A NOITE DE PEDRO - Oswaldo Romano


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A NOITE DE PEDRO

             Oswaldo Romano         
                                                                              
         Pedro que teve sua casinha de Pau a Pique, ainda em construção, quase destruída pelo temporal, preparava-se para, tomando folego, concertar o estrago na manhã seguinte.

         Ali próximo mantinha um puxado junto ao barranco do rio, onde guardava ferramentas e coisas que vinha usando na obra. Nessa noite, ainda sob mal tempo, resolveu dormir nesse local resguardando de roubos na sua propriedade.

         Economizando a lanterna virou-se com uma lamparina a querosene até ajeitar-se num canto onde dormiria.

         O tempo não dava tréguas, voltava a chover com muitos trovões e fortes ventos. Chegavam a uivar entre os vãos. Muito cansado, deitado meio adormecido, mas sofrendo essa inusitada situação.

         Os minutos passavam, seu pensamento rolava. Apagou a lamparina, mão sob a cabeça livrando um ouvido, mesmo confuso, nenhum barulho lhe escapava.

         Já estava mais pra lá do que pra cá, levou tamanho susto, arregalou os olhos vendo sua lanterna acesa, girando só naquela pequena tenda, e saindo espirrando faíscas pela porta.

 Tinha a porta serrada ao meio, na horizontal. Servia de janela e barrava entrada de inconvenientes por baixo.

         Pedro endureceu. Quando pensou em se levantar, um raio o encolheu. Pedro aprumou-se lentamente, trêmulo, olhou por um canto da janela. Quase a lanterna lhe atingiu, voltando, mas desta vez deu para ver, foi trazida por parte de um esqueleto escorrido, brilhante! Ele girou e num lance fugiu de novo. Chovia, novo raio cai muito perto, jogando-o pelo chão. A situação já estava tétrica, nada podia fazer, mesmo que quisesse, perdendo todas as forças.

         Apanhou um facão levantou-se até o vão, viu sua lanterna lá na casa, vasculhando a construção de Pau-a-Pique inacabada. Pelo rabisco que sua luz fazia, mudava de local com incrível velocidade. A chuva e relâmpagos alteravam a nitidez da sua visão. Deu-lhe forte tontura ao ver que ela mudando de rumo, vinha em sua direção deixando um rastro de luz.

         Pedro caiu no seu canto desmaiado. Acordou, já dia, olhando direto para a lanterna. Lá estava ela, quietinha no mesmo lugar em que havia deixado.

         Incrédulo, pisando em brasas, subiu, foi apurar não sabia o que. Encontrou tudo como estava. Perturbado procurou seu vizinho. Exaltado contou-lhe com detalhes, gesticulava. Quando acalmou, ouviu do vizinho a seguinte história:

         — Pedro naquela baixada, junto às lavadeiras, conta-se um causo da mulher que, por ciúmes, esfaqueou várias vezes sua vizinha, matando-a, tingindo de sangue as águas do córrego. De noite teria saído do seu fundo, portando uma lanterna a procura da assassina. Ninguém acredita nisso. Foi invencionice do tal Trajano, um trambiqueiro, que há anos passou por aqui. Não aconselho contar para ninguém. Ninguém vai acreditar na sua história, e ainda vão tirar sarro e rir de você. Vai ficar marcado, olhado de escanteio por muito tempo, por onde passar.

         — Tá bom, e ocê acredita em mim?


         — Cê tem certeza que não tava sonhando?

O QUE DEU, ISTO ? - Mario Augusto Machado Pinto

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O QUE DEU,  ISTO ?
Mario Augusto Machado Pinto

O que dá pra criar, quer dizer,  fazer, escrever, tendo um tema desses? Pouco. Imaginei: pouca coisa, mas lendo os resultados que estão no “nosso blog” vejo que não é não. É que meu campo é limitado, muito pequeno, acidentado demais, árido, seco e sem recursos. Mesmo fazendo um esforçozinho não há ilusão de ótica nem tamareiras, imagine!

De cara fui a pique e não vou usar toda a expressão. Há salvação, creio eu. Acredito,  já é um consolo que seria  uma salvação (?).

Por falar em salvação,  lembra ato resultante de tragédia ou, pior, falha ou falta de bons traços de conduta, requisitos de segurança. É o caso, por exemplo, do Titanic que foi a pique (ái, esta está horrível...).

Por falar nele, pode vir do inglês “to pick”, como ele, pegar, ou da brincadeira, melhor, correria de brincar de piques,,,

Mas,  você sabe a origem? Não? Nem eu, mas na minha (nossa) “velha e sempre nova academia” dizem que sua origem estava ligada ao pique-pique cantado nos aniversários, mas que foi mesmo na homenagem cantada pelos estudantes a visitante hindu, um tal de Mr. Timbum, daí o pique-pique...rá, tim, bum...”

Ou, ao apelido “pique-pique” do estudante Ubirajara Martins que aparava barba e bigode com tesourinha de cortar unhas que, acionada, faia o barulhinho pique, pique...

