Nada inspira mais coragem ao medroso, do que o medo alheio - Fernando Braga



Nada inspira mais coragem ao medroso, do que o medo alheio.
Fernando Braga


Quase com o mesmo significado podemos dizer: Nada fortalece mais o fraco do que a fraqueza alheia. São testemunhas destas asserções, fatos históricos, observações corriqueiras diárias, presentes em qualquer profissão, esportes, jogos, na economia, e outros mais.

Esopo e La Fontaine, escreveram a grande maioria das fábulas, que hoje conhecemos, com ensinamentos que têm atravessado os tempos. Lembro-me de uma delas, que se aplica muito bem ao tema acima, a fábula “o asno e o leão”, que passo a contar:

Certa feita, um asno ou um burro, estava atravessando uma mata, quando deparou com um enorme leão deitado, aparentemente dormindo. O asno estancou, deu meia volta e logo após, saiu em enorme disparada, conseguindo, em seu íntimo, ter conseguido escapar vivo, do rei das selvas. Poucos dias após, junto com outros asnos, seguiu o mesmo caminho na mata, prestando toda a atenção para não ter surpresas. Quando chegou ao mesmo local, todos viram um leão deitado, que não se movia e que, apesar do barulho que fizerem, não se incomodou, não reagiu. Perceberam que o leão estava ou muito doente ou morto. O asno aproximou-se mais, relinchou bem perto do leão, que, simplesmente, conseguiu elevar um pouco a cabeça, soltar um esboço de urro. O asno disse aos companheiros: ele ainda está bem vivo e aproximando-se mais, demonstrando uma grande coragem aos amigos, desferiu uma coice na cabeça do rei e em seguida, desfilou garbosamente para seus colegas. O leão, com enorme esforço, conseguiu novamente erguer um pouco sua enorme cabeça e dizer:  “agora, até tu, obra vil da natureza,  tem a coragem de me enfrentar?”.

Voltando para os homens, há muito anos, ouvi uma estória de um amigo, que me deixou muito satisfeito. Contou ele que estavam no jardim central da cidade, esperando o clube abrir as portas para o baile carnavalesco. Tinham tomado umas cuba-libres, bebida bem comum na época e mais barata, todos muito animados com a festa, que já haviam começado, bebendo. Dentre eles, estava o Purunga, apelido de um rapaz mais alto, bem forte, musculoso, pois fazia alteres e   todos o temiam em uma briga. Ele sempre provocava, uma vez que  os outros tinham medo de enfrentá-lo. As brigas físicas eram bem comuns naquela época, ninguém usava faca, pau, pedra, e a coisa era no braço e na perna. Estavam todos muito alegres, quando a uns 20 passos, passaram dois rapazes magros, meia altura, que evidentemente eram de fora da cidade, e que, certamente, se dirigiam para o clube. Purunga ao vê-los, gritou: eeeiiii!, vocês aí, suas bichinhas, aonde vão? Os dois rapazes pararam e disseram:

—Vamos ao clube, por que  ?

Purunga, querendo se mostrar para os amigos, perguntou aos dois: — As bichinhas são de São Paulo?

Um deles se adiantou e ficou parado em atitude desafiante, mostrando não ter medo do grandão! Purunga analisou o tamanho, a musculatura do rapaz e concluiu que já havia batido em cara muito maior. Disse:

— Você é metidinho hein, e vai apanhar.

Aproximou-se mais e desferiu um chute na altura do peito do adversário, que desviou o corpo e conseguiu pegar no ar, o calcanhar do grandão. Em seguida levantou, forte e rapidamente sua perna, jogando-o de cabeça ao chão. A batida na parte posterior da cabeça, contra um paralelepípedo, provocou um corte, por onde jorrou o sangue. A briga acabou!! Os amigos levaram Purunga ao pronto socorro, onde levou 5 pontos no couro cabeludo Falou em desforra, mas acalmou-se quando ficou sabendo que os dois, eram convidados do Dr. Olavo, conhecidíssimo na cidade e ainda, que eram categorizados lutadores em defesa pessoal, pela Academia Gracie e também faziam Jiu-Jitsu. Aquilo, certamente, foi uma boa lição àquele que fora muito prepotente!!

Termino, com outra frase, com um significado importante: Nunca seja prepotente, jactancioso, mas também, nunca seja servil!!



UM MENINO QUE PREVIA O FUTURO - Mario Augusto Machado Pinto.


UM MENINO QUE PREVIA O FUTURO 
Mario Augusto Machado Pinto.

Não sei com que idade os bebês começam a enxergar e a distinguir o que veem, mas meu irmão Lavan desde que nasceu e estando acordado e deitado no berço ou no carrinho, só olhava para cima. Com Lavan acho que foi com três ou 4 meses porque apontava o dedinho indicador para o alto em direção ao sol, aos pombos, aos aviões, tudo que estivesse lá no alto do céu. Outras vezes apontava e algum tempo depois passavam pombos, helicópteros e tudo o mais. Admirava isso apesar de não entender porque seus olhos não eram afetados pela luminosidade.

Quando foi para a escola sabia o que estudar para as provas e me dava dicas; saindo com seu guarda-chuva, podia escrever: chovia. Às vezes dizia coisas confirmadas futuramente, que papai seria promovido e mamãe operada. Falei com ele sobre essa ‘’qualidade” e ele me fez jurar que não a contaria para ninguém, muito menos para nossos pais. Interessante, nunca previa números de sorteios, nem de bingos. Ajudava muita gente, mas não comentava.

Quando mocinhos, começando a namorar, sabia e dizia quais garotas abordar para sair e quais ficariam à noite para um programa.

Formou-se em Física ‘’cum laudae’’ na USP e sempre obteve grande sucesso na profissão e aceitou convite para fazer pesquisa e lecionar em Yale. Ao embarcar, me disse que voltaria em cinco anos.

Voltou. Não mudou nada fisicamente; ficou com aparência circunspecta; ainda fazia suas previsões, acertava todas.

Um dia pediu-me para ir com ele palpitar na compra de um terno.  Escolheu um de risca de giz e eu palpitei que não gostava. Respondeu que era para uma situação especial no sábado. Concordei e achei que iria nos apresentar à sua namorada.

