Assassinato no navio de cruzeiros
Ises de Almeida Abrahamsohn
A partir de escrita coletiva dos participantes
do “Escreviver” : Suzana Lima, Oswaldo Lopes, Yara Mourão, Ledice Pereira e
Ises A.A.
O
navio de cruzeiros Ocean King levantou âncora pela manhã do
porto de Santos e agora seus passageiros se debruçavam nas amuradas para
contemplar o Pão de Açúcar e o esplêndido pôr do sol na baía de Guanabara.
As primeiras tímidas conversas aconteciam entre os viajantes.
Logo
mais, à hora do jantar, os viajantes se acomodaram, sorridentes, nos lugares
previamente marcados, prontos a apreciar as especialidades do chef francês.
Entretanto, em uma das mesas causou alguma estranheza um lugar que permaneceu
vago à mesa. Talvez algum passageiro que cancelou à última hora ou indisposto.
Logo a conversa à mesa tomou outro rumo e o fato foi esquecido.
O
jantar foi acompanhado pela música suave de fundo executada num piano de cauda.
Ao término do jantar, o pianista se apresentou no amplo bar contíguo e tocou
algumas peças do repertório erudito demonstrando seu talento. Edgar falava português
perfeitamente com um leve sotaque, talvez da região dos Balcãs. Era natural da
Sérvia, porém se naturalizara brasileiro.
Edgar Todorovic atendeu a alguns pedidos dos
presentes. Após sua performance, parou por uns minutos junto ao balcão do
bar e tomou uma dose de vodka, trocando algumas palavras com o barman. Em seguida, visivelmente cansado, o pianista se
retirou do salão.
Cerca
de uma hora mais tarde os passageiros, que agora tinham se espalhado pelos
outros bares e salões do navio, notaram uma agitação inusitada dos garçons e
demais empregados com conversas entrecortadas por exclamações de espanto e
preocupação.
Logo
fez se ouvir um comunicado do comandante:
“Nosso pianista Edgard faleceu de causas
desconhecidas ao retornar à sua cabine após a apresentação do seu show”. Solicita-se aos passageiros que se recolham
às suas respectivas acomodações. Estão encerradas as atividades previstas para
a noite”.
O
teor da mensagem sugeria que a morte não acontecera por circunstâncias
naturais.
De
fato, o pianista foi encontrado morto por um colega que estranhou não haver
resposta ao bater na porta da cabine que não estava trancada. Ao primeiro exame
a profunda marca no pescoço indicava que tinha sido asfixiado por um fino
cordão de nylon. O assassino provavelmente o esperara já na cabine atacando de
surpresa. Não havia sinais de luta visíveis. Os documentos da vítima indicavam
que Edgar era de fato sérvio tendo se naturalizado brasileiro há 15 anos. Tinha
atualmente 57 anos.
O
navio já havia saído da baía da Guanabara, porém o capitão decidiu voltar
quando acionada a Interpol devido à identidade sérvia do pianista. Ele vivera na Sérvia até 1995 durante a
cruenta Guerra da Bósnia entre 1992/95. Também foi apurado que era militar
nessa época e tinha participado como oficial. Ao final da guerra, teria 27 ou
28 anos e tinha saído da Sérvia. A entrada no Brasil foi há 16 anos e ele
declarou-se apátrida, requerendo depois a nacionalidade brasileira. No período
entre 1995 e a entrada no Brasil em 2008, seus paradeiros eram um mistério.
Parecia ter se evaporado. Porém, não havia mandados de busca contra ele ou
acusações por eventuais crimes de guerra.
No
porto carioca, na manhã seguinte, o corpo foi retirado para perícia no
Instituto Médico-legal e o pessoal da perícia ligado à Interpol subiu a bordo
para exame da cabine e interrogar os demais empregados do navio. Pouco
conseguiram.