Ou, ao obelisco no Largo da Memória (Vocês sabem onde fica? Eu sei!). Dalí partiram algumas das excursões ao interior desbravando o que resultou ser este enorme país...

— Você me prometeu dar o endereço do barzinho  que frequenta, lembra?  Devagar, devagar. Onde? Ahn, como é mesmo? Onde? Ah, sei, sei, na Fradique...
Queridos, está piorando!

Isso aí não é nada. Eis uma pior: Pra ser dondoca chique você não pode vestir a pique (era pra ser “você não pode usar saia piquê”, mas piquê não dá rima...).
Ainda haveria outras, mas vou parar por aqui.


Não há nada de pau a pique, talvez encontre no Largo do Piques...

LIQUIDAÇÃO FAJUTA, MULHER FAJUTA - Jeremias Moreira

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LIQUIDAÇÃO FAJUTA, MULHER FAJUTA
Jeremias Moreira

Em pé, no meio do magazine apinhado de gente pra lá e pra cá, Asen Kobackoff sentia-se perdido. Percebeu a chegada do elevador, intuitivamente engrossou a fila e entrou. O elevador logo encheu, pôs-se a subir e Asen ouviu a voz monocórdia e automática do ascensorista anunciar as seções e os artigos correspondentes a cada andar. Assim certificou-se de que roupa ficava no terceiro. Sentia-se intimidado com o lugar, que achava requintado, acima do seu nível. Usava um terno puído. O único que possuía. Trazia no bolso um recorte de jornal que anunciava a grande liquidação do Mappin. Pediu adiantamento do salário para o tio e ali estava para aproveitar a pechincha. Logo viu que se tratava de engodo, pois os artigos de boa qualidade ostentavam preços normais, muito acima das suas posses. As peças em liquidação eram pura carregação de baixa categoria. Mesmo assim dispôs-se a provar um terno e ao olhar-se no espelho sentiu-se na roupa de um defunto muito maior. Desistiu de qualquer compra e saiu da loja. Na calçada voltou-se e admirou mais uma vez a fachada, que o impressionara. Imponente, o nome Mappin cintilava em neon que se alternava nas cores do arco-íris. Pena que a liquidação fosse fajuta. Essa palavra aprendera com o tio, que a repetia toda hora quando praguejava contra algo, com seu sotaque carregado:

Alikat faiuto ou fethastura faiuto! – dizia.

Atravessou a rua e quando se deu conta estava diante do Teatro Municipal. Parou, contemplou o prédio e deixou-se voar pela recordação. Lembrou-se do Teatro Stoyan Bachvarov, de Varna, sua cidade. Quando rapaz e com a cumplicidade do tio Stelio, que era maquinista do Teatro, assistia aos ensaios da Sinfônica, da cabine de força. Adorava música e lamentava não ter talento para nenhum instrumento. O pensamento voou além e recordou-se dessa época em que era feliz, antes da invasão da Bulgária. Logo depois aconteceu a prisão e a morte dos pais e a sua saída atribulada como ajudante em um navio cargueiro rumo a Buenos Ayres. As peripécias que teve que fazer para driblar a vigilância dos soldados alemães, que ocupavam todo o Porto de Eximo, no Mar Negro. Temeroso com a SS o comandante do navio não queria aceitá-lo. Ainda bem que contou com a solidariedade da tripulação na tentativa de convencer o capitão. Em Buenos Ayres trabalhou como ajudante de padeiro até conseguir fazer contato com o tio Damyen, que era chaveiro em São Paulo. E fazia oito anos que estava por aqui e que se tornara chaveiro também.

Quando saiu da divagação viu-se sentado num banco, em meio às estátuas em homenagem a obra de Carlos Gomes, na Praça Ramos de Azevedo. Admirou a pujança de Peri, que domina a escadaria.  De onde estava, notou que a maioria das pessoas que desciam esfregava a mão no dedo do índio. Sorriu ao perceber que o dedo apresentava um brilho que o restante da obra não tinha. Olhou o relógio e viu que eram quase quatro da tarde. Programara para depois do Mappin ir ao Cine Cairo, na Rua Formosa, onde passava o último sucesso do seu ídolo John Wayne, o western Legião Invencível, dirigido por John Ford, e estava na hora da seção.

Levantou-se e caminhava em direção ao cinema quando foi interceptado por dois policiais e uma mulher que o apontava como o homem que tentara lhe roubar a bolsa. Sem entender direito o que acontecia protestou. Tentava desmentir. Mas, sua fala era carregada de sotaque búlgaro e por isso não se fazia entender. Principalmente quando tentou dizer que a mulher mentia e usou a expressão que o tio usava a todo instante:

Muijer faiuto... muijer faiuto! – repetia.

Foi o estopim para a confusão. Ofendida, a mulher bateu-lhe com a bolsa. Os policiais tentaram acalmar e fizeram Asen se calar, pois ele não parava de repetir que a mulher era fajuta. A coisa piorou para ele quando um dos policiais o revistou e encontrou uma chave micha.

Pronto, foi o fim!

Todo ladrão que se preza tem uma chave micha. Agora não restava dúvida, o sujeito era ladrão. Foram todos para a delegacia.

