Dinheiro
fácil
Ises de Almeida Abrahamsohn
Reinaldo estava atolado em
dívidas e à beira da falência. Era gerente de uma locadora de automóveis cujo razoável
lucro não era suficiente para seus hábitos. Tudo havia começado quando, há três
anos, se tornou amigo de dois clientes ricos e passou a frequentar rodas de pôquer
com altas apostas, restaurantes e vinhos caros, prostitutas de luxo e hospedagem
em hotéis idem. E, naturalmente, haviam as despesas normais da família que
incluía Márcia e os filhos Pedro e Luciano. Márcia trabalhava e contribuía, mas
o que tirava no escritório de advocacia não era suficiente. Antes das novas
amizades do marido, o casal ganhava o suficiente para ter um bom padrão de
vida. Reinaldo sempre se sentiu atraído por luxo. Bem lá no fundo reconhecia
que, ao se casar com Márcia, um fator tinha pesado bastante. O sogro, dono de
um famoso escritório de advocacia, era muito rico. Riquíssimo e avarento na
opinião de Reinaldo. O velho fazia questão de repetir que os filhos, Márcia e o
irmão, tinham que trabalhar e fazer o próprio pé de meia. Dinheiro demais
empobrece a alma, dizia o velho. Algum dia vocês e meus netos vão herdar minha
fortuna, mas ainda tem tempo. Márcia nunca fora acostumada a luxos e não sentia
falta do dinheiro do pai.
Reinaldo, desesperado por
dinheiro vivo, sabia que não adiantaria pedir ao sogro. O sovina ia querer
saber os motivos do empréstimo e investigaria a situação da locadora se ele
inventasse uma possível expansão do negócio. Já havia pensado e repensado em
vários estratagemas para arrancar o dinheiro do velho. Nenhum daria certo.
Estava no escritório tarde da noite verificando apólices de seguro quando tocou
o telefone. Era um dos malditos agiotas. O cara já tinha ligado no dia
anterior. Queria pelo menos parte do empréstimo, trezentos mil para ser exato. Agora
ameaçava executar a dívida tomando a loja. Seria o fim de tudo, pensou. Da
loja, do casamento, e ainda ficaria devendo na rua da amargura.
Foi quando lhe veio a ideia
de como poderia extrair grana do sogro e resolver todos os problemas. Um falso
sequestro. Genial, pensou. O velhote não iria se negar a pagar o resgate de um
neto. Ficou pensando, qual dos dois meninos. Acabou optando por Luciano que
tinha cinco anos. O outro, de oito, seria mais difícil. Precisava achar alguém
disposto a capturar o menino e mantê-lo
escondido até o pagamento do resgate. Era uma chateação inevitável mas tinha
que ser. Lembrou do Carlão da oficina de conserto dos automóveis que sempre se queixava
da falta de grana e de como a mulher o atazanava para comprar um
apartamentinho. Sim, o Carlão era o cara certo. Podiam ficar com o garoto uns
dias na casa em que moravam num bairro distante no Embu. Pediria resgate de
dois milhões e aí se livraria da maior parte das dívidas. Pensou até em pedir
mais, mas quantias muito maiores o sogro teria dificuldade em mobilizar
rapidamente. Dois milhas é café pequeno para ele.
Dia seguinte, foi procurar o
Carlão. O rapaz estava hesitante. Ofereceu dar cem mil pelo serviço. Era grana
suficiente para comprar o sonhado apê da Lindalva, ou pelo menos para a entrada.
Não haveria risco, assegurou Reinaldo. ─
Você fala para ela que é o filho de um amigo, a mãe está muito doente e a
criança não tem com quem ficar. O menino vai ficar no máximo uns dois , talvez três
dias com vocês.
Finalmente acertaram o
plano. Carlão pegaria Luciano quando estivesse indo para a aula de natação.
Todas as terças feiras por volta das três da tarde o garoto e a babá caminhavam
até a escolinha que ficava a alguns quarteirões da casa.
