LUTE COMO UMA MULHER - Oswaldo U. Lopes


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LUTE COMO UMA MULHER
Oswaldo U. Lopes

            Letícia era aparentemente uma mulher comum. Dessas que cria três filhos, toca uma casa, limpa e arrumada, ela e a casa, bem se vê, cuida da horta e vai à feira. Consegue também conversar na cerca com a vizinha.

            E sobra tempo? Sobra, aliás tempo é o que não falta, ela vive na Idade Média Tardia, a urbanização já é visível, mas não há televisão nem rádio, nem máquinas complexas e a pouca energia vem das quedas de água e do braço humano.

            Letícia é uma mulher diferente? É. Filha única seu pai é um comerciante destacado que já chefiou o burgo numa função que hoje chamaríamos de prefeito. A família tinha projeção no povoado.

            O ajuntamento ficava nas encostas da edificação fortificada onde o senhor feudal vivia e cobrava sua taxa pela proteção que dava aos aldeões. A convivência era pacifica, embora desprovido de armas e cavalos de guerra, os habitantes do burgo já eram em número apreciável e o comercio que praticavam era de vulto.

Os do castelo e os do povo misturavam-se com frequência, sobretudo no verão, quando as feiras eram realizadas ao ar livre e a algazarra notável.

Letícia era conhecida dos soldados não só pelo prestigio do pai, mas pelo seu jeito atrevido e aguerrido. Aprendera o manejo da espada e a condução dos cavalos. Era até uma espécie de referência para os meninos que começavam a mexer em armas e objetos de combate.

É bobagem imaginar que só no nosso tempo tem mulher que mastiga cana e toca flauta ao mesmo tempo. Pode-se questionar a frequência, não a sua existência.

E então houve um dia em que ausente o senhor feudal com seus soldados e cavaleiros, restando apenas uma pequena guarnição, os bandoleiros renegados, cerca de trinta, resolveram atacar o povoado ameaçando o castelo.

A defesa do povoado era deficiente pelas armas e ausência de cavalos de guerra, instrumentos agrícolas do tipo forçados, algumas lanças  e cachorros era tudo que havia. Organizaram-se, mas a horda veio crescendo e destruindo tudo ao redor. A guarnição da praça forte, amedrontada queria fechar a ponte levadiça, e dane-se o povo de baixo.

Letícia não deixou. Do alto das torres era possível alvejar os agressores e pelo menos dar-lhes preocupação e dúvidas sobre como continuar o ataque.

A jovem donzela arrebatou cinco guardas bem montados e a cavalo, saiu do castelo pela porta escondida, e atacou-os por trás. Flechas de cima combinado com ataque na retaguarda e aldeões e cachorros pelos lados deu no chamado pânico. Com a metade já morta, a malta mudou de ideia e retirou-se.

E foi assim que naquele povoado meio esquecido quando falavam “lute como uma mulher”, queriam dizer cuide das crianças, da casa e dos bandidos que possam nos ameaçar. Letícia não ganhou estátua, melhor, mereceu gravação a ferro nos pilares do castelo:


“AQUI LETICIA LUTOU COMO UMA MULHER”.

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