À noite de sexta-feira me disse querer descansar e dormir bastante, até bem tarde e pediu para não ser acordado. Fazia sempre isso quando havia algo especial no dia seguinte. Ouvi quando deu a descarga no banheiro e fechou a porta do quarto.

Às dez horas da manhã do sábado chegou a primeira coroa de flore

NADA INSPIRA MAIS CORAGEM AO MEDROSO DO QUE O MEDO ALHEIO - Oswaldo Romano




NADA INSPIRA MAIS CORAGEM AO MEDROSO DO QUE O MEDO ALHEIO

Oswaldo Romano                                                                      


        Como podemos vencer na vida sem tentar? Veja que somente esta lógica já nos mostra apreensão e  medo.

        O medo nos acompanha muito mais do que pensamos. Só de pensar nele já nos preparamos para uma defesa.

        Quando temos conhecimento de que nosso interlocutor, qualquer que seja ele, é inferior a nossa apreensão, nosso medo se impõe e inspira força, inspira coragem que no momento eleva nosso desempenho.

      Certa vez um grupo de empresários foi convocado por ordem de um Ministro. Eram cartas registradas “Urgência-Urgentíssima”, deviam comparecer na Diretoria Executiva de Exportação do Ministério do Exterior.

        Eram doze. Os trambiques aplicados nas portarias 13/14AB e 17M foram os motivos que os deixavam assustados. Reuniram-se, discutiram esse assunto, procurando qual a melhor saída, a melhor defesa. Um deles, o Jasmann, mal sustentava a caneta na reunião. Estava com muito medo. — As multas, gente. As multas... Dizia. O mesmo acontecia com outros que apoiavam a mão na mesa, resistindo a tremedeira.

        — O Ministério descobriu nosso lobby. Sujou - disse Jasmann.

        Encerrando a reunião, tensos, combinaram o traje para comparecer. Afinal não é qualquer hora que se conversa com um Ministro. Tinham que se apresentar a altura, mostrar categoria, atrair confiança.

        Na manhã seguinte encontraram-se no Aeroporto. Não estava frio, mas vários mantinham as mãos nos bolsos. O fato chamou a atenção do que presidiu a reunião e questionando um mais chegado, ouviu dele estar tremulo. Exagerou dizendo que poderia voltar escondendo não as mãos, mas algemas.

        Chegaram no horário e apreensivos deram entrada à sala de espera. Foram trinta minutos de sofrimento. Olhando as paredes, pouco conversaram.

        Chamados, entraram na imponente sala do Ministro. Este, sisudo, ofereceu as cadeiras postadas na mesa oval. Até então se mantinha quieto, dando rápidas miradas nos presentes.

        A maioria não sabia como se portar. Ajeitavam-se nas cadeiras, aguardavam.
        — Senhores, sejam bem-vindos, - Disse o Ministro quebrando o silêncio.
Sem exceção todos se mexeram, - Alguns uma limpadinha na garganta.

        — Tenho aqui a relação dos senhores, mas como não os conhecia pessoalmente, minha assistente vai cita-los. A medida da chamada, por favor, dê-me um sinal.

Mal começava a apresentação, foi interrompida com a entrada de três militares regiamente fardados. Um deles, certamente o comandante, foi até o Ministro que sentava na cabeceira. Deu-lhe um cumprimento militar, e sussurrou no ouvido algumas palavras. O Ministro confirmando com gesto, mostrou que sim. Novo cumprimento, - retiraram-se.

        Desconfiados, trocaram olhares, aquilo agitou cada pensamento.

        A assistente recebendo ordem do Ministro continuou a apresentação. Cada nome era seguido da empresa e da posição que exerciam junto aos Sindicatos. No fim das apresentações, ouve um momento de relax quando o Ministro disse:

        — Bem, senhores. Peço desculpas de movimentá-los até aqui, mas não fosse assim, dificilmente conseguiria dar todas minhas explicações.

        — Sem problemas Senhor Ministro, acho que ninguém aqui vai se incomodar. Foi uma tranquila viagem, disse o líder.

        — Nossa balança comercial como sabem, está com um elevado déficit. Esta convocação tem por fim fazer com que, se reverta este resultado, ou pelo menos paliativa. Unidos e com garra poderão fazer isso. A  maioria dos senhores dirigem Associações e a poderosa FIEST. Dou-lhes liberdade de sugerir qualquer medida, que amenize esta situação. Precisamos aumentar nossa exportação.  

        Tenho um resumo de cada um e das suas empresas. E tenho também suas dificuldades junto a receita. Sabem certamente do que estou falando.

        — Nesse momento deu um nó no ambiente. Lembrava O Silêncio do Tumulo. Ai ele continuou:

        — Estou sendo pressionado pela Presidência e carrego um grande receio, na verdade um grande medo, de ser substituído neste semestre. Com apoio dos senhores é possível reverter esta situação. Ficaria bom para ambos. Os senhores têm alguma sugestão?
        — Uma questão de estudo Sr. Ministro. Pode dar-nos vinte minutos em sala reservada para trocarmos ideias? O Senhor terá nossa resposta.  

Chamando a assistente, esta providenciou a mudança. Mal fecharam a porta,  surpresos, o líder falou:

        — Ufa! Que sorte! Menos mal. Abra a janela, deixe sair toda nossa pressão.
A solução é fácil. Vamos embarcar todas as exportações que aquelas portarias impediram, desde que ele anule-as. Perderemos um pouco, mas ficaremos livres até dos processos. Acho que ninguém vai discordar. Estamos com o rabo preso.

        — Ainda bem que por enquanto é só o rabo - Disse um deles. Mas, agora estamos com a “faca e o queijo na mão”. Vamos tirar partido, nos livrar! Vamos cortar esse queijo!

        —Amigos já foram os vinte minutos. Domar a fera com cuidado será nosso próximo passo. Pelo jeito ele está encurralado pela Presidência.  -   Vamos voltar?