No dia combinado lá estavam
os dois, Reinaldo na direção e Carlão ao lado, no Fiat verde do mecânico à
espera de Luciano e da babá. A combinação era que Reinaldo, vestido com um
macacão escuro e usando uma balaclava apenas guiaria o carro sem abrir a boca. Carlão
pegaria o garoto dizendo para a babá que era o novo motorista da avó e que ia
levar Luciano para passar a tarde na casa dela. Reinaldo ficaria no carro esperando
numa rua lateral. Quando chegassem perto da casa do mecânico, este sairia com o
menino e Reinaldo voltaria com o carro para a oficina.
O esquema funcionou com
alguns percalços. Antes que a babá conseguisse ligar pelo celular para casa, o
rapaz pegou o garoto pela mão com a promessa de que iriam ao zoológico com a avó.
Caminharam rápido. O Carlão puxando o garoto pela mão. Ao dobrarem a esquina
levantou o garoto e carregou-o no colo até o carro. ─ Rápido, cara, que a babá tá vindo
atrás. O carro arrancou e na rua seguinte misturou-se ao tráfego. No banco de
trás, Carlão repetia ao garoto que logo chegariam à casa da avó. Mas o garoto
estava desconfiado, perguntou por que o motorista tinha aquela máscara preta e
disse que queria ir para casa. Carlão deu-lhe um copo com coca cola e um
saquinho de batata frita. Luciano adormeceu ao comer as primeiras chips. Ao avistar
a casa, Reinaldo parou o carro e Carlão carregou o garoto adormecido até a
entrada.
A mulher estranhou. ─ Quem é esse garoto ? Por que está
dormindo assim?
Carlão repetiu a mentira combinada
para Lindalva, que não pareceu convencida. Ajeitaram o menino no pequeno sofá
em frente à televisão. A mulher insistiu:
─
Carlão, essa história está mal contada. Que amigo é esse? As roupas dele são de
marca. Que eu saiba você não tem amigos ricos. O que acontece ?
Depois de outras perguntas que Carlão não
conseguia responder, finalmente cedeu e desembuchou.
─
Lindalva, aguenta aí . Você não quer o apartamento? É a nossa chance. Só temos
que ficar com o garoto por alguns dias. O cara vai pagar cem mil.
A mulher retrucou nervosa: ─
Isso é crime , Carlão. Não vai dar certo vamos sair dessa. Esquece o apê. Liga
para a casa do cara e fala que você vai levar o garoto lá e que o trato tá
desfeito. Mas Carlão não queria saber e ameaçou. ─
O menino vai ficar por bem ou por mal. Vou pegar essa grana fácil.
Lindalva perdeu a paciência
e avançou sobre o marido para arrancar-lhe o celular e descobrir a última chamada . O
homem, possesso, revidou um safanão que a atirou ao chão. Curvou-se sobre ela: ─ E vai ter mais, Lindalva. Cala a boca
senão vai levar mais porrada. Não vou desistir agora.
A mulher levantou a custo e,
com a boca sangrando, cambaleou até o banheiro. Trancou, lavou o rosto e ficou
sentada até Carlão parar de esmurrar a porta e ela se acalmar. Vai ver ele tem mesmo razão . Pode dar
certo. Vou cuidar bem do menino. É a nossa chance de sair desse buraco aqui
longe de tudo. Sempre sonhei com um apartamento meu perto de condução e comércio.
Não aguento mais pegar dois ônibus e trem para trabalhar. Qualquer coisa eu aviso
a polícia e tiro o corpo fora. Que se dane o Carlão.
Quando Lindalva abriu a
porta, o marido já tinha saído. Na sala o garoto ainda dormia pesadamente.
Coitado, quando acordar vai ser um Deus nos acuda. Nem o nome dele eu sei. E quando
acordar vai ser de noite. É capaz de eu estar sozinha. O Carlão vai ficar na
oficina até bem mais tarde. Bem do jeito dele, deixar o problema para eu
resolver. Quando o menino acordar vai estar com fome. Preciso fazer alguma
coisa para ele. É filho de gente rica... Que será que ele come? Eu tenho arroz
e feijão. E também tem ovo. Vai ser isso. Meus sobrinhos adoram arroz com ovo. Acho
que toda criança gosta. E não tenho mais
nada. E vai tomar água. Limonada ainda dá pra fazer. Mas suco, esquece. Não
posso sair e deixar ele sozinho.
