DANDO A VOLTA POR CIMA - Carlos Cedano




DANDO A VOLTA POR CIMA
Carlos Cedano

O que você me conta Anton é um assunto delicado meu querido amigo, é uma situação com a qual todos nos defrontamos alguma vez na vida, e outros se defrontam com ela a vida toda. Evitar ou lidar com ela exige um aprendizado que implica em desenvolver uma atitude firme e serena para evitar a armadilha.

— Você viveu essa experiência né Francisco?

— Sim - respondeu Francisco - Na primeira vez não tinha experiência para este tipo de situação ruim, antes de dar uma resposta conversei com minha mulher e ponderamos a situação. Ela me disse, “se você aceita o que te pediram ficará vulnerável e sem força moral para reagir em outra ocasião”.

— Olha Francisco, somos bem jovens e não temos filhos, você pode educada e firmemente dizer pra teu chefe que não aceita a proposta dele. Vamos precisar de um tempo para procurar outro emprego, já que se você continua após sua negativa, pode esperar ou retaliação ou postergação profissional. Temos sorte de estar numa situação que nos permite tomar essa atitude. Laura era uma mulher de bom senso. Ele admirava essa qualidade nela.

— E depois? - Perguntou Anton para Francisco, com certa ansiedade.

— Saí do emprego e acho que aprendi aos poucos a lidar com situações semelhantes, adotei posturas serenas e firmes de modo a não criar espaços de intimidade ou de excessiva modéstia -  foi a resposta de Francisco.
— Pois é - disse Anton - sua situação é diferente da minha. Minha esposa, Sonia, espera um filho e não gostaria de perturbá-la com uma notícia dessas. Além disso, na minha área uma pessoa de 39 anos já tem dificuldade de emprego, demitir-me não deixa de ser uma decisão de alto risco.

— Mas, conta um pouco mais sobre tua situação Anton - pediu Francisco.

— Tudo começou três messes atrás quando meu chefe me pediu um parecer sobre um orçamento recebido de um fabricante. Minha tarefa como economista consistia em avaliar os preços solicitados pelos produtos a serem adquiridos. Durante a análise do orçamento fui percebendo que os preços faturados estavam muito altos, bem acima dos preços de mercado atacadista e, incluso, acima dos preços do mercado varejista. Enviei formalmente o relatório de meu parecer, devidamente assinado, sem falar previamente com o chefe. Acho que cometi um erro - disse para Francisco - No dia seguinte a secretária do chefe me disse “o Doutor Renato deseja falar urgente com você Anton”. Cheguei à sala do Doutor Renato mais rápido que imediatamente, parecia que estava atendendo o chamado de um general.  

— Sente-se, por favor - pediu o doutor com um sorriso que sugeria uma intimidade que, a rigor, não existia - Seu relatório está muito bom, tecnicamente diria que perfeito. Entretanto, discordo de suas observações quanto aos preços. O fornecedor é um grande amigo da empresa e muitas vezes nos tem ajudado, particularmente em fase duras de mercado e agora é nossa vez de ajudá-lo, além disso, pelo que nossos amigos do setor informam devemos esperar uma alta substancial dos preços e precisamos garantir nossos estoques. Outra coisa Anton, a análise dos preços está muito detalhada, você poderia sintetizar o relatório agregando os preços em categorias mais gerais, facilitaria a leitura da Diretoria.
— Sim senhor - disse Anton.

— Faça isso e rápido, pois já perdemos um bom tempo com os detalhes. Será que amanhã cedo terei o relatório conforme conversado?

— Sim Doutor - respondeu Anton e foi refazer o relatório o qual levaria, com certeza, a noite inteira. De madrugada Anton finalizou seu trabalho com as informações do fornecedor sem questioná-las. O novo relatório também devidamente assinado. Pela manhã estava entregando o relatório à secretária. Nunca teve resposta do Diretor.

Francisco disse para Anton:

— Você não cometeu erro ao enviar o primeiro relatório sem consultá-lo. Você como profissional sabe que o único responsável pelo conteúdo do relatório é você. O problema é que o novo relatório contém informação irreal,  e caso alguém da Diretoria questione os preços teu chefe pode fingir de bravo na reunião e dar as justificativas na moda tais como: fui traído, não estava sabendo, não fui corretamente informado etc. Você pode até ser demitido. Lembre “a corda sempre arrebenta pelo lado mais fraco”.  Sugiro guardar copia dos dois relatórios nunca se sabe o que pode acontecer.

Após essa conversa Francisco se separou de Anton, a decisão a ser tomada correspondia exclusivamente ao próprio Anton.

Passaram-se quase seis anos. Um dia Francisco estava no centro da cidade passeando com sua mulher Laura quando de repente escutou uma voz chamando-o. Era Anton, sua esposa e um lindo menino de uns cinco anos. Chamou a atenção de Francisco a alegria e descontração de Anton. Era um rosto com outra vida. Após as apresentações das respectivas esposas.

Anton e Francisco, após das generalidades do reencontro, conversaram sobre como tinha sido a vida de Anton.

— Pois é Francisco -disse Anton - conversei com um psicólogo e iniciamos uma terapia de casal. Durante um bom tempo conversamos sobre o relacionamento entre eu e Sonia. Pouco depois, o psicólogo centrou suas conversas comigo e quis saber sobre minha infância enfatizando os primeiros anos de minha adolescência.

Minha adolescência foi uma fase de muito sofrimento e angustia;  minha postura passiva que não reagia às agressões e provocações, foi um elemento que contribuiu a consolidar minha incapacidade pra responder às crueldades de meus colegas. Era um medo enorme, ficava como um débil mental. Temia conhecer a violência de minha reação e as consequências sobre minha pessoa. Ir à escola todos os dias era reiterar o  medo de todos os dias. Em casa não tinha apoio de meu pai que se limitava a me dizer que tinha que aguentar como um homem. Você foi vitima do que hoje se conhece como “bullyng” disse o psicólogo. É um quadro de abusos agressivos que podem causar comportamentos patológicos profundos completou o psicólogo. Â medida que passava o tempo percebia mudanças em mim. Um dia meu filho disse-me, pai você esta sorrindo cada vez mais. Já não está com essa cara de poucos amigos. Que bom pai! gosto muito de você assim. Sonia com um bonito sorriso mostrava que concordava com seu filhote.

Nenhum comentário:

Postar um comentário