AO AMOR, que nunca morre - Suzana da Cunha Lima



AO AMOR, que nunca morre
 Suzana da Cunha Lima

Cheguei mais cedo no curso e sentei-me à mesa antes dos outros.  E ali fiquei , vendo a cadeira vazia e sabendo que nunca mais ela se sentaria nela.   Nunca mais seu riso solto, nunca mais sua concentração ao fazer o dever, nunca mais a disponibilidade em nos servir café e biscoitinhos.

Eu vinha da cremação, onde não consegui segurar o choro e a tristeza. Éramos colegas de trabalho, e, ao nos aposentarmos, juramos não estacionar nossa cabeça em frente à televisão, não nos  transformarmos em vovó em horário integral ou ficarmos à disposição da família e amigos.

 Ah, não, tínhamos nossa própria vida, nossos sonhos e projetos.  E foi o que fizemos. Continuamos jogando vôlei, e indo a toda peça teatral, exposição ou filme interessante. E cursos! Quantos! Mas foi ali, no Escreviver, que ela se encontrou. Era uma escritora nata, elegante e objetiva, conduzia qualquer história com maestria, sem perder o humor, mantendo o interesse do leitor até o fim..  Estava preparando  um livro, mas não dizia a ninguém do que se tratava, nem a mim, sua melhor amiga.

 Nossos maridos eram parceiros inseparáveis: no tênis e nas pescarias. Saíamos juntos e eram ocasiões muito prazerosas, pois era a hora em que trocávamos nossas experiências, conversando sobre tudo e sobre todos.

Mas a doença quando veio, pelo menos foi rápida, não deu tempo de desfigurar-lhe a face, não lhe levou os cabelos nem a autoestima.

Ela ainda sorriu para nós em seu último dia, quando nos reunimos para jogar cartas em sua casa.  Estava muito fraquinha, mas seu bom humor se manteve intacto, sua gentileza em nos receber também.

Chegamos até a brindar com champagne seu aparente restabelecimento e foi uma noite agradável em tudo.   Eu podia jurar que o pior já tinha passado e agora era  hora de ela pensar em ficar mais forte, se alimentar bem e descansar.

- Você ainda tem muito chão – dizíamos. – Do jeito que vai, vamos começar a fazer planos para aquela viagem em cruzeiro fluvial. – O da França – dizia ela – Passa por vinícolas maravilhosas, dizem que é o máximo.

- À França, então! - e brindamos a isso.

E de lá para cá, não tivemos motivo para brindar a mais nada. No dia seguinte a esta noite memorável, ela se foi como um passarinho procurando o céu. DE noite acordou o marido com delicadeza, perguntando:: Amor, você me perdoa pelas besteiras que fiz?  Eu sou assim mesmo mas nunca ninguém vai te amar como eu te amei..

Ele assustou-se, abraçou-a chorando, porque percebeu que era uma despedida. E só deu tempo de dizer-lhe baixinho: Você foi a única mulher que amei em minha vida e não sabes quanto!  E já sentiu-a desfalecer e não acordar mais.

Quanto ao livro que ela estava escrevendo, ele me pediu que o terminasse e publicasse. Seria nossa última homenagem a ela.

E deu-me o título:


AO AMOR, que nunca morre.

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