as patas de trás e da frente do potro.

 ̶   Não mexa de novo minha linda, vamos tirar seu filho agora, falou em voz baixa.

Tremia com a posição e o esforço. Com os dois braços girou o potrinho e foi puxando pelas patas traseiras. A égua deu um gemido rouco  e desta vez não se mexeu. Primeiro as patas, depois o corpo e finalmente a cabeça escorregaram para fora em meio ao restante do material sanguinolento. Estava vivo. Alípio limpou a cara do recém-nascido com uns trapos. Após duas tentativas o bichinho ficou de pé. Logo a mãe também se levantou e lambeu o filhote que já começava a mamar.

Raquel exausta ficou por ali. Sentada no chão mesmo, escorada na parede do telheiro até que o coração se acalmasse. Só depois levantou e foi se lavar no tanque.  Falou para o agradecido Alípio:

̶  Pois é! Mesmo em férias não tenho sossego. Quando não são as  pacientes  humanas, me aparecem agora as animais.


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