Assim que entraram na sala, o Ministro não se conteve: — Então? Arguiu ansioso.
        — Sr. Ministro. Podemos ajuda-lo. Se for esse o motivo jamais perdera seu cargo. Envidaremos todas as forças que possuímos e peço-lhe noventa dias para reverter esta situação. Todavia, ela depende totalmente de V. Excia. Para  nosso sucesso deve anular as portarias 13/14AB e 17M que nos crava junto a Receita. Essa medida é sine qua non. Assim que V.Excia. - publique, garantiremos o início dos embarques.


         — Senhores, este é um acordo de cavalheiros. Já esperava isso. Vou atendê-los. Sei que ela, recorrendo, os livrá-la das antigas multas. Ficarei atento, enquanto aguardo os resultados. O assunto é delicado. Se vier a público, já sabem, será uma faca de dois gumes. Estamos combinados? Tenham um bom retorno.  

Um conto de amor- Pablo e Marinete - Fernando Braga



Um conto de amor- Pablo e Marinete
Fernando Braga

         Pablo e Marinete, hoje, ele 44 anos e ela com 41, são os personagens desta estória surpreendente. Pablo, filho único de uma casal, morava com os pais  em  uma confortável casa, em um dos melhores bairros de São Paulo. Seu pai era um médico do bairro e sua mãe era do lar. Quando tinha 8 anos, sua mãe faleceu, vítima de uma doença insidiosa, tendo sido criado por seu carinhoso pai e sua avó, que se mudara para sua casa.

       Após uns três anos, por ocasião de uma viagem de fim de semana ao litoral paulista, o pai de Pablo veio a conhecer uma bela senhora, viúva, que tinha uma garotinha de 8 anos, Marinete. Os pais destas crianças se simpatizaram tanto, que, após 6 meses de encontro decidiram morar juntos, na casa do pai, mais confortável. Foi quando Pablo e Marinete se conheceram, eles com 11 e 8 anos, respectivamente. Logo se adaptaram um ao outro, passaram a estudar no mesmo colégio e realmente viviam como dois irmãos. Após dois anos de convivência, um dia a mãe observou que as duas crianças, frequentemente, se ausentavam e em uma ocasião observou-os na garagem, dentro do carro, se beijando. A mãe contou logo para o pai, que achou aquilo preocupante, inaceitável. Resolveram não falar com as crianças, mas observa-los sempre, mais de perto, afasta-los. Mesmo assim, outras vezes, foram surpreendidos pela mãe e empregada, no mesmo ato.  A situação ficou tão complexa, que os pais resolveram se afastar, indo ela, morar com sua mãe em um bairro mais afastado, levando consigo Marinete, que também logo mudou de colégio. As crianças raramente se encontravam, embora os pais mantivessem relacionamento semanal O tempo passou, os pais decidiram se separar e a vida continuou. Aos 18 anos Pablo, conseguiu  entrar para a Medicina, fez o curso brilhantemente e com 24 anos graduou-se. Após três anos de residência médica, começou a trabalhar em Medicina Social. Marinete aos 18 anos entrou em uma faculdade começando a estudar línguas. Com 21 anos foi para a Inglaterra, onde permaneceu dois anos para aprimorar o inglês.

         Com 29 anos, Pablo conheceu uma moça, três anos mais jovem, muito rica, filha de um industrial, que morava em uma mansão no bairro do Morumbi. Após dois anos de namoro se casaram, em uma cerimônia luxuosa e foram morar em um espaçoso e rico apartamento, no bairro dos jardins. Marinela, colocando seu melhor vestido esteve no casamento e depois foi à deslumbrante festa, acompanhada por sua mãe. Por alguns momentos em que esteve junto com Pablo, se entreolharam afetuosamente, como se alguma coisa ainda existisse entre eles, como foi observado por sua mãe.

        A vida de Pablo mudou muito, uma vez que seu sogro o adorava, tudo fazendo para que nada lhes faltasse, tendo-o convidado para ser médico em sua indústria, com um alto salário. Fins de semana em Guarujá, iate, festas muito concorridas, frequentadas pela alta sociedade, frequentes viagens ao exterior, era a rotina. Mas, alguma coisa faltava na vida de Pablo e bem dentro do seu íntimo, ele sabia...Após três anos de casamento, ainda não tinham filhos.

         Marinete, com 28 anos, bonita atraente, tivera vários namorados, inclusive na Inglaterra, mas nenhum compromisso mais sério. Realmente, sentia-se muito frustrada, pois bem no íntimo, conservava o seu amor de criança, o seu amor, agora impossível Dava aulas de inglês em várias escolas e mesmo para alunos particulares. O seu maior desejo era um dia encontrar Pablo, nem que fosse por alguns instantes, para ver qual seria sua própria reação e a dele, também. Sentia-se rejeitada, embora não lhe faltassem pretendentes. Com este estado de espírito, resolveu fazer uma análise e para tal procurou uma psiquiatra. Após algumas sessões, onde declarou os seus sentimentos, desejos, a analista, com muita experiência, disse-lhe que devia dar um telefonema a Pablo. Inicialmente, Marinela achou um absurdo. Mas, aos poucos passou a achar a ideia razoável e por fim, correta. Pensava ela......talvez eles não vivessem tão bem, talvez ele não a amasse, talvez ele sentisse o mesmo que ela, talvez ele desejasse receber um telefonema dela....

           Conseguiu o telefone direto dele na fábrica e após muito titubear, discou... Ele atendeu e após alguma palavra trocadas, reconheceu de imediato que era  Marinela, ficou emocionado, teve que sentar-se e logo convidou-a para um almoço no dia seguinte. Encontraram-se em um restaurante pequeno, fora do centro social da cidade. Desnecessário dizer que, logo que se cumprimentaram, abraçaram-se fortemente, beijando-se na face. Sentaram-se, pediram um vinho, trocaram muitas lembranças, dos tempos de crianças, falaram de suas vidas e logo estavam de mãos tocando uma na outra. Ambos sentiam que um sentimento mútuo, muito forte ainda existia entre  eles e que não tinham dúvida, de que era o amor. Ela estava livre para assumir, mas ele estava casado.  Passaram a se encontrar todas as semanas e chegaram a conclusão de que não podiam viver mais, separados.

