Terror no Pau-a-Pique
José
Vicente J de Camargo
Após
várias horas de caminhada na trilha de mata fechada, com mochila pesando nas
costas, atenção voltada para espinhos traiçoeiros, para cobras e aranhas que poderiam surgir de qualquer lugar chegamos
a um rio. Sem querer saber da existência de piranhas, jacarés ou qualquer outro
perigo, já que estávamos na Amazônia, mergulhamos nas águas escuras e correntosas
do rio. O banho foi refrescante. Voltamos a ser seres racionais e notamos
vestígios de humanos espalhados na margem. Pedaços de sabão, trapos de roupas,
cacos de tigelas de barro: Índios? Caiçaras? Garimpeiros? Reiniciamos a
caminhada e logo adiante, deparamos com um casebre de pau-a-pique. Do puxadinho
saía uma fumaça cinzenta, o que para nós indicava comida no fogo. Isto nos despertou
o apetite, adormecido desde o amanhecer, quando o “pau de
arara” em que viajávamos quebrou sem chances de reparo no local e nos vimos
obrigados a caminhar, por uma picada para encurtar o caminho, até a cidade mais
próxima onde encontraríamos outra condução para dar continuidade a nossa viagem
exploratória das belezas do Brasil.
Os
vira-latas do casebre foram os primeiros a avisarem da nossa chegada. As
galinhas, ciscando no terreiro, reuniram os pintinhos e desapareceram na mata. Os
gatos sonolentos nas beiradas do telhado, se esconderam da nossa vista. Uma penca
de crianças seminuas aparece na soleira da porta assustadas e dão passagem à
uma mulher desnutrida de olhar arregalado pela visão de assombração inesperada.
Explicamos o ocorrido e perguntamos da possibilidade de pagamos por um prato de
comida e uma rede pra passar a noite. A mulher, nos vendo desarmados, com jeitão
de foto de revista, e na tentação do dinheirinho extra, nos acena positivamente.
Nos mostra duas redes infantis e a mesa bamba do puxadinho ao lado da brasa
acesa com a panela de ferro. Sentamos, e minutos mais tarde, nos traz um prato
com uma porção de arroz daqueles bem quebradinho, meio com casca, tendo encima
um ovinho frito de galinha caipira tão minguado quanto as botadeiras de donde
saíram. Mas a fome era tanta, que o elegemos como o melhor que já havíamos
comido. A noite mal entrou e desmaiamos nas pequenas redes com as pernas pra
fora pela falta de espaço.
Mas, a exaustão da caminhada era mais forte que a comodidade
e o sono me embalou até a madrugada, quando fui acordado por um ruído que me
pareceu ser de algum animal. Meus pensamentos levaram um tempo pra se
sincronizarem, dado ao ambiente totalmente estranho em que me encontrava. A
escuridão era total. O ruído viria de dentro ou de fora, através das paredes de
pau-a-pique? A certeza me chegou quando além do ruído, senti o calor do bafo.
Tapei com as mãos o grito iminente. Cobri
com os braços o rosto e as orelhas e chutei as pernas com força, na tentativa
de espantar o que por ali estivesse.
Então
a ficha caiu! Sim! Só podia ser um daqueles porcos que vira rosnando pelo
terreiro. A porta do casebre não tinha condições de oferecer resistência ao
mínimo esforço de entrar. Seria uma cruza com porco do mato? Javali? Seria
bravo? Faminto com certeza. Minhas
orelhas salientes deveriam lhe ser apetitosas...
E
assim, vigilante no rosnar e no bafo do bicho, passei uma noite de horror. O
cansaço me trazia o sono de volta, mas a visão das minhas orelhas e do meu
nariz sendo devorados, me sacudia novamente. Nesse vai e vem de horror, cantou
o galo, clareou o dia, pulei da rede, e mais que depressa me pus, com o amigo
aventureiro, a caminho do nosso destino.
Desse
pesadelo, sempre me lembro, toda vez que como a brasileiríssima feijoada, logo
avisando:
“Para mim, sem orelha, por favor...”
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