Atrás da porta
Suzana da Cunha Lima
— Artur, acorda! Estou ouvindo um barulho esquisito lá embaixo.
O marido rosnou alguns sons e
virou-se para o lado para continuar dormindo.
— Artur, acorda homem!
Deve ser alguém entrando por aquele basculante solto que você colou com fita
adesiva.
— Como é mulher? Pelo basculante? – Artur sentou-se a cama
esfregando os olhos e tentando raciocinar às três da manhã, ainda digerindo o
teor alcoólico da véspera.
Foi quando ouviram um barulho
forte, como se o basculante tivesse caído no chão.
- Artur faz alguma coisa homem. O
basculante caiu, agora vai entrar alguém pelo buraco.
— Ali não dá para passar um homem, Júlia. Não se preocupe.
— Pois passa uma criança. É assim que estes ladrões estão
agindo. Vai lá, pega o taco de beisebol que você arranjou para estas
emergências.
— Você está doida, mulher? E se for ladrão mesmo, o que eu faço
com o taco?
— Taca na cabeça dele.
Se for criança também, não tenha piedade, porque estes adolescentes
franzinos não parecem ter a idade que tem.
Anda homem!. Quem entrou deve
estar inventariando o que temos na sala e daqui a pouco sobe para cá.
— E o que nós temos de tanto valor na sala? Não vai me dizer
que a esta hora da madrugada o ladrãozinho vai carregar uma televisão de 42
polegadas... Olhe, vamos ficar aqui bem quietos e só vamos agir se ele subir as
escadas. Lá embaixo não tem nada de
valor – olhou em volta - Seu celular e seu tablet estão aí, não é?
— Estão, Artur, e os seus? Você larga tudo em qualquer lugar, e
são novinhos em folha. .Acho que ficaram na copa, lembra que você estava
fazendo experiência com o Instagram?
— Na copa, é? - Artur sentou-se na cama, coçando a cabeça
preocupado e fazendo umas contas na cabeça - Dá uns 2.000 no máximo, não vale eu descer e levar um tiro de nenhum moleque
subnutrido, Júlia.
— E quando ele resolver subir e vier atrás de dólares e joias,
o que é que você faz? A melhor defesa é o ataque, Artur. Não podemos ser pegos
de surpresa - Júlia estava começando a ficar histérica com a passividade do
marido.
- De surpresa ele não vai nos
pegar mesmo. Tranco a chave e fico atrás da porta com o taco. Se ele tentar
abrir a porta, vai levar uma na cabeça. Mas descer a escada e enfrentar este
bandidinho está fora de questão Júlia.
Foi quando ouviram um ruído leve,
como se algo ou alguém estivesse subindo as escadas de pantufas ou descalço.
— Ladrão não usa
pantufas, pensou Artur.- então deve ser mesmo um ladrãozinho pé de chinelo,
como se diz. E magrelo, já que deu para passar pelo basculante. Mas por que
escolheu aqui em casa para furtar?
- Está subindo, Artur – sussurrou
Júlia apavorada - Vai lá para a porta e
pega o raio do taco, homem.
Artur obedeceu a
contragosto, postou-se atrás da porta e
esperou.
Quem quer que fosse, estacou à frente do
quarto.
— Por que parou aqui? Artur quase podia sentir a respiração do
outro atrás da porta. Júlia, histérica
mordia a barra do lençol para não gritar.
De repente, a maçaneta da porta
se mexeu.. A porta não se abriu porque estava trancada a chave.
— Meu Deus, com esse
taco sou capaz de acabar com a vida de uma criança faminta e eu não quero matar
ninguém – pensou Artur - Deixo ele levar
o que quiser, afinal, posso comprar outros. Vá, leve o tablet e o celular e vai
embora, menino.
Mas, Artur
não suportou mais a espera. Num
impulso desesperado, abriu de
chofre a porta.
Mal viu um vulto dar um pulo e
voar até a cama onde Júlia acabou desmaiando de pavor.
- Miau! - Fez um gato grande, tão apavorado quanto ele.
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