“O Ciclista
e a Fé”
José Vicente Jardim de Camargo
Morro acima, morro abaixo, as rodas
finas da magrela, cuidadosamente aprumadas e oleadas, vão beijando o asfalto
áspero da estrada: chuim, chuim, chuim...
Sentado no selim anatômico, próprio
para o aconchego das partes sensíveis, ele procura distinguir os sons que lhe
chegam do ambiente circundante, trecho de mata atlântica ainda bem conservada: canário
da terra ou saíra? Abelha ou borrachudo? Água de nascente ou de chuva? E aqueles
desagradáveis de veículos que lhe passam zunindo: zum, zum, zum, obrigando-o a
desviar a visão da paisagem convidativa e a concentrar-se na faixa do
acostamento um tanto esburacado, procurando, entre pedaladas e freadas, não
perder o bom humor na resignação de que ele também é um motorista sem
alternativas:
— “mas consciente, cuidadoso com
terceiros, sem álcool no volante” -logo completa.
E lhe vem à lembrança as discussões
sobre o futuro da mobilidade dos humanos, tema várias vezes debatido na
Associação dos Amigos da Praia do Puruba, que frequenta e é colaborador
assíduo, mas que sempre termina no amargor frustrante das interrogações.
Volta a mirar o verde da mata,
enfeitado com o floreio dos pés de manacá da serra, sob um céu azul de brigadeiro
e de um sol radiante de outono, compondo e oferecendo um visual capaz de erguer
o mais angustiado astral e injetar de otimismo o mais adormecido dos ânimos
sobre o destino da atual e das próximas gerações.
-“Sim, somos seres racionais, sou um
homem de fé: creio nos avanços da ciência e da tecnologia, na vitória da razão
sobre o fanatismo, do bem sobre o mal e sobre tudo Nele, meu Pastor,..”
Um sentimento de satisfação lhe enche,
junto com o ar puro, as narinas ofegantes e lembrando a música cantarola:
-“Vai, vai buscar quem me quer bem...”
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