Nervoso, Asen tentava explicar, no seu minguado português, que era chaveiro. Deu o telefone do tio, mas os policiais não quiseram saber. Até imputaram para sua conta outros casos de roubos à residências que estavam em aberto. Num instante Asen estava sendo responsabilizado por dezenas de furtos. Aquela chave micha era a prova de tudo.

Foram levados à presença do delegado. O delegado tinha aparência bastante jovem para a função, mas demonstrava certa imponência e expressão severa. O policial fez seu relato e a mulher confirmou:

− É seu delegado ele me ameaçou com uma faca e disse que queria minha bolsa!

E a senhora entregou?

Não, eu corri!

E depois a senhora voltou com os policiais e o homem continuava lá?

Sim... Quer dizer... Parece que ele estava indo embora.

E o homem que a ameaçou com uma faca não tentou correr, nada? Deixou-se apanhar assim... Fácil... Fácil?

Acho que sim!

Asen tentou interferir dizendo que era chaveiro, mas o delegado o interrompeu com um gesto, depois se voltou para a mulher:

−  E a senhora tem certeza de que foi esse homem que está aqui presente que tentou assaltá-la?

Tenho! Quer dizer... se parece com ele... era alto assim, como ele!

E como foi que ele falou... repita quais foram as palavras dele?

Bem... não sei exatamente... fiquei assustada... mas, foi mais ou menos assim: “entrega sua bolsa senão eu te furo com a minha faca!”.

E foi assim que a senhora ouviu, sem sotaque? – sem esperar a resposta o delegado virou-se para Asen e ordenou que ele repetisse o que a mulher acabara de falar:

Entreka siu bolza stão io vuz fuzar kom miu faka. – disse Asen num esforço para tentar reproduzir a fala da mulher.

O delegado fez uma pausa, olhou para todos, em seguida repreendeu a mulher. Alertou-a sobre a imprudência em denunciar alguém sem ter certeza. Passou uma descompostura nos policiais por serem negligentes e ordenou que soltassem Asen.

Asen tratou de se mandar rapidinho. Quando se viu na rua, como desabafo, praguejou baixinho:

Muijer faiuto! Soltate faiuto!  


São Paulo - 1946 - Ledice Pereira





São Paulo - 1946
Ledice Pereira

Naquele dia, Virginia, depois de muito relutar, aceitou acompanhar sua filha, Amélia, que queria comprar um corte de tecido para o vestido que usaria no casamento de Margarida. A cerimonia seria na Igreja da Consolação, às 17 h e a chegada próxima da primavera indicava que o tempo não ajudaria muito a escolher um modelo vaporoso.
Não gostava quando tinha que chamar o carro de aluguel para ir à cidade. Ficava louca para voltar para casa logo.
Amélia insistira com ela e prometera-lhe que tomariam um café da tarde na famosa Leiteria Pereira. Por gostar de uma famosa torrada que ali serviam,  Virginia cedeu aos apelos da única filha.
Amélia demorou-se um pouco a escolher o tecido, mas ficou  encantada com um modelo duas peças que o vendedor sugeriu. Achou prático e versátil   pois poderia usá-lo também em outras ocasiões. Tiraram as medidas para o cálculo da metragem e ela, satisfeita, mandou embrulhar. Virginia, ainda meio emburrada não deu palpite nem no modelo, nem no tecido.
Saíram da Tecelagem Francesa e foram caminhando pela Rua Direita até a confluência com a Rua São Bento. Ali, dirigiram-se à Leiteria Pereira onde se deliciaram com um chocolate quente acompanhado de torrada, geleia, queijo e frios.
Virginia até esqueceu que não gostava de sair. Sentiu-se bem, conversou muito com a filha e nem percebeu o tempo passar.
Na volta, foram até a Faculdade do Largo São Francisco onde Moacyr, seu marido, havia se formado. Entraram na Igreja de São Francisco onde havia a imagem de Santo Antônio de quem Amélia era devota.
E, após fazerem uma oração, resolveram pegar o caminho de volta.
Passaram pela Praça do Patriarca, dirigindo-se ao Largo de São Bento onde tomariam um carro de aluguel que as levaria para casa, em Santa Cecília.
Ao passar pelo Edifício Martinelli, Virginia olhou para cima. Aquele prédio sempre a impressionava. Era o mais alto que já tinha visto. E, sempre que ali passava não resistia em dar uma entradinha, ainda que pequena, para apreciar a arquitetura, o piso e os vitrais que ali existiam.
Virginia suspirou:
 ─ Acho que enquanto eu viver jamais vou ver um prédio tão alto!
Amélia sorriu.
─ Ah, mamãe, creio que ainda verá sim. Eles  estão construindo prédios cada vez com mais andares.
E ao chegar ao ponto de ônibus, Virginia, que não era de muitos afetos, depois de abraçar a filha e agradecer pela tarde maravilhosa que haviam passado, falou:
─ Você vai ser a mais bonita da festa de casamento da Margarida. Vai ofuscar até a noiva.
Para Amélia, vindo de sua mãe, esse era o maior elogio que poderia receber. E ela sorriu discretamente.