Um
dos camareiros, Sven, um sueco morador em Natal, conhecia o pianista Edgar de
outras viagens em navios de cruzeiro, mas pouco sabia de sua vida. Aliás, foi a
pessoa que o encontrou morto na cabine. Jogavam xadrez para se distrair e
tomavam alguns goles juntos, mas o camareiro não sabia nada da vida pregressa
do pianista. Apenas que era muito reservado e falava várias línguas. Aparentemente, não se interessava por
mulheres, embora fosse cortês com as colegas. Um dos engenheiros da casa de
máquinas também o conhecia e os dois, ao se encontrar, conversavam em alemão ou
francês sobre assuntos como música ou escritores preferidos. Ao ser
interrogado, o engenheiro Ferencz, húngaro, confirmou não conhecer nada sobre a
vida pregressa do pianista, que desviava o assunto quando a conversa chegava
próxima à sua vida pessoal. Os outros empregados tinham sido recém-contratados,
porém uns três, entre eles o barman Louis, já tinham trabalhado em outros
navios onde o pianista se apresentara e o conheciam de trocar algumas palavras.
O pessoal da perícia não encontrou
nenhuma pista na cabine que foi vasculhada em todos os cantos. Nem digitais,
nem escritos particulares ou outros documentos, ou fotos do falecido que
pudessem ser de maior interesse. Apenas
duas fotos foram encontradas de Edgar quando jovem, orgulhoso ao lado de um
piano de concerto e de uma bela mulher que devia ser a mãe. Atrás das fotos
estava escrito Conservatorium Novi-Sad Прва награда (pronuncia-se Prva
nagrada) significando primeiro prêmio e a data, 1982. Os seguranças esmiuçaram
a cabine inteira, atrás de digitais ou quaisquer pistas da identidade do assassino, ou assassina (embora não acreditassem que fosse mulher devido ao
método do crime e ao porte de Edgard).
O navio precisava seguir a viagem. Os
policiais ficaram com a lista de passageiros e empregados para outras
investigações em Santos e no porto de embarque da vítima.
O detetive Marcos, da Polícia de
Estrangeiros, carioca e ligado à Interpol, foi designado para o caso e depois
das entrevistas no navio e pericia foi deslocado para Santos para aprofundar a
investigação.
Em Santos, chegou a uma pensão onde o
pianista se hospedava em um quarto amplo com banheiro privativo nos períodos
entre viagens. Costumava alugar um piano para ensaiar durante o dia. Era calmo,
pontual nos pagamentos e embora cortês com outros moradores não estabeleceu
nenhuma amizade. Por alguns períodos saia à noite para tocar, quando contratado
por hotéis ou bares em Santos, ou no Guarujá.
Dona Eulália, dona da pensão, lamentou a perda de tão bom hóspede e das
músicas que alegravam o seu dia a dia. Era de opinião que devia existir algum
segredo na vida pregressa do Seu Edgar.
Com as informações obtidas o detetive
Marcos construiu um perfil da vítima.
Tocava
em bares e restaurantes e em navios de cruzeiro música pop internacional,
principalmente. Tinha sido recentemente contratado para trabalhar no enorme
navio de cruzeiro o “Ocean King”, que zarparia do porto de Santos. Falava
um português correto às vezes mesclado de palavras em espanhol, porém com um
leve sotaque. Era sérvio, fluente em inglês e alemão e também se virava no
francês. Era um pianista popular dominando o repertório internacional de hits
românticos dos compositores da primeira metade do século XX, americanos e
franceses e improvisava bem no jazz e na bossa nova. Antes do Ocean King tinha
sido contratado em outros navios de linhas importantes como a Norwegian, Costa
e algumas que navegavam no Caribe.
Seu horário de trabalho em navios era das
oito da noite até a uma da manhã, com quatro intervalos de quinze minutos. Era
metódico. Dona Eulália tinha observado como cuidava das mãos e aplicava um
creme hidratante com massagens ao longo dos dedos. Afinal, dizia ele, são os
meus instrumentos para ganhar a vida... Fazia
diariamente séries de flexões de joelhos e exercícios com os braços para
aliviar as tensões da posição ereta ao tocar o instrumento.
O barman Louis contou ao inspetor os
hábitos do pianista. Voltando dos intervalos ao palco ou restaurante, parava no
bar ou encomendava ao garçom um copo de suco e um de água. Bebia o primeiro e o
segundo costumava levar a uma pequena mesa ao lado da banqueta do piano. Jamais
tomava bebida alcoólica durante o dia, ou antes e nos intervalos das
apresentações. Apenas após terminar, de madrugada, bebia uma única dose de
vodka gelada, de um só gole, à maneira dos escandinavos. Depois descia para sua
cabine localizada nas entranhas do navio, no mesmo corredor das demais cabines
destinadas aos empregados. Essa era a rotina que costumava adotar nas viagens
de navio, com eventuais pequenos ajustes.