           Pablo após uns meses, tomou uma decisão definitiva. Iria falar com sua mulher junto com seus sogros Um dia, procurou-os e confessou que queria se separar. Sua mulher que sempre fôra muito independente, cheia de amigas, viajava muito com elas, com uma vida social intensa, não se perturbou muito com o pedido  do marido, que dizia amar outra, um amor de infância. O sogro, imediatamente expulsou-o da casa, da fábrica, dizendo que nada iria levar. Pablo,  concordou e retirou-se. A falta de filhos facilitou.


         Após seis meses, Pablo e Marinete se casaram em cerimônia bem simples, com poucos parentes e foram morar em casa de seu pai, agora já na terceira idade, que necessitava de companhia, uma vez que a avó havia falecido. Os pais de Pablo e Marinete, se encontraram na ocasião, olharam bem um para o outro, nada dizendo, mas entendendo que havia amor desde aquele tempo, mas que tinham agido corretamente, na ocasião. Marinete, fez questão de trazer de sua casa, um quadro que havia comprado em Buenos Aires, anos atrás, que mostrava um casal de dançarinos de tango, em uma posição muito romântica, em uma suave noite, com uma majestosa lua cheia, quadro, que para ela simbolizava o amor impossível, intenso, romântico que ela nutria por Pablo. Logo tiveram uma filha, hoje com oito anos e um filho com quatro, ambos lindos, espertos, inteligentes. Esta grande estória   de amor me foi contada por Pablo.

DANDO A VOLTA POR CIMA - Carlos Cedano




DANDO A VOLTA POR CIMA
Carlos Cedano

O que você me conta Anton é um assunto delicado meu querido amigo, é uma situação com a qual todos nos defrontamos alguma vez na vida, e outros se defrontam com ela a vida toda. Evitar ou lidar com ela exige um aprendizado que implica em desenvolver uma atitude firme e serena para evitar a armadilha.

— Você viveu essa experiência né Francisco?

— Sim - respondeu Francisco - Na primeira vez não tinha experiência para este tipo de situação ruim, antes de dar uma resposta conversei com minha mulher e ponderamos a situação. Ela me disse, “se você aceita o que te pediram ficará vulnerável e sem força moral para reagir em outra ocasião”.

— Olha Francisco, somos bem jovens e não temos filhos, você pode educada e firmemente dizer pra teu chefe que não aceita a proposta dele. Vamos precisar de um tempo para procurar outro emprego, já que se você continua após sua negativa, pode esperar ou retaliação ou postergação profissional. Temos sorte de estar numa situação que nos permite tomar essa atitude. Laura era uma mulher de bom senso. Ele admirava essa qualidade nela.

— E depois? - Perguntou Anton para Francisco, com certa ansiedade.

— Saí do emprego e acho que aprendi aos poucos a lidar com situações semelhantes, adotei posturas serenas e firmes de modo a não criar espaços de intimidade ou de excessiva modéstia -  foi a resposta de Francisco.
— Pois é - disse Anton - sua situação é diferente da minha. Minha esposa, Sonia, espera um filho e não gostaria de perturbá-la com uma notícia dessas. Além disso, na minha área uma pessoa de 39 anos já tem dificuldade de emprego, demitir-me não deixa de ser uma decisão de alto risco.

— Mas, conta um pouco mais sobre tua situação Anton - pediu Francisco.

— Tudo começou três messes atrás quando meu chefe me pediu um parecer sobre um orçamento recebido de um fabricante. Minha tarefa como economista consistia em avaliar os preços solicitados pelos produtos a serem adquiridos. Durante a análise do orçamento fui percebendo que os preços faturados estavam muito altos, bem acima dos preços de mercado atacadista e, incluso, acima dos preços do mercado varejista. Enviei formalmente o relatório de meu parecer, devidamente assinado, sem falar previamente com o chefe. Acho que cometi um erro - disse para Francisco - No dia seguinte a secretária do chefe me disse “o Doutor Renato deseja falar urgente com você Anton”. Cheguei à sala do Doutor Renato mais rápido que imediatamente, parecia que estava atendendo o chamado de um general.  

— Sente-se, por favor - pediu o doutor com um sorriso que sugeria uma intimidade que, a rigor, não existia - Seu relatório está muito bom, tecnicamente diria que perfeito. Entretanto, discordo de suas observações quanto aos preços. O fornecedor é um grande amigo da empresa e muitas vezes nos tem ajudado, particularmente em fase duras de mercado e agora é nossa vez de ajudá-lo, além disso, pelo que nossos amigos do setor informam devemos esperar uma alta substancial dos preços e precisamos garantir nossos estoques. Outra coisa Anton, a análise dos preços está muito detalhada, você poderia sintetizar o relatório agregando os preços em categorias mais gerais, facilitaria a leitura da Diretoria.
— Sim senhor - disse Anton.

— Faça isso e rápido, pois já perdemos um bom tempo com os detalhes. Será que amanhã cedo terei o relatório conforme conversado?

— Sim Doutor - respondeu Anton e foi refazer o relatório o qual levaria, com certeza, a noite inteira. De madrugada Anton finalizou seu trabalho com as informações do fornecedor sem questioná-las. O novo relatório também devidamente assinado. Pela manhã estava entregando o relatório à secretária. Nunca teve resposta do Diretor.

Francisco disse para Anton:

— Você não cometeu erro ao enviar o primeiro relatório sem consultá-lo. Você como profissional sabe que o único responsável pelo conteúdo do relatório é você. O problema é que o novo relatório contém informação irreal,  e caso alguém da Diretoria questione os preços teu chefe pode fingir de bravo na reunião e dar as justificativas na moda tais como: fui traído, não estava sabendo, não fui corretamente informado etc. Você pode até ser demitido. Lembre “a corda sempre arrebenta pelo lado mais fraco”.  Sugiro guardar copia dos dois relatórios nunca se sabe o que pode acontecer.

Após essa conversa Francisco se separou de Anton, a decisão a ser tomada correspondia exclusivamente ao próprio Anton.