Terror no Pau-a-Pique - José Vicente J de Camargo

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Terror no Pau-a-Pique
José Vicente J de Camargo


Após várias horas de caminhada na trilha de mata fechada, com mochila pesando nas costas, atenção voltada para espinhos traiçoeiros, para cobras e aranhas que poderiam surgir de qualquer lugar chegamos a um rio. Sem querer saber da existência de piranhas, jacarés ou qualquer outro perigo, já que estávamos na Amazônia, mergulhamos nas águas escuras e correntosas do rio. O banho foi refrescante. Voltamos a ser seres racionais e notamos vestígios de humanos espalhados na margem. Pedaços de sabão, trapos de roupas, cacos de tigelas de barro: Índios? Caiçaras? Garimpeiros? Reiniciamos a caminhada e logo adiante, deparamos com um casebre de pau-a-pique. Do puxadinho saía uma fumaça cinzenta, o que para nós indicava comida no fogo. Isto nos despertou o apetite,     adormecido desde o amanhecer, quando o “pau de arara” em que viajávamos quebrou sem chances de reparo no local e nos vimos obrigados a caminhar, por uma picada para encurtar o caminho, até a cidade mais próxima onde encontraríamos outra condução para dar continuidade a nossa viagem exploratória das belezas do Brasil.

Os vira-latas do casebre foram os primeiros a avisarem da nossa chegada. As galinhas, ciscando no terreiro, reuniram os pintinhos e desapareceram na mata. Os gatos sonolentos nas beiradas do telhado, se esconderam da nossa vista. Uma penca de crianças seminuas aparece na soleira da porta assustadas e dão passagem à uma mulher desnutrida de olhar arregalado pela visão de assombração inesperada. Explicamos o ocorrido e perguntamos da possibilidade de pagamos por um prato de comida e uma rede pra passar a noite. A mulher, nos vendo desarmados, com jeitão de foto de revista, e na tentação do dinheirinho extra, nos acena positivamente. Nos mostra duas redes infantis e a mesa bamba do puxadinho ao lado da brasa acesa com a panela de ferro. Sentamos, e minutos mais tarde, nos traz um prato com uma porção de arroz daqueles bem quebradinho, meio com casca, tendo encima um ovinho frito de galinha caipira tão minguado quanto as botadeiras de donde saíram. Mas a fome era tanta, que o elegemos como o melhor que já havíamos comido. A noite mal entrou e desmaiamos nas pequenas redes com as pernas pra fora pela falta de espaço. 

Mas, a exaustão da caminhada era mais forte que a comodidade e o sono me embalou até a madrugada, quando fui acordado por um ruído que me pareceu ser de algum animal. Meus pensamentos levaram um tempo pra se sincronizarem, dado ao ambiente totalmente estranho em que me encontrava. A escuridão era total. O ruído viria de dentro ou de fora, através das paredes de pau-a-pique? A certeza me chegou quando além do ruído, senti o calor do bafo. Tapei com as mãos o grito iminente.  Cobri com os braços o rosto e as orelhas e chutei as pernas com força, na tentativa de espantar o que por ali estivesse.

Então a ficha caiu! Sim! Só podia ser um daqueles porcos que vira rosnando pelo terreiro. A porta do casebre não tinha condições de oferecer resistência ao mínimo esforço de entrar. Seria uma cruza com porco do mato? Javali? Seria bravo? Faminto com certeza.  Minhas orelhas salientes deveriam lhe ser apetitosas...

E assim, vigilante no rosnar e no bafo do bicho, passei uma noite de horror. O cansaço me trazia o sono de volta, mas a visão das minhas orelhas e do meu nariz sendo devorados, me sacudia novamente. Nesse vai e vem de horror, cantou o galo, clareou o dia, pulei da rede, e  mais que depressa me pus, com o amigo aventureiro, a caminho do nosso destino.

Desse pesadelo, sempre me lembro, toda vez que como a brasileiríssima feijoada, logo avisando:


Para mim, sem orelha, por favor...”

Minha primeira viagem de trem - Fernando Braga

 Luz 1910

Luz 1960


Minha primeira viagem de trem
Fernando Braga

       Tinha eu pouco mais de 7 anos quando meu pai programou uma viagem a São Paulo, ou melhor a Santos, para conhecermos o mar e lá ficarmos por 15 dias. Éramos 4 irmãos, o ultimo apenas com 8 meses.  Morávamos em uma pequena cidade do noroeste paulista, longe da capital. Naquela época, em 1942, o melhor e único meio de condução para vir à capital era o trem.