Às seis da tarde Luciano
ainda dormia. Lindalva nervosa andava de um aposento para outro da minúscula
casa. A cada minuto olhava a sala. Limpou duas vezes o chão já limpo dos dois
quartos, e arrumou a cozinha. O arroz e feijão estavam sobre o fogão e na mesa
um prato para o menino. Pensou em ligar a TV. Não posso fazer barulho, pensou. E se os pais já tiverem avisado a
polícia ? Vai sair no noticiário das seis.
Decidiu-se por ligar o rádio
baixinho na cozinha. Estava na hora da benção das seis. Ficou mexendo na
sintonia do velho rádio da cozinha. Era um hábito seu mesmo agora que tinha
celular. Todas as tardes, ao fazer o jantar, ligava na hora da ave-maria. Ficou
mexendo na sintonia procurando notícias. Escutou até as sete, o cardápio
habitual de crimes da grande cidade , mas nada de sequestros. A polícia
mantinha segredo até resolver os casos. É isso, pensou Lindalva.
Ouviu um gemido vindo da
sala. O menino acordava. Mexia a cabeça e resmungava algo que ela não conseguia
entender. Até que abriu bem os olhos e gritou pela mãe. E pelo pai e por alguém
chamado Célia. Devia ser a irmã ou talvez babá, pensou. Levantou dum pulo e
gritou que queria ir para casa e queria ir ao banheiro. Lindalva pegou–o pela
mão para mostrar o banheiro, mas o garoto se assustou, deu-lhe um pontapé e saiu correndo. Logo em frente era
o banheiro. O garoto fechou a porta e ela ouviu a descarga. Tentou abrir, mas o
menino fazia força contra a porta e gritava que queria sair e ver a mãe e o
pai. A mulher não sabia o que fazer. Sorte que a porta não tem chave por
dentro, pensou. Decidiu deixar o garoto lá mesmo até ele cansar de gritar. Ela
teria mesmo de trancá-lo em algum lugar. Não tinha forças para ficar lutando com
o menino. E ele podia se machucar e, se
escapasse para fora da casa, era um breu em volta até uns 500 metros onde tinha
o primeiro poste de luz. Ficou ali agarrada ao trinco enquanto o menino gritava
e chorava. Finalmente, rouco, parou e pediu para sair. ─ Quero telefonar para minha mãe. Cadê
seu celular ? Tô com fome. Quem é você?
Ainda tentou dar uns socos e
pontapés em Lindalva, mas ela lhe prometeu que, se parasse, poderia comer e
depois ligar para a mãe. Luciano desconfiado resolveu seguir até a cozinha.
Comeu arroz com ovo frito e bebeu água.
Ao terminar de comer o
menino voltou à carga. Queria telefonar. Lindalva disse que não tinha telefone,
o marido tinha levado, mas o esperto garoto logo rebateu que era mentira. Tentava
gritar mas, de tão rouco só saiam uns
grunhidos. Corria pela casa tentando achar uma saída. Todas as portas estavam
trancadas. Para alcançar os trincos das venezianas das janelas, empurrou uma cadeira e
passou a esmurrar as janelas. Lindalva falava que não tinha ninguém lá fora
para ouvir e já tinha desistido de correr e de tentar conter o garoto. Alguma hora há de cansar e parar.
De fato, foi o que ocorreu. ─ Quando seu marido chegar vou pegar o
telefone e falar com minha mãe e meu pai, avisou Luciano, ao se atirar no
pequeno sofá da sala. ─
Estou com sede. ─
Você não tem Toddy aí? Essa hora eu sempre tomo um copo e vejo desenho na TV
antes de dormir. E estou com frio. Lindalva disse que tudo bem. Não tinha Toddy
mas tinha chocolate, que era a mesma coisa, e ia preparar o leite para ele.
Pegou um cobertor e ligou a televisão. Com o barulho da TV, o menino não a ouviria
falar ao telefone. Avisou que iria ao banheiro.