Passaram-se quase seis anos. Um dia Francisco estava no centro da cidade passeando com sua mulher Laura quando de repente escutou uma voz chamando-o. Era Anton, sua esposa e um lindo menino de uns cinco anos. Chamou a atenção de Francisco a alegria e descontração de Anton. Era um rosto com outra vida. Após as apresentações das respectivas esposas.

Anton e Francisco, após das generalidades do reencontro, conversaram sobre como tinha sido a vida de Anton.

— Pois é Francisco -disse Anton - conversei com um psicólogo e iniciamos uma terapia de casal. Durante um bom tempo conversamos sobre o relacionamento entre eu e Sonia. Pouco depois, o psicólogo centrou suas conversas comigo e quis saber sobre minha infância enfatizando os primeiros anos de minha adolescência.

Minha adolescência foi uma fase de muito sofrimento e angustia;  minha postura passiva que não reagia às agressões e provocações, foi um elemento que contribuiu a consolidar minha incapacidade pra responder às crueldades de meus colegas. Era um medo enorme, ficava como um débil mental. Temia conhecer a violência de minha reação e as consequências sobre minha pessoa. Ir à escola todos os dias era reiterar o  medo de todos os dias. Em casa não tinha apoio de meu pai que se limitava a me dizer que tinha que aguentar como um homem. Você foi vitima do que hoje se conhece como “bullyng” disse o psicólogo. É um quadro de abusos agressivos que podem causar comportamentos patológicos profundos completou o psicólogo. Â medida que passava o tempo percebia mudanças em mim. Um dia meu filho disse-me, pai você esta sorrindo cada vez mais. Já não está com essa cara de poucos amigos. Que bom pai! gosto muito de você assim. Sonia com um bonito sorriso mostrava que concordava com seu filhote.

Atrás da porta - Suzana da Cunha Lima


Atrás da porta

Suzana da Cunha Lima

— Artur, acorda! Estou ouvindo um barulho esquisito lá embaixo.

O marido rosnou alguns sons e virou-se para o lado para continuar dormindo.

— Artur, acorda  homem! Deve ser alguém entrando por aquele basculante solto que você colou com fita adesiva.

— Como é mulher? Pelo basculante? – Artur sentou-se a cama esfregando os olhos e tentando raciocinar às três da manhã, ainda digerindo o teor alcoólico da véspera.

Foi quando ouviram um barulho forte, como se o basculante tivesse caído no chão.
- Artur faz alguma coisa homem. O basculante caiu, agora vai entrar alguém pelo buraco.

— Ali não dá para passar um homem, Júlia. Não se preocupe.

— Pois passa uma criança. É assim que estes ladrões estão agindo. Vai lá, pega o taco de beisebol que você arranjou para estas emergências.

— Você está doida, mulher? E se for ladrão mesmo, o que eu faço com o taco?

— Taca na cabeça dele.  Se for criança também, não tenha piedade, porque estes adolescentes franzinos não parecem ter a idade que tem.  Anda homem!.  Quem entrou deve estar inventariando o que temos na sala e daqui a pouco sobe para cá.

— E o que nós temos de tanto valor na sala? Não vai me dizer que a esta hora da madrugada o ladrãozinho vai carregar uma televisão de 42 polegadas... Olhe, vamos ficar aqui bem quietos e só vamos agir se ele subir as escadas.  Lá embaixo não tem nada de valor – olhou em volta - Seu celular e seu tablet estão aí, não é?
— Estão, Artur, e os seus? Você larga tudo em qualquer lugar, e são novinhos em folha. .Acho que ficaram na copa, lembra que você estava fazendo experiência com o Instagram?

— Na copa, é? - Artur sentou-se na cama, coçando a cabeça preocupado e fazendo umas contas na cabeça -  Dá uns 2.000 no máximo, não vale eu  descer e levar um tiro de nenhum moleque subnutrido, Júlia.

— E quando ele resolver subir e vier atrás de dólares e joias, o que é que você faz? A melhor defesa é o ataque, Artur. Não podemos ser pegos de surpresa - Júlia estava começando a ficar histérica com a passividade do marido.

- De surpresa ele não vai nos pegar mesmo. Tranco a chave e fico atrás da porta com o taco. Se ele tentar abrir a porta, vai levar uma na cabeça. Mas descer a escada e enfrentar este bandidinho está fora de questão Júlia.

Foi quando ouviram um ruído leve, como se algo ou alguém estivesse subindo as escadas de pantufas ou descalço.

—  Ladrão não usa pantufas, pensou Artur.- então deve ser mesmo um ladrãozinho pé de chinelo, como se diz. E magrelo, já que deu para passar pelo basculante. Mas por que escolheu aqui em casa para furtar?  

- Está subindo, Artur – sussurrou Júlia apavorada -  Vai lá para a porta e pega o raio do taco, homem.

Artur obedeceu a contragosto,  postou-se atrás da porta e esperou.

 Quem quer que fosse, estacou à frente do quarto.

— Por que parou aqui? Artur quase podia sentir a respiração do outro atrás da porta.  Júlia, histérica mordia a barra do lençol para não gritar.

De repente, a maçaneta da porta se mexeu.. A porta não se abriu porque estava trancada a chave.

—  Meu Deus, com esse taco sou capaz de acabar com a vida de  uma criança faminta e eu não quero matar ninguém – pensou Artur -  Deixo ele levar o que quiser, afinal, posso comprar outros. Vá, leve o tablet e o celular e vai embora, menino.

Mas,  Artur  não suportou mais a espera. Num  impulso desesperado,  abriu de chofre a porta.

Mal viu um vulto dar um pulo e voar até a cama onde Júlia acabou desmaiando de pavor. 

- Miau! -  Fez um gato grande, tão apavorado quanto ele.


O meu sítio - Fernando Braga


O meu sítio
Fernando Braga

         Eu nasci em 1935, em uma cidade que não existe mais!

         Era Rio Preto e depois se tornou São José do Rio Preto. Era uma cidade pequena, com 25mil habitantes e hoje uma megalópole com 450 mil. Tinha apenas 30 quarteirões calçados com paralelepípedos, hoje com grandes avenidas, tudo asfaltado, no centro e em seus mais de quarenta bairros, muito deles, bem afastados.