Edgar era muito reticente sobre seu
passado e suas origens. Era magro de estatura média, 1,73 metro de altura
segundo os dados do passaporte; o smoking impecável o fazia parecer mais alto.
Tinha cabelo liso escuro penteado para trás deixando a testa livre. O rosto
tinha algo de oriental ou mongol pelos olhos escuros ligeiramente oblíquos e as
maçãs do rosto altas. Esta era sua primeira viagem no Ocean King. Os carimbos
no passaporte confirmavam as viagens anteriores nas embarcações de outras
linhas.
O detetive Marcos verificou que quando
Edgar se apresentou a bordo pediu ao imediato para ver a lista dos demais
empregados sob o pretexto de verificar se haveria algum conhecido de viagens
anteriores. Percorreu atentamente a extensa lista. Desde os maquinistas,
comunicadores, até o pessoal da cozinha, os que trabalhavam nos restaurantes e
bares, arrumadeiras e animadores, grupos de dança e atores. Enfim, a lista
enorme de mais de duas centenas de empregados para atender alguns milhares de
passageiros. Ao devolver a lista comentou que havia reconhecido um ou outro
nome de companheiros de viagens anteriores. Outra lista que pediu para
consultar foi a de passageiros, o que soou estranho ao imediato que recusou.
O cruzeiro do Ocean King seria de 25 dias
costeando o Brasil até Natal, de onde rumaria até o Senegal, na África e depois
até Cádiz, na Espanha, seu destino final.
Após zarparem Edgar ficou na cabine até a
hora do almoço que foi servido aos empregados às 11:30. Voltou à cabine e por
volta das 15 horas foi caminhar no convés superior e se exercitou na academia
por uma hora. Depois tomou um café em um dos bares e encontrou seu colega Sven
para uma partida de xadrez que durou cerca de hora e meia. Depois, Edgar
começou a se aprontar para a função noturna. Tocou no restaurante principal
desde as 20 horas até o final do jantar às onze horas e depois no amplo bar
contíguo até uma da manhã. Essa tinha sido a determinação do coordenador de
entretenimentos do navio e foi confirmada pelo barman quando interrogado ainda
no Rio. Todas as movimentações do
pianista até se retirar à uma da manhã foram confirmadas.
O detetive entrou em contato com os
colegas da perícia do Rio para verificar se haviam encontrado algum outro indício que pudesse ser útil para identificação. Havia uma pegada no carpete de
sapato masculino tamanho pequeno,40, que poderia ser do criminoso. Os fios de
cabelo preto encontrados na cabine aguardavam análise, mas tudo indicava serem
da vítima. Nada havia sido roubado da cabine, nem documentos ou passaporte, ou um relógio de pulso de marca valiosa encontrado em uma gaveta. O relógio que a
vítima trazia no pulso era do tipo comum sem valor. Também não encontraram
telefone celular e ninguém nunca o vira usar um.
Qual
seria o motivo do crime? Marcos avaliou que
o crime estaria de alguma maneira ligado à vida anterior do pianista,
mas quando? Apostou que algum indício
poderia vir das duas fotografias encontradas na cabine. Tinha entrado em
contato com a Interpol na Sérvia e passado as fotos e as anotações do verso.
Enquanto aguardava alguma informação, resolveu trabalhar na lista de
passageiros embarcados em Santos e na lista dos empregados no navio. Era um
trabalho tedioso, mas mais rápido com o uso do computador. Dispunha dos nomes
de todos além da nacionalidade e número dos passaportes. O assassino
provavelmente era do sexo masculino devido à natureza do crime, que requeria
passar o fio estrangulador com muita força e rapidez de modo a bloquear a
reação imediata da vítima.
Marcos
era metódico. Primeiro, percorreu a lista de empregados que era menor, cerca de
trezentos. Considerando que o crime estava possivelmente relacionado a algum
acontecimento. Concentrou-se nos empregados de nacionalidade ou naturalidade
estrangeira. Havia cerca de trinta homens nesta situação, entre os quais
aqueles que já conhecia Sven, Ferencz e o barman argelino Louis. Enviou para as
sedes da Interpol em Lyon na França e em Washington, os dados para verificar se
havia alguma informação registrada sobre os empregados estrangeiros.