       Fizemos uma viagem cansativa, com baldeação em São Carlos, devido à mudança da bitola estreita da estrada de ferro araraquarense (0,60 cm,) para a Companhia Paulista de Estrada de Ferro (1,60 cm).  Descemos os seis, na Estação da Luz, e fomos a pé, carregando as malas, para um remediável hotel da região, uma vez que no dia seguinte iríamos tomar o trem para Santos e finalmente conhecer o mar. Saímos para almoçar em um restaurante próximo, meu pai carregando o bebe no colo. Me lembro que comemos macarrão e carne, sem sobremesa. No momento em que meu pai viu a conta, achou um absurdo o preço cobrado. Ficou nervoso, chamou o  garçom e pediu que explicasse os números. A conta era feita no lápis e realmente havia um erro. Meu pai ficou muito bravo e disse à minha mãe:

       — São Paulo é assim, precisamos sempre conferir!

E a garoa caindo lá fora.

       O hotel tinha 3 ou 4 andares e um elevador antigo, fechado apenas por uma grade vazada. No dia seguinte fomos tomar o café da manhã e eu fiquei esperando fora do quarto pelos demais, olhando o elevador descer e subir. Em dado momento, bobinho, ingênuo, que nunca tinha visto elevador, quis através das grades, enfiando meu bracinho, tocar um dos cabos do elevador, que se deslocavam conforme o elevador se movia.  Estava quase o tocando quando senti um forte puxão no corpo dado pela minha mãe e em seguida o elevador passou:
       — Seu burro, nunca mais faça isto. Você podia ter perdido o braço.

E era verdade!

       — Não vou nem contar para seu pai!

       Fomos para a Estação da Luz bem antes do horário de embarque na São Paulo Railway, que ligava Jundiaí a Santos. Guardamos nossa bagagem, atravessamos a rua e nos dirigimos ao Jardim da Luz, realmente uma beleza, cheio de árvores, bancos e até um lago tinha. Meu pai disse que aquele era o parque mais bonito da Cidade.  De longe olhamos para o prédio da Estação da Luz e meu pai começou a me explicar o que sabia. Disse:

      —  Sabe, esta estação foi inaugurada há 75 anos, em 1867, graças ao Barão de Mauá. São Paulo cresceu e começou a receber muitos imigrantes e visitantes e a estação ficou pequena. No começo deste século, começou a haver uma verdadeira urbanização da cidade, calçadas sendo feitas em todos os cantos, iluminação e bondes. Foi feito um grande projeto para uma nova Estação Da Luz, desenhado pelo engenheiro James Ford, com um edifício moderno, com traços de arquitetura inglesa vitoriana e uma famosa torre com um relógio, parecido ao Big Ben de Londres.

      —  Veja meu filho, é aquele lá. O relógio, como o de Londres, marca a hora exata para as pessoas. Toda esta estrutura sofisticada que você vê, foi importada, trazida da Inglaterra. Apenas a alvenaria é brasileira.

       Daqui a pouco vamos tomar o trem e você vai poder ver paisagens muito bonitas, principalmente as da Serra do Mar e logo depois, do Oceano Atlântico.
—  Oceano Atlântico?

       —  É filho, o que chamamos de mar é o Oceano Atlântico, que banha toda a costa do Brasil.

      —  O senhor falou tanta coisa, mas entendi pouco!

—  Não faz mal meu filho, quando você crescer e estudar, vai se lembrar de tudo isto, conhecer muito mais do que eu.

       Anos mais tarde, estudando em São Paulo, tornei-me freguês desta estação. Viajava para o interior, partindo e chegando pela Estação da Luz. Tomava a Companhia Paulista, depois a Araraquarense. Quando entrava no trem, não via a hora de ir para o restaurante, tomar um refresco e pedir o famoso filé Arcespi, de filé mignon. Falo isto, porque me traz grandes recordações. Cada viagem que fazia era uma vitrine de belas paisagens.

        Não posso me esquecer quando em fevereiro tomei o trem para o interior, em uma sexta feira, após ter terminado o exame vestibular. Estava começando o Carnaval de 1954 e por todos os cantos ouvia-se a melhor música carnavalesca do ano:
       —  E as águas vão rolar...

       Tinha em minha cabeça uma grande incerteza:

       — Será que vou passar? Ser classificado? Deixe as águas rolarem!?  Após 15 dias soube o resultado. Vitória!

       Nossas ferrovias eram ótimas e atingiam a maioria das cidades de nosso Estado.      Segurança! Pontualidade! Conforto!

       Com o governo de Juscelino, houve um progresso no país e um grande incentivo ao transporte rodoviário e aéreo, em substituição ao ferroviário. Na Europa e mesmo nos USA, o transporte ferroviário de passageiros, até hoje é intenso, mas no Brasil... foi esquecido. A Companhia Paulista em 1971 foi incorporada à Fepasa, começou a decair em todos os seus parâmetros, até chegar em 2001, quando foi abolido para o uso de passageiros.

       Fico muito triste com a situação em que se encontram as ferrovias no Brasil. Os nossos   amaldiçoados governantes não olharam para isto e aí está a grande merda que fizeram, aliás   como sempre. As ferrovias deram certo em todo o mundo, exceto no Brasil! Quebrou-se um de nossos maiores patrimônios. Viajar pela Inglaterra por ferrovias, ainda é o melhor! Pelo Brasil são as rodovias, congestionadas, perigosas, bêbados dirigindo, caminhões pesadíssimos ao lado e contra os carros de passeio. Somos os campeões de acidentes e morte nas estradas. A rede ferroviária nacional desapareceu.