Lá dentro, Lindalva pegou o
aparelho na bolsa pendurada atrás da porta e ligou o chuveiro. Carlão demorou
para atender. A mulher insistiu que o plano não ia dar certo. Não conseguia
controlar o menino e se ele saísse correndo pelos ermos, aí é que a coisa
complicava. O marido retrucou que agora tinham que prosseguir.─ Pense no apê, Lindalva.... Para acalmá-la
falou que ia conseguir algum calmante
com o pai do garoto, e então seria mais fácil controlar a fera. ─ Te ligo daqui a pouco. Fica fria aí!
Daqui pouco levo o remédio.
Ao sair do banheiro, a moça
viu com alívio que Luciano tinha
adormecido. Baixou um pouco o volume da TV e foi sentar na cozinha. Depois de
meia hora ligou para o marido. ─ E
aí, Carlão , conseguiu o remédio?
Mas o mecânico não tinha o
remédio e estava nervoso ao telefone. A mulher sabia que quando ele começava a
gaguejar era porque estava realmente fora do controle. Tinha ligado para o pai
do menino que ficou histérico com a ligação e desligou o telefone antes que ele
pudesse falar. Disse que não podia ter contato, que a polícia podia verificar as chamadas e chegar ao Carlão e
tudo estaria perdido. Tinha enviado um WhatsApp para Reinaldo explicando a
urgência do calmante, mas este não respondeu e bloqueou o número.
Lindalva do outro lado
estava cada vez mais nervosa. Chega, Carlão. Vamos devolver o menino. Você vem
cá e levamos ele de carro. Deixamos em frente da casa dele e sumimos. Você sabe
onde é! Já foi levar algum carro na casa deles.
Mas Carlão não queria ouvir
falar. Chegou em casa passada meia noite e sem o calmante. Lindalva estava fora
de si. Colocaram o garoto num colchonete no quartinho ao lado do quarto do
casal e bloquearam porta. Ela pegou o celular para ligar para a polícia, mas o
marido deu-lhe mais uns safanões e se apossou do aparelho. Disse que se o
menino acordasse ia amordaçá-lo e de manhã iria conseguir a p.... do calmante. Lindalva exausta deitou na cama
do casal. O marido ficou vigiando. De olhos fechados, com o lábio sangrando e o
rosto inchado ela pensava em como sair dessa sem que o garoto sofresse mais.
Adormeceu por algumas horas. Quando acordou percebeu que o marido tinha saído
com o carro. Entreabriu a porta do quartinho. O menino dormia. Eram cinco da
manhã. Começava a clarear.
Lindalva aprontou leite com
chocolate para quando ele acordasse. Ela mesma tomou café e um pedaço de pão.
Teria que agir rápido. Acordou o garoto que logo começou a chorar. ─ Luciano, vou levar você para casa. Mas
você precisa ajudar. O Carlão levou o carro, é muito cedo, então a gente vai
ter de ir na bicicleta até a estação de trem. O garoto parou de chorar para
dizer que não sabia andar de bicicleta, mas a moça explicou que ele iria
sentado no cano e que precisava ficar bem quieto para ela poder guiar. Fazia
frio e Lindalva fez o garoto vestir um velho casaco seu. Depois dos primeiros
quinze minutos sentado no cano duro da bicicleta e passada a novidade o menino
começou a reclamar e a choramingar. Estavam quase chegando na estação quando
apareceu um carro da polícia. De dentro saíram dois policiais, um homem e uma
mulher ambos de arma em punho. Largue a
criança, gritou um. Senão vou atirar. Lindalva, aterrorizada parou e empurrou
Luciano na direção do policial. Só depois, percebeu Carlão algemado no banco de
trás. Gaguejando disse que estava levando o garoto para casa. Que não tinha
nada a ver com o caso. Que era mulher do
Carlão e que ele apareceu com a criança para ela cuidar e quando quis telefonar
tinha apanhado e mostrou o rosto inchado
e marcado. Algemada, Lindalva foi empurrada para o banco de trás do carro. A policial com o garoto assustado no colo
sentou entre os dois. Vamos para a delegacia, avisou ela e não quero conversa
aqui no carro. Na delegacia, esperavam a mãe e o tio do menino para levar o
garoto para a casa da avó. Ali Lindalva acabou escutando como a polícia tinha
chegado ao Carlão. Alguém tinha anotado a placa do carro e ligado para a
polícia. Um garçom de um bar próximo desconfiou do fiat parado com motor ligado
cujo motorista rapidamente cobriu o rosto quando um homem carregando um menino
entrou no carro que partiu a toda velocidade.