No
dia seguinte obteve respostas negativas de ambas as agências. Marcos estava ansioso pelas respostas do
escritório da Interpol da Sérvia. Passou mais uma vez na pensão de Dona Eulália
para verificar se conseguia alguma outra informação ou se algum conhecido da
vítima tivesse aparecido ou ligado, mas nada havia de novo. Era hora de almoço
e o detetive resolveu espairecer, almoçando num dos bons restaurantes de peixe
da ponta da praia.
Ao
voltar para o hotel encontrou as respostas da Sérvia. Bingo... Acertei. O
sujeito tinha mesmo com que se preocupar. O pianista Edgar era, na verdade, Borislav Yesensky. As fotos tinham sido tiradas quando recebera um
prêmio no Conservatório aos quinze anos. Aos dezoito anos terminara os estudos
de piano e tentara sem sucesso um emprego nas escolas ou conservatórios das
cidades próximas. Teve que fazer serviço militar e acabou permanecendo na
ativa. Foi promovido a oficial. Nessa altura, a biografia se tornava
interessante.
Como militar participou na Guerra da Bósnia
durante os três anos de duração. Comandava grupos que invadiram Srebrenica em
1995 e que participaram do massacre de milhares de pessoas, a maioria
muçulmana. Com o final da guerra em 1995 e com muitos dos seus colegas de farda
acusados por crimes de guerra, Borislav sumiu de casa e do mapa. Não deu baixa
no exército e nem se despediu da mãe e da irmã. Ambas já haviam falecido.
Marcos
pensou que talvez o assassinato do
pianista, agora identificado como Borislav, fosse devido à sua ação na guerra,
embora quase trinta anos houvessem se passado.
Voltou imediatamente ao computador para esmiuçar a gigantesca lista de
passageiros. A estratégia seria procurar por homens que tivessem nomes ou
sobrenomes oriundos do Levante, ou da antiga Iugoslávia, possivelmente muçulmanos.
A busca identificou cerca de duzentos com sobrenomes oriundos de países do
Oriente Médio, Turquia, Síria, Líbano. Ainda era muita gente. A maioria era de
brasileiros descendentes de imigrantes que desde o início do século passado
vinham se estabelecer no norte e no sudeste. Descartados os brasileiros,
sobraram apenas oito nomes. Eram provenientes dos Emirados Árabes, da Arábia
Saudita e do Egito e viajavam com esposa ou família. Entretanto, um nome entre
os oito chamou a atenção de Marcos. Aleksander M. Zaric -Radíc. Um sobrenome
iugoslavo. Quando Marcos olhou o passaporte, tinha quase certeza de que
achara o assassino. A inicial do meio M. correspondia a Mohamed, indicando
a religião muçulmana do passageiro Alexander. Entrou em contato com o navio que
havia deixado o porto de Salvador no dia anterior. Confirmou que o passageiro
ocupava uma das cabines interiores e que recusara os serviços de limpeza da
camareira desde o dia em que zarparam. Não fora visto andando no convés, mas
tinha comparecido às refeições.
Marcos
ligou para o barman. Marcos havia estabelecido um bom contato com Louis e
acertara com ele que ficasse de olho nos passageiros. Louis lembrou de um
passageiro que destoava dos outros. Era um homem de estatura média, atarracado que
parecia nervoso e deslocado. Chegou atrasado para o jantar, pedindo desculpas.
Ocupou o lugar designado, mas ficou ali, meio à parte, constrangido sem
participar da conversa. Jantou rapidamente, não quis vinho, nem sobremesa.
Parecia estar com pressa. Pediu licença, e saiu para o convés quase vazio
àquela hora. Porém, Louis o viu voltar ao salão de refeições e se instalar numa
das mesas ao fundo do bar. Estava ali isolado com um café à sua frente quando o
pianista chegou para tocar. O barman
observou que o sujeito não pediu nenhuma bebida e permaneceu lá na penumbra.
Mas Louis não sabia dizer quanto tempo ou se o tal sujeito encontrara alguém.
Apenas notou que, ao avisar o fechamento do bar para os últimos pedidos, a mesa
estava vazia.
O
detetive tinha agora quase certeza de que o tal Aleksander era o assassino.
Entrou em contato com o imediato. Era necessário verificar se o passageiro de
nome Aleksander Zaric-Radíc se encontrava no navio e no dia seguinte, ao
aportar em Recife, sem alarde, policiais da polícia federal o levariam para
interrogatório na Central da polícia de estrangeiros.