Algumas mudanças foram para pior como a antiga catedral que foi derrubada e em seu lugar construída nova igreja, cuja arquitetura com o formado de um caixão, não pode ter agradado a ninguém.     Ainda, a estrada de ferro araraquarense, de bitola estreita, que tinha inclusive cabines com leitos, que nos conduzia  a  São Paulo, foi fechada para o transporte de passageiros. Mudou tudo, perdi amigos, parentes, restando poucos, mas continuo adorando esta cidade bonita, limpa, que proporciona excelente qualidade de vida, um dos maiores centros estudantis, universitários, médico do país.

          Morando há mais de 65 anos em São Paulo, em 1975, comprei um sítio próximo, na cidade de Bady Bassitt, a 15 km de São José do Rio Preto. Por três vezes, reformei a casa antiga com 150 anos, que era a sede de uma fazenda, conservando todas as suas características, melhorando-a sobremaneira. Não tinha agua encanada, não tinha privadas,  apenas fossa, e ao redor da casa, era uma quiçaceira só.   Conservei as porta altas, janelas grandes, inclusive com suas ferragens, vindas todas da “Germânia”.

         Construímos dois chalés, cinco lagos profundos e extensos, com agua de mina, comunicantes, uma vez que o terreno vai decaindo em um vale que era conhecido como “vale dos dinossauros”. Todos os lagos, exceto um, contém grande quantidade de pintados, pacus, tambacús, tambaquis, além de tilápias, que são os alimentos preferidos dos outros peixes. Entre os lagos e ao redor, uma grama muito bem cuidada, parecendo um campo de golfe. Ainda, na periferia uma mata fechada, uma parte natural e parte, vinda de reflorestamento que tive que fazer, para compensar a feitura dos lagos. Nestas matas habitam capivaras, tamanduás bandeira, macacos, porco espinho, ariranhas e também cobras. Tem pomar com laranjeiras, manguezal, pés de goiaba, acerolas, peras, limas da pérsia, mamoeiros, e mais de 10 pés de jabuticaba, que em setembro, enchem-se de frutos, para nossa delícia. Em dois canis, ficam três  Rottweiler  e um Dogo argentino, para a suposta segurança e que à noite são soltos de dois em dois. A minha paixão é todos os dias pela manhã passear com os cachorros soltos, mas sempre de dois em dois, uma vez que podem brigar, e que briga!!!

         Neste paraíso, ainda temos uma enorme figueira de 130 anos, que  é, para meus netos, encantada, onde habitam os duendes, que podem ser vistos em uma sexta-feira, de lua cheia, se você souber o misclofe, dará-dara, triloliro... Que todos os meus netos sabem de cor. Tem uma ruina de casa abandonada a uns 300 metros da sede, hoje habitada pelas três bruxas, duas más, a Lenoca e a Ciloca  e a outra boa, a bruxa Carminha, que é a responsável pelo triturar dos dentinhos de leite que caem e transforma-los em um pozinho mágico, bom para as horas certas. A bruxa boa contratada) já apareceu e conversou com eles. Pena que os netos acima dos 8 anos, não estão mais acreditando nos duendes, nas bruxas e em índios que aparecem, ocasionalmente. A cozinheira é ótima, e não há nada igual ao seu feijão e arroz, carne de panela, frango caipira frito, melado, batata frita, e salada com legumes hidropônicos. Todos, gostamos tanto do sítio, que minha netinha, com 6 anos, recentemente foi passar uma semana na Dysney e após 2 dias queria voltar, para ir para o sítio.

          No sítio, às vezes, acontecem fatos muito interessantes, como o que ocorreu da última vez, por ocasião deste carnaval. Meu filho mais moço, chegou de São Paulo, com sua mulher e duas filhinhas, por volta das dez horas da noite. Com sempre faz, usa outro caminho, contornando os lagos, para chegar à um dos chalés. Quando ilumina os lagos com a luz do carro, vê centenas de pererecas pulando, vê capivaras passeando com os filhotes nas barragens dos lagos, ouve o grito dos bugios e desta vez, viu ao passar entre um lago e outro, uma grande bola escura bem na entrada do tubo de 9 polegadas, que comunica a agua de dois lagos. Parou o carro, colocou a luz sobre o local e percebeu que se tratava da cabeça e parte mais superior de uma grande cobra, certamente uma sucuri, que estava passando de um lago para outro pelo cano e parecia presa.  Quando foi iluminada, voltou o corpo no tubo ficando apenas com a cabeça para fora. Ele foi à sede nos chamar e logo descemos com lanternas. Realmente era uma sucuri, de uns 4 metros. Iluminando a parte distal do tubo, víamos o rabo e a parte traseira do corpo da cobra, que estava bloqueando a passagem da água pelo cano. 

Cutucamos com um bambu comprido a parte traseira da cobra, que nestas ocasiões apenas levantava mais sua cabeça, para fora do tubo. Fotografamos muito o espetáculo e após uma hora fomos dormir. Por volta das 3 horas da manhã, meu filho veio ver a cobra e lá estava, apenas com cabeça para fora do tubo. Voltou para o quarto, com o propósito de, no dia seguinte, prender a cobra, com uma rede. Às 5 horas da manhã, o outro filho foi ver a cobra, que não estava mais presente e a agua corria livremente pelo cano. Em nosso sítio procuramos sempre, não matar jiboias, que frequentemente aparecem e mesmo, as sucuris. No dia seguinte, conversamos com nosso empregado e contamos o ocorrido. Ele nos disse haver mais uma ou duas destas cobras e que estão comendo os nossos gansos. De nove restaram quatro, pois os outros desapareceram sem deixar pista, sinal de que foram engolidos. Só podem ter sido as sicuris, como chama ele estas cobras.

          Como resultado, as crianças ficaram proibidas de nadarem nos lagos, como é costume, e nós temos que levar um punhal forte, resistente, em uma bainha presa na coxa, que pode ser nossa única salvação se formos presos por esta cobra e olhe lá....


         Qualquer dia, com certeza, voltaremos a nos deparar com Silvia, o nome que demos à esta sucuri.

