A
minha sogra
Fernando Braga
Sogra é sogra! Sempre no mau sentido.
Conheci em 1957 minha futura esposa, que
na ocasião tinha apenas quinze anos. Logo após vim a conhecer sua irmã com dezoito
e sua mãe, viúva há apenas cinco anos. Mudaram-se do interior para São Paulo, vindo
morar na mesma casa que seus avós e tios, uma vez que a situação econômica não
era das melhores. Minha futura sogra tinha, nesta ocasião, 42 anos, havia
sofrido demais com a enfermidade e morte do marido, mas seu objetivo agora era
criar bem suas filhas, fazê-las estudar e procurar dar o de melhor para elas. Durante
os sete anos de namoro, ela sempre nos acompanhava aos cinemas, festas, viagens
ao litoral, sendo a nossa ¨chaperon¨. Nunca nos foi permitido andarmos de carro
sós, como era costume na época. Meus pais, após minha formatura em 1959, haviam
voltado para o interior e eu continuei morando em minha casa sozinho. Frequentemente,
passávamos um dia inteiro, eu, a sogra e minha namorada, limpando minha casa, fazendo
uma faxina geral. Em 1964, julho, nos casamos e viemos a morar nesta casa. Minha
sogra continuou morando com sua família, até o casamento da outra filha, cerca
de um ano após. Então veio morar conosco, uma vez que minha casa era grande, minha
mulher já estava gravida e havia grande afinidade entre nós. Sua decisão, no início,
causou grande impacto, por ser muito
querida por todos e pelo importante papel
que desempenhava na casa. Fui muito criticado pelos tios por ter tomado
a posse da sogra. O fato verdadeiro, é que ela era uma pessoa extraordinária, do
bem, carinhosa, tudo fazia para ajudar e alegrar os outros, queria vir morar
conosco e já sentia que aquela casa era sua também. A disputa se encerrou
quando eu declarei de maneira bem firme que “minha sogra, não vendo, não dou e não empresto”. Em 1970, já
estávamos com quatro filhos, três homens e uma mulher, uma escadinha. Meu
cunhado, não tinha filhos ...Muito ocasionalmente minha sogra passava com eles
um fim de semana e logo voltava correndo.
Minha sogra em minha casa era indispensável. Nunca
precisamos de babá, como é uma rotina hoje, ela adorava meus filhos, levantava
à noite para esquentar e dar a mamadeira, ficava ao lado da cama quando tinham
febre, estavam sempre bem alimentados, nada lhes faltava. Adoravam a avó, principalmente
o mais velho, que além de ser seu afilhado, era o neto mais carinhoso. Como
filha de italianos, era uma excelente cozinheira. Sempre tivemos cozinheira, que
morou conosco mais de 30 anos, excelente, mas que aprendeu quase tudo com minha
sogra. Todos meus amigos queriam saber quando iam voltar a comer a famosa
lasanha feita por ela, ou o macarrão feito em casa!!! Nas férias, ela ficava 15
dias na praia, no sítio, com os netos e nós ficávamos despreocupados. Falei de
algumas qualidades de minha sogra, mas ela tinha muito mais!!Sua família toda
era ótima, todos se ajudavam, não havia brigas, discussões, mal entendidos e
minha sogra era o exemplo da convivência harmônica, prestativa, compreensiva, caridosa,
dedicada, amorosa, e mais, muito mais. Uma ocasião, li alguns trechos da vida
de Saint Francis of Rome,
e logo me veio à cabeça minha
sogra.
Em 1972, mudamos de casa e fomos morar em um
bairro excelente, tranquilo, em uma rua melhor ainda. Nesta ocasião eu trabalhava
muito e não poupava esforços para dar à minha família o melhor, toda
comodidade, melhores colégios, melhores férias, etc. Em uma ocasião, viajei com
minha mulher para a Europa, para congresso, estágio, ficando fora dois meses e
minha sogra tomou conta de tudo, sem qualquer erro. Viajávamos sempre despreocupados,
quando tudo ficava em suas mãos. Os
anos correram rapidamente e lá estava ela fazendo 75 anos, eu com 55, meus
filhos formados, morando na mesma casa, no bairro que continuava ótimo. Minha
sogra continuava a mesma, a primeira a se levantar, a última a se deitar, após
fechar todas as portas da casa, o que era uma incumbência, que ela própria se
cobrava. Eu ia dormir sossegado. Eu e minha sogra nos dávamos muito bem, mas
ocasionalmente gozávamos um ao outro, ela dizendo que eu estava careca, já com
cabelos brancos, ficando a gordo e eu também judiando dela, procurando seus
pontos fracos.
Após
mais uns anos, ocorreu um fato perfeitamente normal, mas que deu origem a um desentendimento.
