Ouro é Ouro
José Vicente J de Camargo
Tonho, como de costume, lê seu jornal do dia durante o café da
manhã. Interrompe a leitura e mira Tania sua esposa, sentada ao seu lado,
arrumando a lancheira escolar do filho Julinho que vai para a escola, e diz:
− Este artigo de avaliação final da Olimpíada Rio 2016 está muito
bom. O Brasil não ficou entre os primeiros países, mas fez bonito. O mundo todo
elogia a organização, a alegria contagiante, a beleza da cidade. O número de
medalhas conquistadas pelo Brasil poderia ser bem maior. Quantas Rafaelas do
judô, Caetanos do boxe, Tiagos da natação, Artur Zanetis das argolas, Isequias
do remo, não existem nas periferias das cidades por esse país afora? Quantas
medalhas estão sendo desperdiçadas por pura negligência dos governantes que só
pensam em encher os bolsos e os cofres dos partidos políticos? Em vez de
construírem nos bairros os tais “Postos de Polícia Pacificadora”, com policiais
sem treinamento adequado e com armamentos inferiores aos dos bandidos, deveriam
sim, com esse dinheiro, aumentarem a quantidade de ginásios esportivos,
contratarem técnicos competentes, fornecerem equipamentos e alimentação à
altura. Como diz o ditado: “uma criança ocupada no esporte, é uma a menos na
rua, a disposição dos bandidos e das drogas”. Em pouco tempo teríamos o
problema da violência resolvido e muito mais medalhas olímpicas no peito...
Pensando nisso, vou colocar o Julinho numa dessas instituições que
incentivam a pratica do esporte. Pelo porte franzino dele: basquete, vôlei,
box, judô, estão fora de cogitação. Futebol ele gosta, mas vai precisar ganhar
muitas calorias...Talvez natação, esgrima ou alguma modalidade de atletismo
como salto em altura, salto triplo ou corrida, nos quais o atleta tem de ser
mais magro. Mas a própria instituição faz a avaliação qual tipo de esporte é o
mais adequado para o físico da criança. O importante é o Julinho gostar do tipo
de atividade que indicarem e ter a força de vontade necessária, pois, os
treinamentos são intensivos e não existem férias nem fins de semana na casa dos
amigos. A regra é dormir cedo e acordar mais cedo ainda, sem choro...
Ao contar a Julinho, recém-chegado à mesa do café, sua intensão de
colocá-lo numa academia de esportes, ele não esboça nenhuma reação. Tonho
insiste:
− Você não acha legal a ideia? Não gostaria de ter um corpo forte,
bem moldado, esbanjar saúde? Talvez um dia participar de uma olimpíada, ganhar
uma medalha, quem sabe a de ouro? Ter o nome nos jornais, ser entrevistado,
aparecer na televisão? Ter um monte de garotas pedindo seu autógrafo, selfies?
− Pai, - responde Julinho meio vacilando - não sei se uma academia
tem o que gostaria de fazer.
− E o que é que você gostaria? Essas academias avaliam a melhor
modalidade esportiva para o perfil da pessoa. Mas lógico que tudo pode ser
adaptado através de exercícios apropriados. Vários atletas iniciam num tipo de
esporte que não se adaptam, mas são vitoriosos em outros.
− Eu gostaria de ser bailarino!
Tonho titubeia com o inesperado da resposta. Por essa não
esperava. Num segundo, um turbilhão de pensamentos lhe invade a mente. Como me
posicionar nessa situação? O que vou responder? Olha Tania a procura de uma
saída, mas a mulher desvia o olhar como a dizer: “Você começou, agora termina!”. E ele que sempre prezou a liberdade de
pensamento, do livre arbítrio, das vantagens da democracia...Numa tentativa de
consertar o desapontamento, retruca:
− Já sei, você gostaria de fazer ginástica artística! O Brasil tem
grande potencial nesse esporte. Bons técnicos, um futuro promissor. Na Rio 2016
ganhamos várias medalhas nesse esporte.
− Não! - Completa Julinho - Quero fazer o balé clássico. Ser o
Romeu da Julieta ou o príncipe que vira sapo no Lago dos Cisnes. Quero ganhar
uma bolsa de estudos do balé Bolshoi que tem uma filial em Joinville e depois
ir ao Bolshoi de Moscou. E quando ganhar a sapatilha de ouro como melhor
bailarino do mundo, vou lhe dar de presente por tudo que fez por mim.
Tonho sente um aperto no peito. Não pode ir contra os princípios
que sempre defendeu de respeito à vontade das pessoas, de não ser obrigado a
fazer o que não quer... E isso não valeria para seu próprio filho? Não tinha o
que contestar! E responde:
− Quando este dia chegar, vai ser o mais feliz da minha vida... E
lhe dá um abraço carinhoso. Amanhã mesmo vou pesquisar na internet sobre a
bolsa do Bolshoi e, se as vagas já estiverem esgotadas, vou matriculá-lo numa
escola de balé particular. Mira a Tania que agora mantém seu olhar fixo no
dele, como a dizer: “Nessa parada, conte comigo!”, e se recorda de uma frase
que leu numa crônica recente:
“A realidade tem muitas fantasias - e completa de si mesmo - não a deixarei morrer...”
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