QUEM DEVERIA ESTAR AQUI - Oswaldo Romano



QUEM DEVERIA ESTAR AQUI
Oswaldo Romano      
                                                        
        A vida tornou-me um desconfiado. Quando deixei o interior não havia completado 15 anos. Aconteceu também pela vontade deles, os meus pais. Eu, iludido pela cidade grande aceitava a ideia com ponderação: hora sim, hora não. Estava indeciso, mas não demonstrava minha dúvida, ela poderia atingi-los, mostrar o possível risco. Foi risco porque eu ainda era uma criança. Como quebrar os laços que desde o nascimento nos uniram? Simples não fosse um laço de família  entre pais e filho que seria desfeito.

        A causa: Na cidade pequena, eu não tinha o mais elementar futuro. Nem estudos.

        Uma saída para a cidade grande era um jogo. Deu certo para muitos. Tinha que tentar. Iria deixar minha casa, minhas coisas, meus amigos, amigas, animais, meus pássaros, irmãs, meus pais. Iria deixar minha rua, os sinos da igreja, o jardim. Iria deixar parte da minha vida.

        Mas, o carinho da mãe em seu aposento, previa uma catástrofe. Um dolorido choro que tentava inutilmente  conter, pois seus soluços transpunham as paredes.

        — Pai - eu disse - a mãe esta sofrendo muito, mais ainda porque evita demonstrar sua enorme preocupação.

 Meu pai era um homem alto, levantei a cabeça e ia completar o que falava, mas calei-me quando vi lágrimas escorrendo dos seus olhos. Ele também sofria.

        — Amor, filho. Amor de mãe é muito forte. Suas palavras saíram truncadas...

        — É verdade pai... - Eu também não resisti, aquilo me tocou, não aguentei, chorei.

        Momentos depois, bati à porta do quarto onde a mãe estava.

        — Quem é? — Perguntou com voz embargada. Claro que sabia que era eu.

        — Entra, disse. — Abri a porta, ela abriu  os braços, fui recebido com forte aperto, descarregando de uma vez sua tristeza no meu ombro. Só pode dizer: 

Miu bambino! Era tanta sua emoção, que encobria meu choro, encobriu tudo que eu sentia.

        Ao fim rimos, rimos muito, um riso sobre lágrimas... E eu denotando viver um triste momento, disse:

        — Mãe, sabe quando choramos tão forte juntos? Sua expressão olhando-me admirada, aguardava o fim das minhas palavras.

        — Quando filho? Fale.

        — Quando eu nasci, mãe.

        — Má Dio Mio, figlio! -  Abriu de novo as contidas lágrimas...
*

        Pelo que ouviram, preciso falar ainda quem deveria estar aqui?

A minha sogra - Fernando Braga



A minha sogra
Fernando Braga


       Sogra é sogra! Sempre no mau sentido.

       Conheci em 1957 minha futura esposa, que na ocasião tinha apenas quinze anos. Logo após vim a conhecer sua irmã com dezoito e sua mãe, viúva há apenas cinco anos. Mudaram-se do interior para São Paulo, vindo morar na mesma casa que seus avós e tios, uma vez que a situação econômica não era das melhores. Minha futura sogra tinha, nesta ocasião, 42 anos, havia sofrido demais com a enfermidade e morte do marido, mas seu objetivo agora era criar bem suas filhas, fazê-las estudar e procurar dar o de melhor para elas. Durante os sete anos de namoro, ela sempre nos acompanhava aos cinemas, festas, viagens ao litoral, sendo a nossa ¨chaperon¨. Nunca nos foi permitido andarmos de carro sós, como era costume na época. Meus pais, após minha formatura em 1959, haviam voltado para o interior e eu continuei morando em minha casa sozinho. Frequentemente, passávamos um dia inteiro, eu, a sogra e minha namorada, limpando minha casa, fazendo uma faxina geral. Em 1964, julho, nos casamos e viemos a morar nesta casa. Minha sogra continuou morando com sua família, até o casamento da outra filha, cerca de um ano após. Então veio morar conosco, uma vez que minha casa era grande, minha mulher já estava gravida e havia grande afinidade entre nós. Sua decisão, no início, causou grande  impacto, por ser muito querida por todos e pelo importante papel  que desempenhava na casa. Fui muito criticado pelos tios por ter tomado a posse da sogra. O fato verdadeiro, é que ela era uma pessoa extraordinária, do bem, carinhosa, tudo fazia para ajudar e alegrar os outros, queria vir morar conosco e já sentia que aquela casa era sua também. A disputa se encerrou quando eu declarei de maneira bem firme que “minha sogra, não vendo, não dou e não empresto”. Em 1970, já estávamos com quatro filhos, três homens e uma mulher, uma escadinha. Meu cunhado, não tinha filhos ...Muito ocasionalmente minha sogra passava com eles um fim de semana e logo voltava correndo.

       Minha sogra em minha casa era indispensável. Nunca precisamos de babá, como é uma rotina hoje, ela adorava meus filhos, levantava à noite para esquentar e dar a mamadeira, ficava ao lado da cama quando tinham febre, estavam sempre bem alimentados, nada lhes faltava. Adoravam a avó, principalmente o mais velho, que além de ser seu afilhado, era o neto mais carinhoso. Como filha de italianos, era uma excelente cozinheira. Sempre tivemos cozinheira, que morou conosco mais de 30 anos, excelente, mas que aprendeu quase tudo com minha sogra. Todos meus amigos queriam saber quando iam voltar a comer a famosa lasanha feita por ela, ou o macarrão feito em casa!!! Nas férias, ela ficava 15 dias na praia, no sítio, com os netos e nós ficávamos despreocupados. Falei de algumas qualidades de minha sogra, mas ela tinha muito mais!!Sua família toda era ótima, todos se ajudavam, não havia brigas, discussões, mal entendidos e minha sogra era o exemplo da convivência harmônica, prestativa, compreensiva, caridosa, dedicada, amorosa, e mais, muito mais. Uma ocasião, li alguns trechos da vida de Saint Francis of  Rome,  e   logo me veio à cabeça minha sogra.

