BODAS DE PRATA
Suzana da Cunha Lima
Fui convidada para as Bodas de Prata de um casal de sobrinhos. Vinte e cinco anos juntos! Eles deviam receber uma medalha ou taça. Principalmente nos dias de hoje onde praticamente tudo é descartável, passageiro e volátil e pode-se comprar qualquer coisa, é só pagar o preço. Até virgindade já foi posta à venda, vejam só! Assim, um casal que consegue passar vinte e cinco anos juntos, felizes, acende outra vez a esperança de que tal façanha é possível.
Já pensaram caminhar na mesma estrada, olhando a mesma paisagem, com a mesma pessoa, tanto tempo? Como manter o interesse, a curiosidade, a sedução e o tesão, apesar da rotina e de hábitos tediosos que, mesmo involuntariamente, o casal permite que entre em sua casa, em troca da estabilidade e da segurança?
Surpreenda-me! Diz o amor, cada vez mais enfraquecido, esquecido na inércia robotizante do dia a dia, aonde vai perdendo, aos poucos, a vez e a voz. Ah, o amor... Sem esta pequena chama, como achar graça na vida?
Um casamento longo fica parecendo uma peça de teatro em cartaz há muitos anos. Lembro-me de A Ratoeira, de Agatha Christie, que bateu o recorde de número de apresentações na história do teatro. Celebraram 25.000 apresentações em 2012. Mais de sessenta anos ininterruptos em cena. Qual o segredo de tal sucesso?
Bem, os atores, ao longo do tempo, foram substituídos. Constam, até hoje, 382 atores em sua história. O cenário, no entanto, só foi trocado duas vezes, embora o grande relógio da sala colocado em 1952, na primeira encenação, lá permaneça. Existe uma tradição nesta peça, muito interessante: a artista principal, após um ano de apresentações, deixa seu papel para a nova substituta e juntas, cortam um bolo no meio do palco. Já imaginaram transpor este ritual para o casamento? A esposa entregando seu papel à nova rival, com apenas um ano em cena? E voluntariamente?
Porém, voltando às bodas de prata, o que me surpreendeu e encantou neste jovem casal, foi o ato público da renovação de votos, a troca de alianças e o beijo seguido de um eu te amo emocionado, diante dos filhos, família e amigos.
Qual o segredo deste casamento ter estado em cartaz durante vinte e cinco anos com o mesmo viço da primeira vez, se os atores nunca foram substituídos? O cenário foi trocado algumas vezes, outros atores foram incorporados, sempre houve muito público e muitas palmas, mas os artistas principais continuam no palco, são sempre os mesmos, não cedendo suas falas para ninguém. Ano após ano, não permitiram que o desânimo, o tédio, a acomodação e interferências externas destruíssem a beleza do roteiro que criaram. Juntos e solidários, inventaram novas formas de diálogo, improvisaram quando necessário, superaram as dificuldades e os conflitos e relevaram decepções e desencantos. Estão atentos às exigências e demanda deste mundo em contínua mutação, mas não abrem mão dos valores e princípios que nortearam seu primeiro projeto de vida.
E continuam em cena, mantendo seu espetáculo vivo e interessante, buscando novas falas e outras vivências. Mais experientes e seguros, já podem se dar ao luxo de brincar um pouco no palco da vida. Sabem que podem contar sempre um com o outro, até a cortina se fechar. Mantendo viva e quente aquela pequena chama pela qual tudo vale a pena.
Curiosidade sobre A Ratoeira, de Agatha Christie - peça de mistério e assassinato
Encenada pela primeira vez em Londres, no Theatre Royal, em Nottingham, em 6 de outubro de 1952. Depois de pequena turnê, foi, sem interrupção, para o New Ambassadors Theatre, onde ficou 22 anos. Dali seguiu para o St.Martin!s Theatre, onde permanece até hoje. Em 10 de abril de 2008 completou 23.074 apresentações. É famosa por ser a peça há mais tempo encenada na história do teatro, tendo se mantido mais de sessenta anos em cartaz, ininterruptamente.
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