Eu havia ido dormir mais cedo por estar muito cansado. No dia seguinte
levantei-me mais cedo e após descer as escadas deparei com a grande porta de
vidro completamente escancarada. Assustei-me, pensando logo em uma invasão de
propriedade. Não encontrando sinais de
roubo, tranquei a porta, tomei rapidamente meu café e sai para o trabalho. Ao
voltar à noite, chamei minha sogra de lado e perguntei-lhe o que havia
acontecido com ela, que não cumprira sua obrigação religiosa de fechar as
portas. Você está ficando ruim da cabeça? esquecendo das coisas importantes? E
se entrassem ladrões como entrou no vizinho da frente? Quem pagaria pelos
prejuízos? De hoje em diante, eu vou ser o responsável pelo fechamento das
portas à noite. A senhora está livre desta incumbência!! Ela simplesmente levantou-se e foi para seu
quarto. Não falei nada com minha mulher sobre este assunto.
A
partir deste dia minha sogra mudou, tornou-se triste, acabrunhada, ficava mais
em seu quarto e me evitava. Passou a frequentar mais a casa da outra filha onde
permanecia vários dias, dando desculpas à minha mulher, que nada desconfiava. Quando
vinha para a nossa casa, conversava apenas com os netos e com a empregada. Passou
a sair mais de casa dizendo ir visitar amigas. Enfim, era nítida a mudança da
vovó. Algumas vezes decidi ir falar com ela, mas ao me aproximar ela percebia e
saia rapidamente, sem me dar chances de conversar.
Após
uns dois meses, recebi uma carta de um advogado, solicitando que comparecesse
ao seu escritório, para tratar de um assunto que me dizia respeito. Mostrei a
carta para minha mulher e ambos não conseguimos entender nada. No dia marcado
fui a seu escritório, fui bem recebido e após sentar-me em sua frente ele foi
logo dizendo: há um mês atrás, sua sogra veio procurar-me, após ter conversado
com um amigo, dizendo querer abrir um processo contra você, seu genro. Dizia
que havia sido mal tratada, espezinhada, rebaixada, grosseiramente acusada, apenas
porque havia, pela primeira vez, esquecido de fechar à noite, uma grande porta
de vidro que há no fundo da sala de visita, que dá para o quintal. Não achou
justo aquela grosseria, com uma pessoa que sempre fora dedicada em sua casa, trabalhando
todos os dias da semana, do mês, do ano, sem ter férias, descanso, ajudando a
criar seus netos com todo o carinho, dia e noite, procurando nunca ser um
estorvo na casa, sem trazer aumento de despesas. Isto tudo durante quase 40
anos!!!
O advogado perguntou-me se aquilo tudo era
verdade, e aconselhou-me a procurar um advogado para defender-me, pois haveria
uma ação. Falaria com o advogado, que eu arrumasse, e terminou dizendo da
possibilidade de haver um entendimento futuro, de ambas as partes. Cheguei arrasado em minha
casa, minha mulher percebeu e queria saber do que se tratava. Pedi que se
sentasse e contei todo o drama desde o início. Ela ficou furiosa comigo, dizendo
que já havia notado que eu estava tratando sua mãe muito mal e que por isso ela
estava triste, cabisbaixa, evitando as pessoas. Estava ela perfeitamente certa
de ter agido daquela maneira. Minha sogra, havia saído dizendo que ficaria
aquela semana na casa do outro genro. Minha mulher logo reuniu todos os filhos
e contou o ocorrido entre mim e a sua avó. Todos, em unanimidade se
pronunciaram, defendendo a vovó
querida. Realmente, tornei-me, subitamente, um grande vilão!!
Procurei
um advogado amigo meu, que disse nunca ter ouvido uma estória como aquela e
muito menos uma sogra tão vingativa. Nesta altura resolvi defender minha sogra,
dizendo ser ela uma mulher extraordinária, que realmente tinha ajudado demais
na criação de meus filhos, e que a atitude que havia tomado, não era vingativa.
Frente a esta defesa que fiz, ele aconselhou-me a ir novamente procurar o
advogado dela e fazer um acordo que ela desejasse. O acordo que acertamos foi: passar
uma escritura da metade de minha casa em seu nome, tornando-se ela proprietária
e ainda 5 mil mensais, para morar lá. Aceitei.
Passei a escritura de minha parte a ela e passei a paga-la mensalmente. Quem
ficou mais contente foi meu cunhado com a vitória da sogra e pensando na
possibilidade futura, de sobrar algo para ele!!!
Após três anos, quando já estávamos bem
novamente, ela disse-me que não precisava mais pagar os 5mil de aluguel e após
cinco anos, trouxe-me a escritura da casa dizendo que segundo o cartório a casa
poderia voltar a ser minha, porque não havia sido feito registro daquela
escritura. A lição valeu!!!!
Com
91 anos, andava com dificuldade na marcha, mas sua cabeça estava perfeita,
lúcida. Pouco depois, ela faleceu e nos deixou todos muito tristes.
Que
sogra, que mulher!! Que exemplo de vida!!
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