        Parabéns a nossos dirigentes, grandes políticos, honestos. Detestam roubar!

        Tudo isto me vem à lembrança aos 80 anos, quando olho a antiga foto da Estação da Luz de 1910. Em 1982 esta estação, pela sua arquitetura única e passado maravilhoso foi tombada pelo Condephat, e hoje abriga o Museu da língua Portuguesa. Serve quase apenas como estação a linhas de metrô e trens para cidades bem próximas.


       Mas, viva a Estação da Luz, hoje com 149 anos!

POÁ – UMA NOBRE MISSÃO - Oswaldo Romano

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POÁ – UMA NOBRE MISSÃO

UMA FICÇÃO COM MUITAS VERDADES                                                                   

            A empresa R.G.Dun, filial de São Paulo, orgulhava-se de ocupar parte do Prédio Martinelli, o primeiro grande edifício e concorrido ponto turístico da cidade. Uma das suas curiosidades, a mais simples, tinha a calçada feita com tijolos de vidro, mostrando movimentos do seu subsolo avançados por baixo do passeio.

 Do seu interior olhando os que passavam por cima via-se a imagem distorcida, pelos desfocados tijolos. Na calçada, alguns alçapões para recebimento de mercadorias! Mármores Carrara, o pinho de Riga da Estônia, trazido por naves portuguesas, vidros e espelhos belga, sanitários ingleses, elevadores suíços, compunham a construção.

Instalaram-se no prédio empresas categorizadas da época, jornais, sindicatos, clubes como o  Palestra e a Portuguesa.

 Quando em 1.931 Marconi visitou o Brasil, quis conhecê-lo.

O Zeppelin, vindo a São Paulo, deu uma volta em torno do prédio mostrando aos seus passageiros o mais luxuoso e alto da América do Sul.

            A R.G.Dun, empresa de investigação, no seu quadro mantinha só agentes categorizados, responsáveis, apresentáveis, de cuja visão nada escapava.

            Como nem tudo eram só flores, a crise que começou em 1929 atingiu Martinelli levando-o a vender o imóvel em 1934, para uma empresa patrícia, financiada pelo governo italiano. Aconteceu a segunda guerra, e o Brasil tomou partido.
Aproveitando-se das leis de conflito entre nações, o governo brasileiro confiscou o edifício. A propriedade era do acervo italiano, país inimigo, aliado a Alemanha.

O escritor Oswald de Andrade chamava-o de: “O bolo da noiva”. Destacava-se entre todas as demais construções. A R.G.Dun e outros ocupantes, na década de 50, sentindo a degradação do prédio e abandono do governo, transferiram-se para outros endereços.  Os funcionários deixaram ali, um rastro de nostalgia embora depredado, lembranças do conhecido arranha céu de São Paulo.
             Tristemente, virou um enorme cortiço, coisa esperada no nosso negligenciado Brasil.

            Como soe acontecer, a degradação do prédio abriu passagem para a total invasão de bandidos, ladrões e campeou a mais desprezível prostituição e sujeira. Da construção invejável, nada mais funcionava. Abriu-se uma fenda propícia a abrigo de crimes de toda natureza.

 O mais sentido e comentado foi a morte no próprio prédio do menino Davison, encontrado no fundo do poço do elevador.

            Poá, o melhor detetive da G.Dun, sensibilizado assumiu a investigação. Por segurança não podia permanecer trabalhando a noite no prédio, evitando represálias.  Sua presença assustaria ainda mais os dopados moradores, já apavorados com a existência dos temíveis fantasmas. Flashes de câmera, nem pensar. Surgiam tantas almas penadas que lhes fora dado até nomes. O mais conhecido era o fantasmagórico Erik que quando descrito, para espanto do detetive Poá, tinham semelhanças. Poá se reservava, gostava de se postar atrás de uma das pilastras de mármore da Toscana. Com sua câmera Nikon 5100, acoplada a lente noturna, procurava gravar os zungus mais suspeitos. Havia horário da noite que nas escadas ou caminhando pelos corredores ele tinha que pular corpos, alguns em orgia, seminus. Os sóbrios, quando alguém gritava “fantassssmaaa”, na corrida se atropelavam, vestidos ou não.

            Naturalmente desde o início Poá anotava na sua agenda qualquer fato relevante, para desvendar o culpado do tão horrível crime. A morte de Davison era assunto que a imprensa não esquecia.

Numa das noites, atrevendo-se um pouco mais, enveredou por um tétrico corredor na esperança de encontrar alguma coisa que pudesse ajuda-lo na busca, até então frustrada. De iluminação, usava apenas seus fósforos. Não só iluminava, como também, o cheiro exalado do enxofre disfarçava a fedentina existente.

 No fim do corredor ao acender um, escapa-lhe a caixa e querendo pegá-la ainda no ar, tocou-lhe tirando-a do possível lugar da queda. No ímpeto agacha-se para apanhá-la, procurando encontra-la no tacto. Tenta. Apalpa aqui, apalpa ali, medroso no tocar em algo estranho.   

