A casinha de caboclo.
Fernando
Braga
Quando eu era pequenino, adorava ir
passar alguns fins de semana na fazenda de meu avô. Levantava cedo, me
deliciava com a gemada de dois ovos caipiras, batida caprichosamente por minha avó, tomava o copo de leite tirado na hora, um pedaço
pão feito em casa, e saía montando um
dos cavalos, o Sereno ou o Leviano. Sem destino cavalgava pelos campos, pelas
estradinhas quase desertas, que ligavam os dois ou três vilarejos próximos.
Não
me esqueço, mesmo decorridos setenta anos, que na curva de uma destas
estradinhas, podia-se ver uma casinha de pau-a-pique, com teto de sapé, um
pequeno alpendre, um poço com sarilho, um banco tosco na frente da casa, onde várias
vezes vi, um rapaz ou sua mulher sentados. Quando parava o cavalo e olhava, eles,
gritavam para eu descer e comer um pedacinho de bolo. Algumas vezes aceitei.
Ele era o Zé Gazela e ela, sua mulher a Rosinha, muito simpáticos, falavam
acaipirado. Quando eu sentava junto, ele pegava a viola e cantava algumas músicas
e ela, às vezes, o acompanhava. Parecia um casal feliz, ainda sem filhos.
Eu,
um meninote, achava a Rosinha bonita, faceira, meiga, cabelos soltos, com os pezinhos
no chão e sempre um sorriso nos lábios, mostrando dentes alvos. Zé gazela
trabalhava na vila, todo dia saia cedo e voltava quando estava escurecendo, pronto
para comer a comidinha bem preparada de sua mulher.
Os anos correram, vim estudar em São
Paulo, mas nas férias, sempre voltava à fazenda de meu avô.
Mais
velho, agora um rapazola, continuava a andar a cavalo, percorrer os mesmos
locais antigos. Um dia resolvi passar na frente da casinha do Zé Gazela e por
surpresa notei que ela estava abandonada, em ruínas e na frente duas cruzes
entrelaçadas. Estranhei muito e ao mesmo tempo tive uma sensação estranha, como
se sentisse falta de algo em minha vida. Quando cheguei à fazenda encontrei o Patrício,
empregado antigo, que pegava os cavalos no pasto e os arreava para mim.
— Patrício, o que aconteceu com a casa
de pau-a-pique do Zé Gazela? - perguntei. - Vi também duas cruzes na frente!
— Ah! Foi muito triste! Não é bom nem de lembrá. O Zé Gazela, que era
o maió dos cantadô, tocava sua viola e cantava num barzinho da vila. O pessoá
diz que um dia, volto antes pra casa e lá encontrou Rosinha, muito aflita e
tava lá
Mané Sinhô. Tavam enganando o
coitado do Zé Gazela. Num acesso de fúria e ciúme, arranco o seu punhar da
bainha e antes que pudesse haver uma reação, cravou no peito do Mané Sinhô. Rosinha
correu, mas foi arcançada e sem quarqué perdão, mato ela também. Fugiu sem
deixa rastro. Isso já faz um ano e nunca ninguém mais viu ele. O povão enterrou
os dois ali mesmo.
— Você sabe né: — Numa casa de caboclo
um é poco, dois é bão, três é dimais.
Cheguei a pensar naquela época: “Quando moço, quero namorar uma belezinha
como ela! Nunca supus que o Zé Gazela fosse tão bravo!”.
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