        Em 1972, mudamos de casa e fomos morar em um bairro excelente, tranquilo, em uma rua melhor ainda. Nesta ocasião eu trabalhava muito e não poupava esforços para dar à minha família o melhor, toda comodidade, melhores colégios, melhores férias, etc. Em uma ocasião, viajei com minha mulher para a Europa, para congresso, estágio, ficando fora dois meses e minha sogra tomou conta de tudo, sem qualquer erro. Viajávamos sempre despreocupados, quando tudo ficava em suas mãos.   Os anos correram rapidamente e lá estava ela fazendo 75 anos, eu com 55, meus filhos formados, morando na mesma casa, no bairro que continuava ótimo. Minha sogra continuava a mesma, a primeira a se levantar, a última a se deitar, após fechar todas as portas da casa, o que era uma incumbência, que ela própria se cobrava. Eu ia dormir sossegado. Eu e minha sogra nos dávamos muito bem, mas ocasionalmente gozávamos um ao outro, ela dizendo que eu estava careca, já com cabelos brancos, ficando a gordo e eu também judiando dela, procurando seus pontos fracos.

        Após mais uns anos, ocorreu um fato perfeitamente normal, mas que deu origem a um desentendimento. Eu havia ido dormir mais cedo por estar muito cansado. No dia seguinte levantei-me mais cedo e após descer as escadas deparei com a grande porta de vidro completamente escancarada. Assustei-me, pensando logo em uma invasão de propriedade.  Não encontrando sinais de roubo, tranquei a porta, tomei rapidamente meu café e sai para o trabalho. Ao voltar à noite, chamei minha sogra de lado e perguntei-lhe o que havia acontecido com ela, que não cumprira sua obrigação religiosa de fechar as portas. Você está ficando ruim da cabeça? esquecendo das coisas importantes? E se entrassem ladrões como entrou no vizinho da frente? Quem pagaria pelos prejuízos? De hoje em diante, eu vou ser o responsável pelo fechamento das portas à noite. A senhora está livre desta incumbência!!  Ela simplesmente levantou-se e foi para seu quarto. Não falei nada com minha mulher sobre este assunto.

        A partir deste dia minha sogra mudou, tornou-se triste, acabrunhada, ficava mais em seu quarto e me evitava. Passou a frequentar mais a casa da outra filha onde permanecia vários dias, dando desculpas à minha mulher, que nada desconfiava. Quando vinha para a nossa casa, conversava apenas com os netos e com a empregada. Passou a sair mais de casa dizendo ir visitar amigas. Enfim, era nítida a mudança da vovó. Algumas vezes decidi ir falar com ela, mas ao me aproximar ela percebia e saia rapidamente, sem me dar chances de conversar.

        Após uns dois meses, recebi uma carta de um advogado, solicitando que comparecesse ao seu escritório, para tratar de um assunto que me dizia respeito. Mostrei a carta para minha mulher e ambos não conseguimos entender nada. No dia marcado fui a seu escritório, fui bem recebido e após sentar-me em sua frente ele foi logo dizendo: há um mês atrás, sua sogra veio procurar-me, após ter conversado com um amigo, dizendo querer abrir um processo contra você, seu genro. Dizia que havia sido mal tratada, espezinhada, rebaixada, grosseiramente acusada, apenas porque havia, pela primeira vez, esquecido de fechar à noite, uma grande porta de vidro que há no fundo da sala de visita, que dá para o quintal. Não achou justo aquela grosseria, com uma pessoa que sempre fora dedicada em sua casa, trabalhando todos os dias da semana, do mês, do ano, sem ter férias, descanso, ajudando a criar seus netos com todo o carinho, dia e noite, procurando nunca ser um estorvo na casa, sem trazer aumento de despesas. Isto tudo durante quase 40 anos!!!

        O advogado perguntou-me se aquilo tudo era verdade, e aconselhou-me a procurar um advogado para defender-me, pois haveria uma ação. Falaria com o advogado, que eu arrumasse, e terminou dizendo da possibilidade de haver um entendimento futuro, de ambas as partes.    Cheguei arrasado   em minha casa, minha mulher percebeu e queria saber do que se tratava. Pedi que se sentasse e contei todo o drama desde o início. Ela ficou furiosa comigo, dizendo que já havia notado que eu estava tratando sua mãe muito mal e que por isso ela estava triste, cabisbaixa, evitando as pessoas. Estava ela perfeitamente certa de ter agido daquela maneira. Minha sogra, havia saído dizendo que ficaria aquela semana na casa do outro genro. Minha mulher logo reuniu todos os filhos e contou o ocorrido entre mim e a sua avó. Todos, em unanimidade se pronunciaram, defendendo    a vovó querida. Realmente, tornei-me, subitamente, um grande vilão!!

        Procurei um advogado amigo meu, que disse nunca ter ouvido uma estória como aquela e muito menos uma sogra tão vingativa. Nesta altura resolvi defender minha sogra, dizendo ser ela uma mulher extraordinária, que realmente tinha ajudado demais na criação de meus filhos, e que a atitude que havia tomado, não era vingativa. Frente a esta defesa que fiz, ele aconselhou-me a ir novamente procurar o advogado dela e fazer um acordo que ela desejasse. O acordo que acertamos foi: passar uma escritura da metade de minha casa em seu nome, tornando-se ela proprietária e ainda 5 mil mensais, para  morar lá. Aceitei. Passei a escritura de minha parte a ela e passei a paga-la mensalmente. Quem ficou mais contente foi meu cunhado com a vitória da sogra e pensando na possibilidade futura, de sobrar algo para ele!!!

        Após três anos, quando já estávamos bem novamente, ela disse-me que não precisava mais pagar os 5mil de aluguel e após cinco anos, trouxe-me a escritura da casa dizendo que segundo o cartório a casa poderia voltar a ser minha, porque não havia sido feito registro daquela escritura. A lição valeu!!!!

       Com 91 anos, andava com dificuldade na marcha, mas sua cabeça estava perfeita, lúcida. Pouco depois, ela faleceu e nos deixou todos muito tristes.


       Que sogra, que mulher!! Que exemplo de vida!!