            Nesse momento, alguém lhe bate na cabeça. Sente aquele conhecido arrepio na espinha.

            Poá, mesmo com toda sua experiência entre crimes, é humano, assusta-se, fica estático, se encolhe. Posta-se na defesa, só meche levemente a cabeça e os olhos.
            — Flagra correndo um lençol branco em forma de gente, com capuz que escapulia pelo corredor. Foi o tempo de ver avoaçar esse pano, sentindo em seguida o mesmo sopro passar por ele. Um vento dos demônios, ondulado, um frio que o obrigou a cerrar os olhos, instante em que aquela quimera visão desaparece na escuridão. Respira fundo, tenta recompor-se. Olha para cima, o preto do forro mostrava-se infinito, via rabiscos, levanta-se.

                                                          Nessa hora, clareando-se, convenceu-se. Foi isso. Foi isso que levou o menino Davison cair no poço. Fugia de alma penada. Fugia do fantasma. Não foi jogado porque, reinava ali muita promiscuidade. Um estupro era divertimento. Em tamanha zona não cabia brutalidade desse porte com uma criança. Davidson era querido por todos.

            O detetive Poá, convencido do seu parecer, deixou o Martinelli. Levava consigo uma convicção e não uma derrota, mas um sentimento, um vazio. Não conhecia nenhum Batman que tenha preso fantasmas.

Usou seu prestígio, voltou à luta, agora movimentando políticos. Sensibilizou autoridades e convenceu o prefeito da cidade a tomar providências. Este, um dos bons, seu nome iniciava com a letra O. O de obsessão. O de Olavo. Desapropriou da União o prédio, e restaurou o que foi o primeiro símbolo de São Paulo, voltando a ser o Martinelli. O prédio construído em meio a muitas polêmicas, foram bravamente resolvidas pelo italiano Giuseppe. Uma delas:

 Sua construção abalou a estrutura de um pequeno prédio vizinho.
— E dai?


— Sem problemas, o italiano mandou compra-lo.





O congresso em Juazeiro - Fernando Braga

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O congresso em Juazeiro
Fernando Braga

       Esta é uma outra história que nos contou Zé Osvaldo, um médico amigo, bom coração, mas um gozador de primeira, que adora aprontar com os incautos.

Há alguns anos, fomos convidados para participar de uma reunião científica, o congresso nordestino da especialidade, no sertão pernambucano. A bela e progressista cidade está à beira do Rio São Francisco, tendo em frente, do outro lado do rio, a cidade de Petrolina, no sertão baiano. O congresso foi realizado em um magnífico hotel, no qual todos ficaram hospedados. Tudo decorria dentro do melhor ambiente, não somente científico, como social. Nos intervalos, íamos para um grande salão onde havia stands onde era feita exposição de materiais cirúrgicos, aparelhagem, livros da especialidade, enfim propaganda científica das firmas, que na realidade haviam patrocinado o congresso.

        Zé Osvaldo presente, era muito querido, amigo de todos e um dos convidados para dar algumas aulas nos assuntos que tinha mais experiência. Colegas de quase todos os estados do Brasil vieram prestigiar o evento e dentre eles, Happio, cirurgião gaúcho, um bom colega, mas como muitos já haviam notado, era um conquistador, que corria atrás de rabo de saia. Por isto,     dificilmente, convidava sua mulher para acompanha-lo. Aqueles que já o conheciam, sabiam que ele era como uma harpia, um falcão, uma águia que analisava tudo, sondava o ambiente,   vendo onde poderia pousar e aprisionar a sua vítima.

       No salão de exposição das firmas patrocinadoras, mulheres  faziam parte das firmas e  lá estavam para darem as devidas explicações, propagarem os seus produtos. Mas, em um determinado stand havia uma dessas garotas, que era chilena, diferente das demais, porque era simplesmente linda, simpática e corpo de chamar a atenção. Ninguém sabia se era casada ou comprometida, mas o fato é que todos adoravam irem visitar aquele stand. Ela era bem discreta e mantinha sua compostura, sabendo, é claro, que se desse alguma bola, ficaria em maus lençóis. Seu sorriso, sua simpatia, eram cativantes!

       Zé Osvaldo, durante uma das sessões científicas da tarde saiu um pouco para ir ao banheiro e ao  observou que neste stand, onde estava a linda representante, junto com outras colegas, estava em sua frente, conversando, jogando seu charme, precisamente quem? O Dr. Happio, a harpia. Observando bem, percebeu que ele não estava obtendo sucesso. Seria pelo fato de haverem outras pessoas?

       As sessões da tarde se encerraram e logo mais à noite haveria um jantar, com comemorações, discursos, prêmios, e até uma pequena orquestra para todos dançarem, alegrar bastante o ambiente de fim de congresso.

       Todos se retiraram para seus aposentos, para o banho, barba e vestirem-se adequadamente.

       Foi então que Zé Osvaldo, com certa maldade, planejou algo em sua cabeça. Foi até a portaria perguntar o número do quarto do Dr. Happio. Era no andar acima do seu. Pegou uma folha em branco e escreveu o seguinte:

       Simpático e afetuoso Dr. Happio.

