Mega sena hospitalar
José Vicente
Jardim de Camargo
Jorge ainda não
se acostumara com toda a parafernália de alavancas e botões que circundavam sua
cama no quarto de hospital onde já se encontrava três dias desde que sofrera um
desmaio subido na esteira rolante durante o teste ergométrico que fazia
rotineiramente de três em três meses.
Por mais que se
esforçava, só se lembrava que estava na terceira etapa do exame e, segundo seu cardiologista
ao lado, seria a última e tudo corria bem.
Querendo provar
a si próprio que os anos não lhe tiraram o vigor da mocidade tão ràpidamente
como se diz, deu aquela acelerada na expectativa de melhorar a performance em
relação ao exame anterior e ai foi que sentiu a danada da pontada no peito, o
bambolear das pernas tal qual vara verde em meio de tsunami e o baque da queda: tchabum, bam,bum, apagão
total...
Acordara com o
desconforto das picadas que uma enfermeira insistia em lhe provocar à procura
da veia escondida.
-“Sua fdp
balbuciou”
-“Como Sr.? pergunta
a Drácula que ostentava em seu crachá, abaixo do nome, o número 38.
-“É essa veiazinha
que não quer soltar o leite”, completou ele.
Ao olhar em
volta, se conscientiza da gravidade da situação, dado ao número de aparelhos,
cabos e tubos a que estava conectado tal qual astronauta em passeio orbital.
Com o canto dos
olhos consegue vislumbrar sua mulher tentando escorar o quadro de Santo Expedido,
o das causas perdidas, à parede lisa, enquanto a Drácula lhe pede continuamente
para falar 33, lhe auscultando os pulmões.
Em devaneio
pelos labirintos da memória, lhe vem a vontade de confirmar o dia da semana.
Num esforço
leonino procura através de grunhidos e mexidos, chamar a atenção da sua mulher
concentrada na oração.
-Sim Jorge, quer
alguma coisa? indaga se aproximando dele.
-Pelos meus
cálculos, hoje é sábado, dia do meu joguinho na mega sena. Já tenho os números
na ponta da língua...
A esposa,
reanimada pela espontaneidade da pergunta no meio das incertezas da doença,
acena positivamente e completa:
-“Manda bala,
que boa memória você sabe que não me falta...”
- 03, os dias
que aqui estou;
- 13, o azar que
tive;
- 33, o bendito
número que mais digo por aqui;
- 38, o número
da Drácula
- 09, minha
pressão baixa
- 15.
-“já sei!
sua pressão alta”, diz a mulher apressadamente.
- Não minha
querida, é a soma de 6+9, aquela brincadeirinha que mais quero fazer contigo
quando sair daqui...
A mulher ruborizada, olha o quadro de São
Expedido agradecendo a promessa ganha da doença vencida e, sem rodeios, já lhe
pede com fervor uma segunda:
- Que a
brincadeirinha ocorra em meio aos festejos da vitória da mega sena acumulada...
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