O SERMÃO DA
SEXAGÉSIMA EM SERTÃOZINHO
Oswaldo
U. Lopes
Monsenhor
Penido achava várias coisas, infelizmente nenhuma delas tinha a ver com a
realidade. Achava que o povo de Sertãozinho sabia notoriamente o que era o
Domingo da Sexagésima, achava que era a própria reencarnação do Padre Vieira,
achava que estava em Lisboa nos gloriosos anos de 1500 e tantos. Os fatos
discordavam dele.
Vamos
a eles. Passada a euforia do Natal estava todo mundo esperando o Carnaval para
depois o país andar. Há muito custo e muita beatice das senhoras mais velhas,
sabiam o que era quaresma que vinha
depois do Reinado de Momo e ia até a Páscoa. Agora, aqueles domingos que ficavam exprimidos entre
a festa de Reis e o Intrudo carnavalesco eram domingos de missa que acabavam na
segunda de preguiça.
O
pobre Monsenhor até explicara que quaresma se referia a quarenta, pois a partir
da quarta-feira de cinzas iam se passar quarenta dias até a Páascoa ou a Festa
Maior da Ressurreição. Ali tinha gente absolutamente certa de que quaresma tinha
esse nome por causa da quarta...- feira. Nem adiantava explicar que havia
Quaresma mesmo nos países aonde a quarta-feira era chamada de Dia de Mercúrio.
Partindo dai pode-se avaliar o martírio de explicar Domingo da Quinquagésima e
da Sexagésima quando a distância entre os domingos era de sete dias e os
números apontavam para múltiplos de dez. Ai o berreiro começava pelas crianças
do fundamental que ensaiavam os primeiros passos na tabuada. Nessas horas
apesar de muito conservador Monsenhor
Penido agradecia aos céus que a Igreja Católica tinha acabado com a septuagésima.
Um problema a menos para ele e um a mais para os anglicanos.
Quando
ainda mais jovem até tentara explicar como tinham lhe ensinado no seminário:
“A
Septuagésima principia sempre na nona semana antes da Páscoa e compreende os três
domingos denominados: Septuagésima, Sexagésima e Quinquagésima. A designação
derivante do sistema de numeração em uso, marca a série das dezenas sobre que
recaem estes Domingos. Com efeito, se dividirmos as nove semanas que precedem a
Páscoa em séries de dez dias, poderemos constatar que o 1º dos 9 Domingos cai
na sétima dezena, o 2º na 6ª e o 3º na 5ª ”.
Embora
jovem na ocasião, o então Padre Penido teve um surto de bom senso e percebeu
que estava falando grego ou latim ou qualquer outra língua estranha, ou era
recém-chegado de Marte, longe da compreensão das ovelhas que lhe tinham sido
confiadas. Nunca mais tocou no
assunto e contentava-se em falar dos domingos de janeiro e fevereiro que
antecediam a quaresma. Achava um despautério falar em Carnaval no meio do
enunciado litúrgico, mas apesar dele não falar todo muno entendia e sabia que
era o tempo de esperar a festa libertina para depois pedir perdão e se cobrir
de cinzas.
Mas,
o sermão da Sexagésima era com ele. Inspirado pelo Padre Vieira e tendo nas mãos o trecho do Evangelho de São
Lucas que falava da parábola do semeador e das explicações que Jesus deu a seus
discípulos a respeito dela, Monsenhor deitava falação e das mais cumpridas,
haja paciência.
Dom
Penido dirigiu-se ao púlpito e fitando a multidão ia dar inicio ao sermão,
quando no silêncio ouviu-se o distinto e poderoso som da campainha de um
telefone celular.
No
seu canto, Joaquim o conhecido e rico advogado que além da banca tinha muita
terra no pedaço, observava curioso. De meia idade, não fosse conhecido
mulherengo, solteiro até os 50 já estaria na boca do povo. Cínico a mais valer
costuma vir exatamente para ouvir a sempre velha-nova versão do Sermão da
Sexagésima. No silêncio majestoso do templo, de uma acústica impecável ouviu-se
claramente:
—
O que ouve dessa vez Gertrudes?
De
meia idade para mais pensou Joaquim. Não tem WhatsApp.
—
Gertrudes o frango está no freezer!
O
silêncio no templo era arrasador, Dom Penido queria invocar a fúria de Jesus no
templo para escorraçar a proprietária do maldito celular, mas conteve-se.
Aquilo iria acabar logo.
Não
foi, no entanto o que aconteceu. Gertrudes deve ter ido ao freezer e voltado.
—
Você olhou as bracholas lá também? Separa o macarrão e prepare o molho.
Numa
cidade em que mais da metade da população descendia de italianos vindos no
ciclo do café, pensou Joaquim que por sinal era Campos Novais, macarrão com
bracholas e frango assado no domingo era mais certo quem o sermão do Monsenhor.
Dona
Ismênia, a dona do celular, continuava impávida a organizar o sagrado almoço de
domingo sem se aperceber do que estava acontecendo. Quando estava discutindo a
sobremesa deu-se conta do silêncio a sua volta e rapidamente enfiou o maldito
aparelho na bolsa e, pôs-se a orar com
devoção e sofreguidão.
Tendo
recuperado o necessário silêncio Dom Penido iniciou seu famoso sermão da
Sexagésima:
—
Saiu o semeador a semear e jogava seus celulares...
Joaquim
percebeu no ato, outros demoraram um pouco, mas a onda de riso avultou e tomou
o templo. Atordoado, Monsenhor viu-se perdido e sem capacidade de ordenar o
pensamento, desceu as escadas do púlpito e reiniciou a missa, sem consumar seu
famoso sermão.
Lá
fora, onde se refugiara para poder rir a vontade Joaquim comemorava o mais
espetacular sermão da Sexagésima que jamais se ouvira em Sertãozinho e
certamente o mais curto da história.
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