       Realmente, usted  me impressionou deveras. Tienes uma bela charla, és listo, monito e pienso que podemos hacer uno programa mui particular despues  del  baile desta noche. Será maravillosa, se tu quieras. Bejos muchos. Silencio e muito segredo. Non hable com ninguma persona. Solo nos dos!  NHJ.

       Colocou a carta dobrada por baixo da porta do quarto de Happio, tocou a campainha e saiu em disparada, procurando pela escada.

       A noite estava linda e a temperatura excelente. A festa foi ao ar livre e a lua já despontava no céu. Zé Osvaldo pegou uma mesa com outros três amigos, a uns 15 metros de onde já estava sentada a garota em questão, que já tinha a seu lado um médico, certamente também interessado na boneca e ainda, duas outras colegas.

       Zé Osvaldo contou tudo a seus amigos e todos ficaram ansiosamente esperando pela chegada do   garanhão, para ver o comportamento.

       O que estaria passando pela cabeça de Happio? Devia estar a mil! Esperando pela melhor noite de sua vida. Noite não, Noche. Nem ele próprio, acreditava que podia ser tão charmoso, irresistível para ter conseguido seu intuito. Nesta altura, muita gente de olho nele. Diziam:

      — Safado, por isso nunca traz sua mulher.

       Eis que chega o Dr Happio, todo empinadinho, cheiroso, barba feira, com camisa azul e logo vendo a sua prenda, foi sentar-se na mesma mesa, mas ao lado de suas colegas. O outro médico não desgrudava de Nenli, o nome desta preciosidade.

       Na mesa de oito lugares, logo vagou um lugar do lado direto de Nenli e Happio  vapt- vupt. Todos aqueles que sabiam do caso estavam para ver o que ia acontecer.

       Logo após sentar-se ao lado, procurou chamar sua atenção passando a mão por seu braço. Ela virou-se e dirigiu algumas palavras a ele. Após alguns  instante, os dois médicos, um de cada lado, queriam a atenção de Nenli, que se viu no meio de um fogo cruzado. A torcida dos observadores era grande e torciam para Happio se ferrar. Devia ele pensar:

       “Ela vai ser minha, já se declarou. Tenho que esperar apenas ela dar o fora neste neguinho do lado.”

      Quando mais uma vez passava sua mão pelo braço da garota, o rapaz tirou-a para dançar.  Saíram, deixando Happio desesperado, que se levantou e foi à procura de uma bebida.

       Zé Osvaldo vendo ele se levantar, pediu licença aos colegas e foi em direção.
       — Oi, grande Happio, gostando do congresso? Da festa? Vamos tomar um uísque.

       —Vamos, mas tenho que voltar logo para a mesa, estou tratando de um assunto sério com o Mario Sergio, o colega que saíra para dançar com Nenli.  Não falou qual era o assunto e saiu.

       De longe todos observavam e morriam de rir, inclusive algumas mulheres de colegas que já tinham tido conhecimento da brincadeira.

       Happio voltou para a mesa e ficou aguardando a volta dos dois, que dançaram mais de cinco músicas. Quando se sentaram, Nenli pediu um suco e dizia-se cansada. Happio não tirava os olhos dela, pois queria era captar uma mensagem. Afinal, ela o havia procurado e se oferecido.

       Ela conversava muito mais com Mario Sergio. Aproximou sua perna esquerda da bela coxa de Nenli, a qual percebendo certa má intenção, retirou-a delicadamente. Nesta altura Happio não aguentava mais e não conseguia entender. Parou com a conversa dos dois e pediu a ela que fossem dançar. Muito delicada, ela levantou-se e dirigiu-se ao meio do salão.

       Ele já a abraçou fortemente e colocou seu rosto no dela. Delicadamente, afastou seu rosto e disse algumas palavras a ele como:

       —Vamos devagar!

        Ele, entorpecido entendia que ela não podia naquele momento demonstrar afeição, pois havia muita gente. Todos continuavam acompanhando de longe.

       Certo momento, Happio a conduziu para um local mais distante da pista, agarrou-a e tacou-lhe um beijo na boca. Ela meteu-lhe um bofetão na cara e disse:

      —Seu cretino, quem você pensa que sou? Só porque você é médico, pensa que pode fazer o que quer?

       Happio ficou desconcertado, parado, boquiaberto, enquanto ela se afastava. Ficou ridículo   para ele, quando percebeu que todos haviam parado de dançar e olhavam em sua direção!

       Uma senhora, também gaúcha disse: — Vou contar para sua mulher, seu safado. Para aquela santa, que você sempre deixa em casa.

       O caso correu de boca em boca. Aos poucos ficaram sabendo que fora Zé Osvaldo que preparara o embuste. Happio nunca mais falou com Zé Osvaldo, mas consta que logo após um tempo, lá estava ele sozinho nos congressos, pronto para dar o seu bote. Não tem cura!!


Logo vocês ouvirão outras do Zé Osvaldo....