Mensagem do evangelho - Ises de Almeida Abrahamsohn

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Mensagem do evangelho
Ises de Almeida Abrahamsohn

Tereza era absolutamente dependente do telefone celular e principalmente do Whatsapp. Pertencia a grupos de conversas e discussões os mais variados: desde associação do bairro e da igreja até outros sobre raças de cães e gatos, passando pelas amigas da ioga e do curso de culinária vegetariana. Era incapaz de se desligar do aparelho. Deixar de atender a um chamado, impensável! Morria de medo de ser deixada ignorante dos acontecidos ou de conversas importantíssimas e, em consequência, ser relegada ao grupo que ela denominara de “as periféricas”. Para Tereza, eram aquelas pessoas que pouco importavam, seja pelas opiniões destoantes ou por não acompanhar as últimas fofocas do grupo. O marido e as filhas já haviam sugerido que se tratasse da dependência. Afinal, existiam agora grupos de terapia para viciados em celular, tais como aqueles destinados a ajudar os viciados em drogas ou álcool. A “tele-viciada”, como as filhas a chamavam, achava-se normalíssima e atendia a todos as ligações  onde quer que fosse importunando todos os circunstantes, interrompendo conversas e perturbando palestras ou consultas. Até no cinema não consegui se desplugar, ignorando a irritação dos demais espectadores para vergonha de quem a acompanhava.

Tereza, além de católica praticante, dedicava-se às várias atividades beneficentes da igreja do bairro e era apreciada e repeitada. Muito amiga do padre Inácio, pároco da igreja de Santa Terezinha, coordenava os grupos de mães e aulas de catecismo. Porém, o vício da devota senhora perturbava até o calmo padre Inácio. Quando o marido de Tereza o procurou para pedir ajuda de modo a convencê-la a se tratar, o sacerdote sugeriu que lhe falaria no domingo seguinte após a missa.

De fato, neste dia lá estavam na igreja, Tereza e o inseparável celular, acompanhada do marido e filhas. Padre Inácio rezava as primeiras preces do ofertório quando se ouviu o sonoro toque do tal aparelho.

Alô, respondeu Tereza.

Sim, claro Glorinha, sei que é urgente, estou na missa. Sim, iremos hoje à tarde... Pode deixar levarei o bolo...

De um raio de dez ou mais metros, olhares irritados e chamados vários: “Psiu! Desliga isso! Não se tem paz nem para rezar!”. - choveram sobre  tele-viciada, para vergonha da família. As filhas aflitas tentavam em vão alcançar o aparelho para desligá-lo mas a dona inabalável se esquivava e continuava a falar. Por fim desligou como se nada tivesse ocorrido.

Minutos adiante com os fiéis ajoelhados o padre rezava “Santo, santo, santo é o senhor Deus dos exércitos...” Ouviu-se de novo o mesmo tilintar irritante e a voz de Tereza ao fundo.

Senhor! -  orou mentalmente padre Inácio - ajudai-me, a me manter calmo. Se sois o Deus dos exércitos, fazei com que se cale este invento demoníaco. Ops! Perdão, Senhor... Não deveria citar o inimigo. É claro que o aparelho foi inventado por aqueles que são à vossa imagem e semelhança.”.

Nesta altura, o sacerdote estava já abalado e com dificuldade conseguiu chegar até o evangelho.

Senhor, o que farei a seguir não é caridoso, mas é para o bem de vossa devota filha e por todos nós que com ela temos que conviver.

O evangelho de hoje é um trecho do apocalipse de São João. Levantem-se todos para ouvir a palavra de Deus:

— ”E então ao final dos tempos serão alertados todos os povos do mundo para a chegada do juízo final. Soarão as trombetas e a palavra de Deus será ouvida por aqueles que terão os ouvidos atentos ao silêncio e o coração pacificado. Estes serão salvos das eternas chamas”.

Continuando, o habitualmente suave padre Inácio levantou a voz e improvisou na homilia:

— Meus caros irmãos, vejamos o recado que São João nos deu. Apenas os que tiverem os ouvidos atentos, serão salvos... Isto quer dizer, serão poupados aqueles que não se deixarem distrair por celulares ou outros instrumentos que obliteram os ouvidos a ponto de interferir com o louvor ao Senhor e a santa missa...

Dizendo isso, o sacerdote dirigiu o olhar para onde estava Tereza. Todos os olhares convergiram em sua direção. Morta de vergonha, só pensava em sumir dali. Padre Inácio continuou o sermão sem outras alusões à telefonia celular. Tereza aguentou firme e se retirou discretamente após a comunhão.


Na semana seguinte procurou um grupo de terapia para se livrar do vício.

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