No
Recife, os dois policiais em vão bateram à porta da cabine. Ao ser aberta,
encontraram apenas a cama desarrumada e uma mala barata vazia. Sobre a cama, um
envelope de papel pardo amassado com uma carta de duas páginas endereçada à
polícia escrita em inglês básico, mas suficientemente esclarecedora.
Na
carta, revelava que havia matado o pianista cujo nome verdadeiro era Borislav
Yesensky. Não queria que outra pessoa levasse a culpa pelo ato. O pianista era
um criminoso de guerra e comandara e matara centenas de pessoas na sua vila em
Srebrenica. Borislav pessoalmente fuzilara todos os membros de sua família, sua
mulher, seus dois filhos e seu irmão mais novo. Só ele, Aleksander escapara por
não estar em casa. Quando ocorreu o cessar-fogo enterrou seus mortos e
abandonou a casa destruída. Conseguiu saber de alguns vizinhos a identidade do
militar assassino que também comandara massacres em outras vilas. Sabia que o
assassino estava foragido e também que tinha sido pianista quando jovem. Aleksander
jurou que iria matar o assassino de sua família. Relata que trabalhou como
pedreiro em vários países da Europa, sempre tentando encontrar pistas do
criminoso sérvio e ex-pianista Borislav Yesensky. Dele tinha em mãos uma
fotografia antiga com os companheiros d
e
caserna. Vasculhou jornais procurando pianistas em casas noturnas e teatros.
Até contratou um serviço de procura de desaparecidos. Conta que em 2017, quando trabalhava na
Bélgica, viu num jornal um anúncio de turismo de um navio norueguês que, entre
as atrações, mencionava a apresentação de um “famoso” pianista sérvio. Foi atrás do citado pianista em Oslo e
descobriu junto à companhia de navegação que se tratava mesmo do assassino
Borislav; usava o nome de Edgar Todorovic, e tinha adquirido a nacionalidade
brasileira. Atuava normalmente nas linhas de cruzeiro no Caribe e nas Américas,
mas tinha sido chamado para substituir nessa viagem o pianista regular que
adoecera. O navio estava em cruzeiro. Aleksander esperou até que aportasse e
reconheceu Borislav entre os tripulantes que desciam a escada e caminhavam na
direção do prédio de controle da alfândega. Apesar de envelhecido, Aleksander
reconheceu-o imediatamente. Gritou: Borislav, Borislav. Este, surpreendido
involuntariamente, virou-se ao ouvir o nome, parou e, largando a bagagem, saiu
correndo entre os edifícios do porto. Aleksander não conseguiu alcançá-lo nem o
encontrar em Oslo. Depois de muito insistir, conseguiu saber que o pianista
havia embarcado após uma semana num navio da companhia que rumava de volta ao
Brasil. Aleksander trabalhou ainda na Europa para juntar dinheiro para as
despesas de viagem. Finalmente, em 2023, conseguiu viajar para o Brasil. Em
Santos, localizou o navio onde o pianista iria atuar. Achar o endereço de
moradia de Borislav/Edgar na cidade foi impossível. Aleksander conseguiu
comprar uma cabine interna no Ocean King. Tinha tudo planejado. Como descreve
na carta, usaria um fio de nylon resistente que preparou, prendendo cada ponta
a uma empunhadura de madeira. Precisava surpreender e não permitir barulho ou
resistência. Ficaria na cabine até o próximo porto em Salvador e escaparia em
meio aos passageiros do cruzeiro. Já tinha comprado os bilhetes dos voos que o
levariam a Recife e de lá para Amsterdam e depois para algum lugar onde não
pudesse ser encontrado. Queria viver os anos que lhe caberiam em paz.
Finalizava assim a carta.
O
detetive Marcos comunicou o conteúdo da carta aos superiores. Os contatos com o
aeroporto internacional de Recife revelaram que Aleksander de fato já embarcara
para Amsterdam na noite anterior. A questão era se iriam dar prosseguimento à
procura de Aleksander Zaric -Radíc. O grupo da Interpol do Rio decidiu não
prosseguir com a investigação. O caso tinha sido elucidado e o Marcos
pessoalmente considerou que o melhor era deixar o bósnio viver em paz os anos
que lhe restavam.