Antes de ser empurrada para
um quartinho sem janela, Lindalva ainda gritou para mãe do garoto. ─
Eu cuidei bem do Luciano. Estava
trazendo ele de volta.... Depois ficou lá, isolada, sem saber mais o que
acontecia. Cansada, sentou no chão apoiada na parede e começou a rezar. Tinha
que provar que não tinha nada a ver com o sequestro. Se não era cadeia na
certa.
Fora do quartinho, na
delegacia os policiais combinavam com o avô do menino como pegar Reinaldo em
flagrante. O avô tinha recebido na noite anterior um bilhete com o pedido de
resgate e as instruções onde entregar encontrar o neto e depositar o dinheiro. Como
Reinaldo saíra cedo de casa, fingindo-se de desesperado, nem atinava que Luciano
àquela hora já estava são e salvo na casa da avó.
Lá pelas cinco da tarde soou
o telefone. Era Reinaldo. Queria combinar o lugar da troca. A sacola com
dinheiro pelo neto. Marcou encontro na estradinha escura que levava à casa de
Carlão, perto de uma construção abandonada. Ficaria num carro sem placa, o
velho atirava a sacola e ele, depois de conferir o dinheiro, avisaria o Carlão
para deixar o garoto em algum ponto da cidade e ligar para a mãe com a
localização.
Tudo perfeito. Não podia dar
errado. E sem polícia. O velho não ia arriscar meter a polícia no meio.
Onze
da noite, Reinaldo ansioso esperava no carro, luzes apagadas. Até agora tudo
certo. Tinha ligado há duas horas para o Carlão. Sim, ele estava com o menino.
Perguntou se dormia. ─
Claro. Tive que arrumar um calmante pro seu filho. Cê acha que ele ia ficar
quietinho? Foi sacanagem você não ter arrumado. Tive que sair pedindo por aí. Dei
metade do comprimido de dormir da minha irmã e ele dormiu na hora. Escuta aqui!
Eu quero a minha parte amanhã mesmo, em dinheiro. Nada de banco.
Pouco
depois Reinaldo viu o carro do sogro se aproximando. Farol baixo como
combinado. O sogro saiu do carro e gritou ─
Cadê o menino?
─ Joga o dinheiro, e vai embora. O menino tá bem, gritou
Reinaldo disfarçando a voz abafada pela balaclava. Pouco depois o saco de
dinheiro aterrissou no meio da estrada.
Ao ver o carro sumir na
escuridão, Reinaldo, moveu a lanterna pelas moitas próximas. Nada, silêncio
absoluto. Abriu a porta do carro e andou os poucos passos que o separavam do
sucesso. Ofegava e sentia o barulho do próprio coração quando se abaixou para
agarrar o saco com a grana. Pesado...tinha os dois milhões ali. Sua salvação. O
velho nem regateou. Beleza, foi fácil, congratulou-se. Ergueu-se com o saco e
virou-se para voltar ao carro.
Não chegou até a porta.
Quatro intensos fachos de luz e o grito de “Pare ou leva chumbo” o
imobilizaram. Não parou. Apertou o saco contra a barriga e correu. Ainda ouviu
um segundo “Pare” antes de cair com a dor da primeira bala na panturrilha. A
segunda atingiu o tórax. Caiu de lado. Não conseguia mais respirar, a dor era
intensa. Ainda teve força para se virar. Sentiu a chuva fina molhar o rosto
antes de morrer.
Epílogo: Carlão foi
condenado a cinco anos em regime fechado. Lindalva pegou um ano em regime
aberto e se separou do marido. Vive com a irmã e continua a sonhar com um
apartamento só para ela.